Mudanças tecnológicas que afetam o
jornalismo em todo o planeta exigem alteração na forma de produzir e
distribuir notícias para público com novas demandas narrativas
Carolina Braga
Estado de Minas: 25/05/2013
Não
se trata de fazer futurologia. Basta um olhar mais sensível para a
maneira como nos comunicamos hoje para perceber que há uma “centrífuga”
em ação. O fenômeno tampouco é recente. A forma como geramos e
consumimos conteúdo vem mudando. Sim, assim no gerúndio mesmo, pois é – e
será – um processo contínuo de transformação. Atordoado com as novas
rotinas do trabalho contemporâneo, quem se dedica à esfera da produção
dá sinais de pouca intimidade com ferramentas que surgem a cada segundo.
Por outro lado, teóricos e estudiosos da área também procuram
meios de lidar com a profusão de termos e conceitos que emergem a cada
clique ou compartilhamento. Como afirma o professor e pesquisador
argentino radicado na Espanha Carlos Alberto Scolari, há uma espécie de
“caos semântico” no ar. Há 10 anos, o americano Henry Jenkins escreveu
artigo no qual afirmava que a recém-chegada “era da convergência de
mídia era caminho inevitável para o fluxo de conteúdo em múltiplos
canais”.
Hoje, convergência já não é a palavra da moda. Junto a
ela aparecem expressões como crossmedia, múltiplas plataformas, meios
híbridos e, em especial, narrativa transmídia, à qual Scolari acaba de
dedicar um livro. Não é uma simples adaptação de linguagem, como um
livro que tem sua trama contada no cinema. Uma narrativa transmídia vai
muito além disso. “A produção compreende mais de um meio e todos se
apoiam entre si a partir das suas potencialidades específicas”, define o
autor em Narrativas transmedia: cuando todos los medios cuentan
(Editora Deusto).
É o caso de Harry Potter, que sai das páginas,
vai para a telona, vira objeto de um videogame, um aplicativo para
telefone celular ou tablet, e assim vai expandindo as experiências em
torno dos personagens de J. K. Rolling. Práticas como estas têm se
tornado comuns nas estratégias de marketing de produtos da indústria
americana do entretenimento. Porém, outras esferas da comunicação tendem
a se contaminar pela transmídia. Na opinião de Carlos Scolari, eis o
caminho inevitável para as notícias, ainda que isso implique mudanças
geracionais na esfera de produção delas.
Pensar o transmídia
dentro do jornalismo nos obriga reconhecer que não se trata de uma
prática exatamente nova. Antes da internet era assim: a rádio dava a
notícia, pela televisão aquele relato se expandia em imagens, no dia
seguinte leríamos o ocorrido no jornal, acrescido de análises e
opiniões, e no fim de semana seria a vez de as revistas interpretarem o
mesmo acontecimento. Ainda vigente, esse esquema cumpre duas
características das narrativas transmídia. “O relato se expande de um
meio a outro e os usuários participam, antes da internet, de uma maneira
muito limitada”, explica. Cada um na sua, mas com alguma coisa em
comum.
Hoje, a diferença é a variedade de ferramentas que os
usuários têm para expressar e publicar suas opiniões, seja sobre o fato
ou a abordagem dele. Quase sem querer, o relato se espalha de maneira
incontrolável pelas redes. Ao mesmo tempo em que a TV mostra o
acontecimento, a rádio comenta, o Twitter, o Facebook ou qualquer outra
rede social estica a notícia, a opinião, a entrevista, seja de maneira
profissional ou amadora. Há quem dê ordem ao caos? Seria essa outra
forma de mediação para os comunicadores?
Planejamento Em
Hollywood já existe a figura do produtor transmídia, profissional
responsável por planejar e gerir a expansão do relato por diferentes
mídias. “Podemos pensar em uma figura similar no âmbito informativo. Ser
um jornalista transmídia não quer dizer que tem que fazer tudo. Do
mesmo modo que na ficção não é a mesma pessoa que faz o videogame, o
conteúdo para celular, a HQ e o filme. Tem especificidades”, explica. A
chave da mudança, segundo Carlos Scolari, está na transformação de
papéis sociais bastante consolidados, tanto dos meios como de quem os
faz.
“O primeiro problema é que o jornalista não assume que está
contando uma história. O segundo é que pensa uma narrativa
monomidiática: escrevo para o jornal e rádio é outra coisa. Há a
necessidade de uma mudança de mentalidade”, diagnostica Scolari. Todas
as vezes que tem oportunidade de se encontrar com diretores de jornais, o
professor costuma perguntar se eles sabem qual é exatamente o negócio
da empresa. “Imprimir papel ou informar pessoas? Se pensam que é
imprimir papel, vão muito mal. Se o negócio é informar as pessoas, é
preciso entender que a notícia é um relato. Como será esse relato? É
transmídia?”, questiona.
Claro que mudanças desta envergadura não
são assimiladas do dia para a noite. Afinal, as alterações dizem
respeito a modelos de negócios e a quebra de paradigmas. Do lado das
empresas de comunicação tradicionais a crise bate às portas. O consumo
de jornal em papel cai vertiginosamente no mundo todo. As audiências da
TV e do rádio já não são as mesmas e muito menos com hábitos parecidos
com aqueles consolidados na era de ouro das transmissões para massa.
Daquele
modelo do um para muitos, ou seja, muita gente lendo jornal, ouvindo a
rádio e assistindo à televisão, passamos para a temporada em que a dieta
midiática se diversifica a passos largos. “Hoje falar em fragmentação é
pouco. Pensemos em atomização”, diz Scolari. A narrativa trasmídia
permite recompor algumas das audiências do passado, já que, em vez de
reunir as pessoas em torno de um meio, faz isso ao redor de um relato. É
nesse sentido que se torna importante a reflexão de como poderemos
fazer um jornalismo que seja, além de profundo e relevante, expansível
para múltiplas plataformas.
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