Quatro réus seguem José Dirceu e pedem outro ministro na condução do caso
Pedido de afastamento terá que ser debatido no plenário do tribunal, sugere Lewandowski, o revisor do processo
Ao apresentar os primeiros recursos com que tentarão reverter as punições estabelecidas pelo STF no ano passado, os advogados dos réus disseram que eles foram prejudicados pela pressa na análise de seus argumentos e que o acórdão que resumiu as decisões do tribunal, publicado há duas semanas, é cheio de trechos incompreensíveis.
Além do ex-ministro José Dirceu, que apresentou anteontem seu recurso, também pediram o afastamento de Barbosa da condução do processo o ex-deputado Roberto Jefferson, o publicitário Ramon Hollerbach, o ex-executivo do Banco Rural José Roberto Salgado e o deputado federal Pedro Henry (PP-MT).
Eles alegam que Barbosa não pode mais acumular a presidência do STF com a função de relator. Ministros do tribunal dizem que o pedido não deverá ser aceito, mas dois deles, Ricardo Lewandowski, e Gilmar Mendes, defenderam que a questão seja debatida no plenário.
"Ele pode até eventualmente decidir monocraticamente, mas de toda decisão monocrática cabe sempre agravo regimental [recurso] ao plenário, como nós todos sabemos", disse Lewandowski, que foi revisor do caso e se opôs a Barbosa em vários momentos do julgamento.
O prazo para apresentação dos primeiros recursos terminou ontem. Conhecidos como embargos de declaração, eles permitem questionamento sobre supostos erros, omissões e contradições da decisão do Supremo.
Barbosa deve começar a analisar os recursos na próxima semana. A interlocutores, disse esperar concluir essa etapa ainda em maio
Depois dessa etapa, os advogados poderão apresentar outros recursos, chamados de embargos infringentes, para tentar levar o Supremo a julgar novamente questões que foram muito controversas durante o julgamento.
Ainda não se sabe se o tribunal aceitará analisar esses recursos. Caso aceite, os embargos serão distribuídos para outro relator, como afirmou ontem Lewandowski.
RETALHOS
Na petição que apresentou ontem, o advogado Arnaldo Malheiros Filho, que representa o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, um dos operadores do mensalão, disse que Barbosa descartou depoimentos favoráveis ao réu "somente porque supôs que as testemunhas mentiram".Ele classificou como uma "colcha de retalhos" o acórdão publicado pelo STF, criticando as mais de 1.300 intervenções dos ministros nos debates que acabaram suprimidas do documento final.
A eliminação desses trechos foi considerada "chocante" pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que defende José Roberto Salgado. O Supremo, no entanto, afirma que a prática é recorrente nos acórdãos do tribunal e permitida pelo regimento interno da corte.
Os 25 condenados no caso usaram os recursos para fazer questionamentos ao entendimento dos ministros e não se limitaram a apontar falhas formais, tentando desconstruir a narrativa estabelecida pelos ministros do STF.
O advogado do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) também usou seu recurso para pedir uma nova discussão sobre o mandato dele e dos outros três deputados condenados. Para ele, o acórdão não deixou claro se a palavra final sobre a cassação dos mandatos é mesmo do Supremo ou se ainda dependerá da Câmara dos Deputados.
ANÁLISE
Julgamentos longos não trazem necessariamente clareza à decisão
FERNANDO LEALESPECIAL PARA A FOLHAOs embargos dos réus do mensalão insistem que os votos publicados não reproduzem integralmente as falas dos ministros nas sessões. Que frases e diálogos inteiros não foram passados para o papel. Uma das petições indica a supressão de 1.336 trechos do acórdão. Claras omissões. Será? As manifestações dos ministros na TV Justiça estão à disposição de todos.Não é, porém, prática incomum entre alguns ministros excluir falas das versões finais dos seus votos.
Mas o que conta para fins de embargos de declaração? O que está escrito ou o que foi dito? O que se diz nas sessões de julgamento não pode ser considerado "decisão"? Publicidade não implica necessariamente clareza da mensagem. Este é o primeiro problema.
Os recursos também investem em supostas contradições, omissões, dúvidas e obscuridades no meio de tantas páginas. E assuntos debatidos em plenário como critérios para cálculo das penas, sentido de "ato de ofício", mudança da legislação penal no meio dos eventos e valoração de provas voltam à discussão. Em tese, nada excepcional, quando se olha para o mecanismo de tomada de decisões do STF.
Ao contrário do que acontece em tribunais constitucionais de países como EUA e Alemanha, onde decisão e fundamentos são condensados em único documento, a decisão do plenário do STF é basicamente a soma dos votos dos seus ministros.
Embora exista uma síntese da decisão --o acórdão--, seus fundamentos, mesmo quando convergem para o mesmo resultado, são quase sempre diferentes. Estão espalhados em cada voto. Aqui muitas páginas não implicam necessariamente conhecer claramente a posição do tribunal. Este é o segundo problema.
Quando se ouve ou lê que uma decisão judicial em um caso complexo tem mais de 8.400 páginas e que a TV Justiça transmitiu mais de 200 horas de sessões envolvendo o mesmo processo, as primeiras impressões que provavelmente vêm à cabeça são as de um julgamento minucioso e preciso.
Contudo, se há um ponto que aproxima os diversos embargos de declaração recebidos pelo STF contra a decisão do mensalão, ele está na tentativa de quebrar essa relação entre a duração do julgamento e a clareza da decisão. Já é hora de o tribunal repensar o seu processo decisório.
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