domingo, 9 de junho de 2013

PERFIL/ RENÉ SAMPAIO/DIRETOR » A saga de Sampaio

Como um cineasta brasiliense, tão talentoso quanto desconhecido, conseguiu elogios de Fernando Meirelles ao adaptar para as telas um dos maiores sucessos da Legião Urbana 


Carlos Marcelo

Estado de Minas: 09/06/2013 




Das rodas de violão em acampamentos no início dos anos 1980 ao topo das paradas depois do lançamento do disco Que país é este 1978/1987, Renato Russo esperou quase 10 anos para ouvir o Brasil inteiro acompanhar a saga de João de Santo Cristo. Intervalo semelhante foi necessário para René Sampaio ver nas telas de todo o país o seu primeiro longa-metragem, Faroeste caboclo. Da vontade que expressou em jantar com a produtora executiva Bianca de Felippes – “Quero fazer esse filme!” – à estreia em grande circuito, o cineasta brasiliense encarou maratona com “subidas, retas e ladeiras” até alcançar a linha de chegada com a adaptação da música. O tempo gasto não foi tempo desperdiçado: em cartaz em 18 salas de Belo Horizonte, Faroeste fez mais de 500 mil espectadores nos primeiros quatro dias de exibição e deve chegar hoje a 1 milhão de ingressos vendidos.

Parte considerável do êxito de bilheteria pode ser debitada às escolhas realizadas pelo cineasta ao recriar o maior sucesso da Legião Urbana, ainda a mais popular banda do rock nacional. René Sampaio optou pelo caminho do realismo e acabou deixando de lado tudo o que pudesse soar deslocado dentro dessa opção. Por isso, acentuou os dilemas do triângulo amoroso formado por Santo Cristo (Fabrício Boliveira), Maria Lúcia (Isis Valverde) e Jeremias (Felipe Abib) e suprimiu episódios significativos, como o encontro do Santo Cristo com o “general de 10 estrelas” e a transmissão televisiva do duelo final. “Cheguei a filmar as duas cenas, mas elas não funcionavam. Precisava ser fiel ao espírito da música, mas não fazer um videoclipe”, defende o diretor.

Para estabelecer a separação, ele buscou um ponto de partida original. “É como se a história já existisse em algum lugar. O Renato resolveu cantá-la em uma música, fui contá-la no cinema. O mais importante é preservar a emoção e o significado”, acredita René. Ele reconhece que teve de se distanciar da canção a ponto de praticamente não escutá-la enquanto rodava o longa; só recentemente, com a inclusão da íntegra da música nos créditos finais (acompanhada com devoção por boa parte da plateia), o fã de Teorema, Metal contra as nuvens e do disco Dois se reaproximou do Santo Cristo de Renato Russo: “Legião toca pouco no rádio, mas, toda vez que toca, me arrepia”.

Teste


O Santo Cristo de René Sampaio começou a ganhar corpo e alma depois que o ator baiano Fabrício Boliveira, pouco antes de viajar para Cuba, fez um teste com a atriz Bruna Spínola, mulher do diretor, no apartamento do casal, na Gávea, no Rio de Janeiro. “Ela me disse, logo depois que ele foi embora: ‘Acho que você encontrou o cara’. Enquanto Fabrício estava em Havana, René fez seguidos testes com outros atores: 10 foram pré-selecionados, três chegaram à “finalíssima”. Mas o olhar do ator baiano, conhecido na TV pela atuação como Cleiton na minissérie Suburbia, permaneceu na memória do cineasta (não à toa, um close demorado à la Sergio Leone abre Faroeste caboclo).

“Hoje eu te falo: o olhar dele foi determinante para a escolha, mas a verdade é que muita coisa passa pela intuição. Desde o primeiro teste, o Fabrício mexeu comigo, apareceu uma emoção e percebi que poderia desenvolvê-la e transformá-la com profundidade”, analisa Sampaio. Quando o ator voltou de Cuba, fez mais um teste e ganhou o papel. Chegava ao fim um processo de seleção que, amparado pelo trabalho do preparador de elenco Sérgio Penna, demorou mais de um ano, envolveu cerca de 300 atores e fez o diretor realizar rodadas de testes na Bahia, São Paulo, Rio e Brasília.

Para interpretar Maria Lúcia, a “menina linda” a quem Santo Cristo prometeu o coração e acabou se casando com o antagonista Jeremias, o diretor teve de bater o pé e contrariar seus produtores, que não queriam ninguém famoso no elenco. Era esse o caso da mineira Isis Valverde, que, antes do estouro com a periguete Suelen de Avenida Brasil, já se tornara um rosto conhecido dos telespectadores por causa de novelas anteriores, como Beleza pura. “Ela pediu para fazer o teste, foi incrível, mas o pessoal da produção não a queria de jeito nenhum, dizia que a Rakelly da novela não podia ser a Maria Lúcia. Foi o único momento em que tive de usar o poder moderador e dizer: ‘Nós vamos com ela’”, revela o diretor, também produtor da fita.

Sem definição de qual será o seu próximo longa-metragem (“São vários projetos em andamento, mas só vou entrar no que der muita vontade de fazer”), René Sampaio ainda tem muito pela frente antes de encerrar o seu Faroeste. Afinal de contas, neste momento o traficante Jeremias é o menor dos problemas de João de Santo Cristo. O personagem já enfrentou, simultaneamente, Velozes & furiosos 6 e Se beber não case, 3.

Desde sexta-feira, o duelo de Santo Cristo é com Will Smith em Depois da terra e com o capitão Kirk, nas pré-estreias de Além da escuridão – Star Trek; a partir do próximo sábado, o embate será com Neymar e outros astros da Copa das Confederações. Para sobreviver nesse tiroteio de imagens e atrações, vai ser preciso mais do que uma Winchester 22. Mas René Sampaio parece tranquilo: como seu protagonista, ele sabe que o fim não é quando a estrada acaba.

Celeiro de cineastas


Nascido no Distrito Federal em 1974, René Sampaio é cria do Centro de Produção Cultural e Educativa (CPCE) da Universidade de Brasília, que gerou outros cineastas de projeção nacional, como José Eduardo Belmonte (A concepção, Se nada mais der certo). Saiu aclamado do Festival de Brasília de 2000 com a chuva de prêmios para o curta-metragem Sinistro e engatou bem-sucedida carreira na publicidade. A intimidade com as asas e eixos do Plano Piloto o fez optar por locações que escapam da imagem da “capital do poder”.

“Procurei filmar a Brasília real mas também a emocional, que faz sentido para mim e que me interessa. Brasília tem uma liberdade que oprime, um céu gigante e lugares cinematograficamente muito interessantes: se, no Warriors (Os selvagens da noite), as cenas de perseguição são no metrô de Nova York, por que não usar com a mesma função as passagens subterrâneas do Plano Piloto?”

O primeiro longa lhe rendeu elogios públicos de cineastas que admira, como Fernando Meirelles. “Faroeste caboclo tem realização impecável”, saudou, via Twitter, o diretor de Cidade de Deus: “É para ficar de olho em René Sampaio”. “É muita bondade, porque o Meirelles foi o cara que abriu a porta para todo mundo: o cinema dele conversa com o novo cinema latino-americano. Pela cinematografia e pela pertinência do tema, não dá para falar de cinema brasileiro recente sem falar de Cidade de Deus”.

Em cartaz

452

salas no país exibem o filme Faroeste caboclo

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