Estado de Minas: 09/06/2013
Na praça eles se
reúnem. Os dois tipos. Os que estão chegando para a vida e os que dela
estão se despedindo. É um contraste, mas é assim que a morte e a vida,
antiteticamente, se contrapõem. É ali que se encontram nas manhãs,
embora alguns estejam crepusculando e outros despertando seus hormônios.
Poderia dizer que esta praça parece também um aeroporto, com os que chegam e os que partem. Mas é diferente, pois no aeroporto há pessoas de todas as idades. E as pessoas vão e voltam.
Aqui nesta praça os que partem estão em cadeiras de rodas. Têm aspecto de quem atravessou um campo de batalha. Estão meio destroçados. Não carregam nada a não ser o próprio corpo avariado. Olham vagamente as coisas. São tutelados por acompanhantes. E a cena é intrigante, diria, meio humilhante, pois essas cuidadoras batem um papo alienado. Conversam entre si, e os velhos estão ali como objetos estacionados.
Trouxeram os que vão partir para tomar sol, para respirar, sair do apartamento sufocante, talvez para dar um espaço à mulher, à família. Há um horário apropriado para isso. É como levar o cachorro para dar uma volta, se aliviar.
Esses que estão prestes a partir não conversam entre si. Poderiam conversar muito, teriam o que contar, que vidas! Mas não têm mais vontade de se contarem. A rigor, já se desligaram há muito. Nunca aquela frase que ouvi na juventude contra um inimigo político foi tão adaptável: já morreram e esqueceram de se deitar.
Aquele ali, por exemplo, parece um almirante de muitos mares. Aquele outro, um bancário que viu muito dinheiro alheio. Já o outro parece ter sido um funcionário público cumprindo rotineiramente a vida. Aquela senhora é avó com filhos bem criados. A outra – quem sabe? – foi uma sedutora empresária. Todos tiveram amantes, traíram, deram presentes e cantaram parabéns para você! Devem ter ido à Europa, tinham casa de campo e leram os jornais com aflição. E assim por diante. Ou para trás.
Estarei ali um dia? Estarei estacionado no tempo e espaço enquanto a vida prossegue sem mim?
Olho o avesso disso tudo: do outro lado da praça, as babás com carrinhos de bebês. Ali parece que tudo é primavera. Poderiam ter posto esse princípio vital ao lado do outono, perto dos que se vão. Seria uma transfusão de energia.
Mas estão separados espontânea e naturalmente, como se a velhice fosse contagiosa, No entanto, estudos demonstram que os velhos ficam mais vivos quando em contato com a vida que reaparece.
As crianças (algumas) estão nos carrinhos, outras engatinham pela grama, outras ao colo das babás. Em 2080, serão como esses velhinhos situados do outro lado. Impossível imaginar que mundo verão, que tragédias e glórias experimentarão. Irão a Marte? Haverá ainda família ou floresta amozônica? Falarão mandarim ou inglês? Que remédios surgirão? Quem sabe alguma delas será presidente da República?
Passo por esta praça regularmente. Passo (imaginariamente) por outras praças do mundo onde velhos e crianças se reúnem em semelhante ritual. São franceses, turcos, russos e árabes. Não importa a nacionalidade. O tempo não tem fronteiras.
Estamos em junho e neste hemisfério é quase inverno. Minha mulher diz que a temperatura em Nova Friburgo chegou a nove graus.
A vida segue feroz além desta praça.
Eu a cruzo na direção dos correios. Envio cartas. Às vezes, também crônicas e poemas dando notícia do que vejo de relance. Sempre com a mesma perplexidade, algum humor e inefável comiseração.
Poderia dizer que esta praça parece também um aeroporto, com os que chegam e os que partem. Mas é diferente, pois no aeroporto há pessoas de todas as idades. E as pessoas vão e voltam.
Aqui nesta praça os que partem estão em cadeiras de rodas. Têm aspecto de quem atravessou um campo de batalha. Estão meio destroçados. Não carregam nada a não ser o próprio corpo avariado. Olham vagamente as coisas. São tutelados por acompanhantes. E a cena é intrigante, diria, meio humilhante, pois essas cuidadoras batem um papo alienado. Conversam entre si, e os velhos estão ali como objetos estacionados.
Trouxeram os que vão partir para tomar sol, para respirar, sair do apartamento sufocante, talvez para dar um espaço à mulher, à família. Há um horário apropriado para isso. É como levar o cachorro para dar uma volta, se aliviar.
Esses que estão prestes a partir não conversam entre si. Poderiam conversar muito, teriam o que contar, que vidas! Mas não têm mais vontade de se contarem. A rigor, já se desligaram há muito. Nunca aquela frase que ouvi na juventude contra um inimigo político foi tão adaptável: já morreram e esqueceram de se deitar.
Aquele ali, por exemplo, parece um almirante de muitos mares. Aquele outro, um bancário que viu muito dinheiro alheio. Já o outro parece ter sido um funcionário público cumprindo rotineiramente a vida. Aquela senhora é avó com filhos bem criados. A outra – quem sabe? – foi uma sedutora empresária. Todos tiveram amantes, traíram, deram presentes e cantaram parabéns para você! Devem ter ido à Europa, tinham casa de campo e leram os jornais com aflição. E assim por diante. Ou para trás.
Estarei ali um dia? Estarei estacionado no tempo e espaço enquanto a vida prossegue sem mim?
Olho o avesso disso tudo: do outro lado da praça, as babás com carrinhos de bebês. Ali parece que tudo é primavera. Poderiam ter posto esse princípio vital ao lado do outono, perto dos que se vão. Seria uma transfusão de energia.
Mas estão separados espontânea e naturalmente, como se a velhice fosse contagiosa, No entanto, estudos demonstram que os velhos ficam mais vivos quando em contato com a vida que reaparece.
As crianças (algumas) estão nos carrinhos, outras engatinham pela grama, outras ao colo das babás. Em 2080, serão como esses velhinhos situados do outro lado. Impossível imaginar que mundo verão, que tragédias e glórias experimentarão. Irão a Marte? Haverá ainda família ou floresta amozônica? Falarão mandarim ou inglês? Que remédios surgirão? Quem sabe alguma delas será presidente da República?
Passo por esta praça regularmente. Passo (imaginariamente) por outras praças do mundo onde velhos e crianças se reúnem em semelhante ritual. São franceses, turcos, russos e árabes. Não importa a nacionalidade. O tempo não tem fronteiras.
Estamos em junho e neste hemisfério é quase inverno. Minha mulher diz que a temperatura em Nova Friburgo chegou a nove graus.
A vida segue feroz além desta praça.
Eu a cruzo na direção dos correios. Envio cartas. Às vezes, também crônicas e poemas dando notícia do que vejo de relance. Sempre com a mesma perplexidade, algum humor e inefável comiseração.
Maravilhosa a lucidez poética de A.R.S.
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