Tendo se espalhado qual rastilho de pólvora por longínquos recantos nacionais no último fim de semana, o boato de que o Bolsa Família (BF) ia ser extinto deu visibilidade a aspectos em geral encobertos do atual quadro brasileiro.
Em primeiro lugar, o episódio mostrou a importância vital que o benefício ainda tem para uma parte da população. Em questão de horas, a falsa notícia produziu uma corrida bancária, levando a quase 1 milhão de saques. A ansiedade, a premência e a energia da reação indicam tratar-se de item de primeira necessidade.
Alguns teimam em esquecer a extensão da carência. Para refrescar a memória: a parcela atendida é de 13,5 milhões de famílias ("Valor", 26/10/2012), atingindo cerca de 54 milhões de habitantes. Se a eles somarmos o grupo dos que nem sequer estão cadastrados (perto de 2,5 milhões de pessoas), vê-se que um terço da nação não é apenas pobre, mas muito pobre.
Em segundo, fica clara a pertinência regional do programa. Não há de ser acaso o fato de que dos 13 Estados atingidos pela mentira, 12 pertenciam às regiões Norte e Nordeste. Afora o Rio de Janeiro, apenas unidades daquelas áreas mobilizaram-se para atender à suposta emergência. Embora válido e usado no país todo, o BF ganhou contornos estruturais nas duas regiões menos aquinhoadas pelo progresso econômico.
Terceiro. O episódio produziu uma rápida, mas potente, amostra do que aconteceria se algum doido resolvesse pôr fim ao benefício. A depredação dos caixas eletrônicos quando não era possível sacar o dinheiro demonstra a revolta latente. Por mais favorável ao corte de gastos públicos, que político estaria disposto a arrostar a ira popular?
Por fim, há o efeito específico do BF sobre as mulheres pobres, historicamente submetidas a uma dupla opressão, que se podiam ver nas imensas filas uma semana atrás. Em livro recente de Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani ("Vozes do Bolsa Família", São Paulo, ed. Unesp, 2013, cujo lançamento se dará em junho), uma entrevistada do litoral de Alagoas disse aos pesquisadores: "[...] a gente depende de um direito do governo, não é um favor, porque a gente paga imposto".
A noção de que se trata de relação de duas mãos desmente a ideia de que a transferência de renda possa ser confundida com esmola, como às vezes aparece na visão de críticos do BF. A esmola humilha o pedinte. O presente auxílio, mesmo que possa ser entendido como favor governamental, o que por vezes também aparece nas entrevistas, desencadeou mudanças no sentido da autonomia das mulheres que o recebem. E elas não parecem dispostas a abrir mão, em nenhuma hipótese, da nova condição alcançada.
Em primeiro lugar, o episódio mostrou a importância vital que o benefício ainda tem para uma parte da população. Em questão de horas, a falsa notícia produziu uma corrida bancária, levando a quase 1 milhão de saques. A ansiedade, a premência e a energia da reação indicam tratar-se de item de primeira necessidade.
Alguns teimam em esquecer a extensão da carência. Para refrescar a memória: a parcela atendida é de 13,5 milhões de famílias ("Valor", 26/10/2012), atingindo cerca de 54 milhões de habitantes. Se a eles somarmos o grupo dos que nem sequer estão cadastrados (perto de 2,5 milhões de pessoas), vê-se que um terço da nação não é apenas pobre, mas muito pobre.
Em segundo, fica clara a pertinência regional do programa. Não há de ser acaso o fato de que dos 13 Estados atingidos pela mentira, 12 pertenciam às regiões Norte e Nordeste. Afora o Rio de Janeiro, apenas unidades daquelas áreas mobilizaram-se para atender à suposta emergência. Embora válido e usado no país todo, o BF ganhou contornos estruturais nas duas regiões menos aquinhoadas pelo progresso econômico.
Terceiro. O episódio produziu uma rápida, mas potente, amostra do que aconteceria se algum doido resolvesse pôr fim ao benefício. A depredação dos caixas eletrônicos quando não era possível sacar o dinheiro demonstra a revolta latente. Por mais favorável ao corte de gastos públicos, que político estaria disposto a arrostar a ira popular?
Por fim, há o efeito específico do BF sobre as mulheres pobres, historicamente submetidas a uma dupla opressão, que se podiam ver nas imensas filas uma semana atrás. Em livro recente de Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani ("Vozes do Bolsa Família", São Paulo, ed. Unesp, 2013, cujo lançamento se dará em junho), uma entrevistada do litoral de Alagoas disse aos pesquisadores: "[...] a gente depende de um direito do governo, não é um favor, porque a gente paga imposto".
A noção de que se trata de relação de duas mãos desmente a ideia de que a transferência de renda possa ser confundida com esmola, como às vezes aparece na visão de críticos do BF. A esmola humilha o pedinte. O presente auxílio, mesmo que possa ser entendido como favor governamental, o que por vezes também aparece nas entrevistas, desencadeou mudanças no sentido da autonomia das mulheres que o recebem. E elas não parecem dispostas a abrir mão, em nenhuma hipótese, da nova condição alcançada.
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