sexta-feira, 3 de maio de 2013

Museu Clube da Esquina ganha parceria da Escola de Música da UFMG e será inaugurado no ano que vem

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Museu Clube da Esquina ganha parceria da Escola de Música da UFMG e será inaugurado no ano que vem com projeto que amplia sua atuação para as áreas de ensino e pesquisa 



Sérgio Rodrigo Reis

Estado de Minas: 03/05/2013 



Tavinho Moura, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Murilo Antunes, Márcio Borges, Túlio Mourão e Cláudia Brandão, em frente à futura sede do Museu Clube da Esquina, na Praça da Liberdade (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Tavinho Moura, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Murilo Antunes, Márcio Borges, Túlio Mourão e Cláudia Brandão, em frente à futura sede do Museu Clube da Esquina, na Praça da Liberdade

Estudante do Colégio Anchieta, Márcio Borges tinha acabado de voltar da aula quando entrou no apartamento, no 17º andar do Edifício Levy, no Centro de BH, e foi direto para o “quarto dos homens”. Ao chegar, encontrou uma pessoa desconhecida deitada em cima do seu beliche. Não entendeu nada e estranhou ainda mais quando, sem o menor pudor, o sujeito o encarou e disse: “Quem é você!”. Irritado com a situação, retrucou: “Quem é você que está deitado em minha cama.” O diálogo mudou de rumos quando Milton Nascimento, então com 21 anos, às gargalhadas, finalmente se apresentou. “Já sei: você é o Marcinho”, disse apontado para o irmão do Marilton Borges, com quem acabara de formar o grupo Evolussamba, ao lado dos amigos Marcelo Ferrari e Wagner Tiso. A cena de 1963 ilustra bem os bastidores das origens do Clube da Esquina, movimento musical que ganhou o mundo vai virar um museu em Belo Horizonte.

A ideia é antiga. Mas a novidade é que, depois de idas e vindas e inúmeras discussões, com a entrada da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais no projeto, desenvolvido pela Associação dos Amigos do Museu Clube da Esquina (Aamuce), a proposta começa a ganhar forma. A ideia inicial se ampliou. Não será apenas um museu. O novo espaço, que funcionará no prédio do Servas, no Circuito Cultural da Praça da Liberdade, pretende ser também o Centro de Referência da Música de Minas. É consenso entre os organizadores a importância do Clube da Esquina no cenário nacional. O movimento conseguiu, de forma inédita, realizar fusões entre os mais diversos estilos, do congado ao rock dos Beatles, do repertório barroco ao jazz, e, a partir dessa mistura, propôs nova sonoridade. É este conceito que norteará a ação do museu.

Com previsão de funcionamento para o fim de 2014 – atualmente encontra-se em fase de desenvolvimento dos projetos arquitetônicos –, o Museu Clube da Esquina quer surpreender. Além de exposições convencionais de acervos de fotos e objetos, disponibilizará virtualmente conjunto de depoimentos, músicas, filmes, documentários e, sobretudo, irá se tornar referência em formação na área. “Vai ser um espaço vivo, com apresentações musicais, com professores dando aula e com interessados em buscar referências sobre os temas em torno do Clube”, adianta Márcio Borges. A importância do empreendimento extrapola, na opinião dele, Minas Gerais. “É uma forma de preservarmos e conservarmos a memória de algo muito bom e que projetou o nome do estado no exterior. Nossa proposta é manter aquele clima que nos uniu e o calor daquele acontecimento”, explica o letrista.
Perspectiva do novo museu, que terá espaços dedicados ao ensino da música (UFMG/Reprodução)
Perspectiva do novo museu, que terá espaços dedicados ao ensino da música

Ensino A primeira iniciativa para tornar realidade o Museu Clube da Esquina ocorreu na internet. Num portal virtual estão parte da história dos últimos 40 anos. A implantação do Museu e Centro de Referência pretende potencializar toda a cadeia produtiva da música que se faz no estado. A intenção é oferecer atividades qualificadas para aprendizagem, desenvolvimento, formação de público e fruição de produtos culturais, tendo a música como eixo para a dinâmica do aprimoramento e crescimento pessoal, consolidando e preservando acervo importante para a compreensão da história contemporânea de Minas.

O coordenador do projeto é o professor da Escola de Música, Mauro Rodrigues. “Estamos na fase de compra dos projetos arquitetônicos. Temos a cessão do Servas e, agora, negociamos com o estado para incluir a UFMG também na cessão do prédio, para que a instituição possa realizar intervenções no local.” O objetivo é ambicioso. “Queremos que seja o local de fomento a música de Minas, na medida do possível, em toda sua diversidade. A expectativa é que seja um museu que consiga dar outra vida ao Circuito Cultural da Praça da Liberdade.” A parceria com a UFMG deu outra dimensão à proposta inicial, devido às contribuições da instituição em áreas que vão da museologia aos projetos de acústica. O diretor da Escola de Música, Maurício Freire está satisfeito. “Acho que será um privilégio tanto para ações artísticas quanto para pesquisas”, avalia.

Ar musical de Minas
 

Sérgio Rodrigo Reis


%u201CQueremos que seja o local de fomento a música de Minas em toda sua diversidade%u201D - Mauro Rodrigues, professor da música da UFMG (Fernando Fiúza/Divulgação)
%u201CQueremos que seja o local de fomento a música de Minas em toda sua diversidade%u201D - Mauro Rodrigues, professor da música da UFMG

Milton Nascimento tinha acabado de chegar a Belo Horizonte para trabalhar com contabilidade. Morava numa pensão no quarto andar do Levy, o mesmo edifício onde vivia Wagner Tiso. Já havia tido experiência como crooner em Três Pontas e, nas horas vagas, aproveitava para cantar e tocar violão no novo endereço. No dia em que conheceu Marilton Borges, o responsável por apresentá-lo aos primeiros parceiros artísticos em Belo Horizonte, faltou luz no prédio. Marilton descia as escadas quando ouviu uma voz incomum, que lhe fez parar e procurar de onde vinha. Ali começou a amizade com os irmãos Borges. Depois que se mudaram para o Bairro Santa Tereza, passaram a se encontrar na esquina das ruas Divinópolis com Paraisópolis, local que acabou batizado por dona Maricota, matricarca dos Borges, como Clube da Esquina. Toda vez que alguém procurava os filhos, ela respondia em tom de brincadeira: “Devem estar lá no clube... no Clube da Esquina.”

Naquela esquina, além dos Borges, juntaram-se cada vez mais jovens interessados em tocar e cantar, como Flávio Venturini, Vermelho, Tavinho Moura, Toninho Horta, Beto Guedes e o letrista Fernando Brant. Em 1972, pela EMI, saiu o LP duplo, Clube da Esquina, assinado por Milton e Lô Borges, que apresentou ao país o trabalho daquela turma, as composições engajadas e a rica miscelânea de sonoridades. “A gente não tinha ideia de que aquilo era um movimento. Só o tempo me permitiu ver. Constituímos um movimento espontâneo, baseado no encontro de estudantes. Não foi, como na Tropicália e na Bossa Nova, que tiveram manifesto. Nós não. O que nos unia era uma grande amizade em pé de igualdade e em torno da figura catalisadora de Milton Nascimento”, recorda Márcio, autor do livro Os sonhos não envelhecem, que narra a história do Clube.

O resultado do encontro provocou uma pequena revolução na cultura local. “Conseguimos realizar uma música mineira especial, com grande sofisticação a partir da fusão de gêneros. Com isso ganhamos apreciação do mundo”, diz Márcio. Os caminhos e trilhas abertos por aquele acontecimento artístico, até hoje, na visão dele, continuam reverberando nos artistas. “As novas gerações mineiras seguiram este caminho. Grupos como o Skank fazem uma mistura musical, assim como o Jota Quest e o Pato Fu. Todos, mesmo involuntariamente, pegaram algo que faz parte do ar musical que se respira em Minas. Temos em comum uma vontade de ideias e talentos”, conclui.

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