Vaia ensaiada
MARINA SILVAPresidente da República recebendo vaia não é novidade. Mas a notícia desta semana, de que a presidente Dilma foi vaiada por ruralistas em Mato Grosso do Sul, despertou a curiosidade de muitos.As notícias, sem muitos detalhes, diziam que eles protestavam contra a demarcação de terra indígena no Estado. Depois de tanta insistência para que o governo vetasse as agressões aos direitos indígenas, teríamos, finalmente, um motivo para aplaudir? Infelizmente, ainda não é o caso.
O governo não demarcou nenhuma terra indígena em MS, apenas publicou, no início do ano, a identificação (etapa preliminar, distante da homologação) de uma área guarani-kaiowá, o que já é suficiente para deixar setores mais atrasados do ruralismo insatisfeitos.
Mas o protesto desta semana, na verdade, parece fazer parte de uma estratégia já articulada de forçar a mudança nos processos demarcatórios das terras indígenas, ou seja, mais um "telecatch" como o do Código Florestal, onde o setor mais beneficiado pela mudança na lei lamentava em público e comemorava em privado.
Ainda estamos sob o impacto da divulgação do Relatório Figueiredo, em que um solitário procurador-geral denunciava massacres e atrocidades contra os povos indígenas durante a ditadura militar. O texto, dado como desaparecido por muitos anos e agora redescoberto e publicado pelo jornal "O Estado de Minas", faz qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade perguntar-se como pode o povo brasileiro silenciar diante de tamanha barbárie. E ainda há os que preferem criticar com veemência os jovens que acrescentam a denominação "guarani-kaiowá" aos seus nomes nas redes sociais.
Que os silêncios e as polêmicas se sucedam na opinião pública, nem sempre adequadamente informada, é compreensível. Difícil de aceitar é a omissão do Estado brasileiro, no período do atual governo, em que a quantidade de terras demarcadas caiu drasticamente e o reconhecimento do direito à terra --não apenas para índios, mas também para quilombolas e até trabalhadores rurais-- está ameaçado pelo pacto político que promove um retrocesso histórico.
Esse pacto vem sendo patrocinado pelo governo desde o último ano do governo Lula, quando foi legalizada a grilagem de quase 40 milhões de hectares na Amazônia. Depois, a ousadia de anistiar os desmatadores com a mudança no Código Florestal, flexibilizar o licenciamento para acelerar obras sem cuidados ambientais, diminuir unidades de conservação, dar a senha para abrir terras indígenas à exploração mineral, travar as demarcações e passar com os tratores por cima de todos os condicionantes socioambientais nas obras de Belo Monte.
O governo, definitivamente, não merece uma vaia ensaiada.
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