Familiares fazem vigília sob a marquise em frente ao hospital onde terena está internado, em Campo Grande
Josiel Gabriel Alves foi baleado na última quinta, cinco dias após ter o primo morto em confronto com a polícia
"O médico disse que a chance é muito pouca de ele andar", explica o pai, o trabalhador braçal Saturnino Gabriel, 59, um dos familiares que se revezam na vigília diante do hospital --eles dormem sob a marquise da entrada.
A Santa Casa disse ontem que poderia realizar a cirurgia para retirar a bala, alojada próxima da medula espinhal. Os pais chegaram a concordar, mas, em reunião à tarde entre 28 familiares na grama do hospital, foram convencidos a aceitar a trasladá-lo.
"A única coisa que eu quero é ver meu filho andar", disse, chorando, a mãe, Abadia.
Defensor do traslado a Brasília, o líder Alberto Terena disse que o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) se comprometeu, durante reunião na quinta-feira, a dar toda assistência médica necessária.
Morador da terra indígena Buriti, em Sidrolândia (70 km de Campo Grande), Josiel é o mais velho de sete irmãos e trabalha na Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde. Estudou até a 7ª série e tem oito filhos.
Ele foi baleado quando andava de moto com outros indígenas em uma fazenda reivindicada pelos índios. Segundo seus companheiros, o disparo veio de uma caminhonete prata de cabine dupla.
O incidente ocorreu apenas cinco dias depois de o seu primo Oziel Gabriel ter sido morto durante confronto com policiais que cumpriam um mandado de reintegração de posse da fazenda Buriti, do ex-deputado estadual Ricardo Bacha (PSDB).
Até ontem de manhã, ninguém havia sido preso por causa dos episódios.
Desconfiados, os familiares não quiseram ser fotografados e só falaram com a Folhaapós consultar o Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Eles haviam decidido não dar mais entrevistas depois que uma equipe de TV filmou Josiel numa maca de hospital e tentou entrevistá-lo no mesmo dia em que foi baleado, sem a autorização da família.
GOVERNO
Estudante de administração na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), a índia Célia diz que a situação piorou no governo de Dilma Rousseff, ao lembrar que foram policiais federais que comandaram a ação que resultou na morte do primo.
Com relação ao governador André Puccinelli (PMDB), ela diz que as cestas básicas só são distribuídas a cada quatro meses e são de má qualidade. No governo anterior, de Zeca do PT, a distribuição era mensal e com bons produtos, afirma. "Mas a gente não precisa de cesta básica, a gente quer a terra."
Os cerca de 5.000 terenas de Sidrolândia ocupam 2.090 hectares, mas reivindicam uma área de cerca de 17 mil hectares. Nas últimas semanas, quatro fazendas foram tomadas, aumentando a tensão entre índios e fazendeiros.
A crise levou o governo federal a enviar 110 membros da Força Nacional de Segurança à região. Com a desocupação suspensa, a principal missão é criar um cordão de isolamento entre indígenas e fazendeiros.
Na quinta-feira, o governo criou um fórum para discutir o conflito com participação de índios, fazendeiros, integrantes do governo, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do Conselho Nacional do Ministério Público.
Fazendeira vira antropóloga e faz laudos contra índios
DO ENVIADO A CAMPO GRANDERoseli Ruiz tem diploma de antropóloga e faz perícias em terras em litígio. Sua filha, Luana, dirige a ONG Recovê --"conviver", em guarani. Mas ambas estão entre os mais ferrenhos defensores dos proprietários rurais de Mato Grosso do Sul na disputa de terras com indígenas."Fui invadida em 1998 e, no ano seguinte, fui fazer direito para entender esse desmando. No decorrer do curso detectei que o que estava fundamentando não era a legislação, e sim um relatório antropológico", explica Roseli, que fez uma pós-graduação na Universidade Sagrado Coração, em Bauru (SP).
A propriedade fica em Antônio João (a 280 km ao sul de Campo Grande), na fronteira com o Paraguai, e tem 10 mil hectares. Uma parte minoritária está tomada por famílias guaranis-caiovás.
Com o tempo, conta Roseli, ela passou a fazer relatórios antropológicos em vários Estados, como Mato Grosso e Paraná. Seu próximo trabalho será na área da Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Ela afirma que, em todos os estudos, não encontrou nenhuma terra indígena. Ela admite que algumas áreas indígenas precisam ser ampliadas, mas via indenização justa, "e não confisco".
"Não é assunto para demarcação quando os índios foram retirados para colonização. Não se pode fundamentar em 1500. Senão, o prédio da Folha tem de ser desapropriado e entregue pra índio", afirmou.
A antropóloga-fazendeira afirma que tem um bom relacionamento com os índios. "Na minha fazenda, do lado do Paraguai, temos uma aldeia. E, desde que nós mudamos, há 32 anos, quem socorre os índios sou eu. Quando ocorria uma picada de cobra, eles vinham na fazenda solicitar que fossemos buscar."
Ao seu lado, a advogada Luana disse que a criação da ONG foi a solução encontrada para "nos legitimar e participar das reuniões e descobrir o que está acontecendo".
A entrevista ocorreu durante uma carreata realizada pelos produtores rurais anteontem. Em certo momento, uma amiga cumprimentou Roseli brincando: "Não vai virar a casaca, hein?".
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