sábado, 25 de maio de 2013

Walter Ceneviva

folha de são paulo
Instabilidade política e direito
Parlamentares demonstram não se preocupar em mudar de opinião, desde que isso lhes permita colher frutos
"O pior defeito é a opinião instável." Se o leitor estiver acompanhando manifestações de figuras destacadas em recentes enunciados públicos --sem excluir qualquer partido--, emitidas sobre relações entre os três Poderes, talvez concorde com a frase inicial. Pode até supor que o comentarista defende alguma das partes envolvidas.
Não é o caso, por três motivos.
O primeiro decorre do inciso 5º do art. 1º da Constituição. Vê, no pluralismo político, um dos fundamentos constitutivos da República. Em segundo lugar, porque o direito de mudar de opinião vem preservado pela Carta Magna, com a livre manifestação do pensamento (art. 5º, inciso 4º).
Por último, porque a frase inicial é velhíssima. Foi escrita por Sófocles, autor de "Édipo Rei", um dos três grandes clássicos do teatro grego. Era tesoureiro das contas públicas atenienses. Faleceu em 406 antes de Cristo. Sófocles integrou a administração de sua cidade. Era político, mas lhe repugnava a instabilidade de opiniões.
A longa introdução se explica. Tramita no Congresso proposta legislativa cujo objetivo final é restringir a criação de novos partidos políticos na atual legislatura. Foi sustada por liminar concedida no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo ministro Gilmar Mendes, por vários motivos. Um deles está em que o projeto (n. 14/2013) impõe nas regras do jogo mudanças que podem prejudicar minorias políticas. Gerou críticas pela variação de critérios, em curto espaço de tempo.
O leitor reclamará da aparente falta de ligação do grande Sófocles, de 2.500 anos atrás, com este terceiro milênio. A ligação é integral: parlamentares brasileiros dos dois lados da discussão demonstraram, em vários exemplos, que não se preocupam com serem acusados de instabilidade de opinião, desde que isso lhes permita colher frutos no debate político. É o que se tem visto quando gerado por mudanças de interesse do Poder Executivo.
O jogo das conveniências políticas supera a conveniência da lógica comportamental, conforme o presidente do STF, Joaquim Barbosa, suscitou em palestra acadêmica de grande repercussão durante a semana, pela falta de coerência em pronunciamentos contrários à corte.
Alguns políticos que defendem hoje a opinião "a", antes sufragavam a opinião "z", afrontando estatutos partidários. Sófocles, que também foi valente agente fiscal, queria a persistência das opiniões. Detestava a instabilidade.
Para o bom direito, lidas as normas constitucionais do presente, o Projeto 14 (cuja velocidade no andamento parlamentar causou espanto) poderá prejudicar, se aprovado, práticas da democracia. Curiosamente, alguns dos que hoje estão na posição dos caçadores (com "ç"), defenderam posições de caçados (com "ç"). Justificam a fragilidade criticada pelo presidente do Supremo.
Conclusão: não se quer o político de opinião imutável, permanente. Tal posição seria irracional, em face de muitas mudanças na realidade subjacente. Ocorre, porém, que o rubor das faces ante contraditórias opiniões emitidas exigiria de deputados e senadores mais cuidado nas alterações de rumo, sobretudo em face do Poder Executivo.
O pior defeito da opinião está na persistente inconstância lógica da mutabilidade, conforme é a tendência atual.

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