domingo, 16 de junho de 2013

Elio Gaspari

folha de são paulo

A página esquecida da cultura brasileira


Morreu Jacob Gorender, tendo deixado seu magnífico "Combate nas Trevas", em que conta as ilusões armadas da esquerda brasileira nos anos 70. Com ele foi-se um pedaço da memória da usina de livros e fascículos da editora Abril, produto da visão empresarial de Victor Civita.
"Seu" Victor achava que a história segundo a qual brasileiro não lê era uma lenda e decidiu lançar uma coleção intitulada "Gênios da Literatura Universal". A cada semana, punha nas bancas de jornais um grande romance, acompanhado por um fascículo com a vida do autor. Começou com Irmãos Karamazov, anunciando que a série teria 50 volumes.
Deram-no por doido, pois se o primeiro livro vendesse menos de 50 mil exemplares a coleção iria a pique. Ele informou: "Vocês são contra, mas eu tenho 51% das ações e isso será feito". Dostoiévski vendeu 270 mil exemplares. Seguiram-se os "Gênios da Literatura Brasileira", os "Economistas" e os "Pensadores". Platão vendeu 250 mil exemplares. As coleções da Abril levaram para as bancas de jornais cerca de 12 milhões de livros e ela tornou-se a maior editora de livros de filosofia do mundo.
Nesse empreendimento estiveram o diretor da operação, Pedro Paulo Poppovic, e a rede de intelectuais por ele mobilizada. Nela havia 300 professores que a ditadura deixara sem trabalho. Jacob Gorender traduzia filósofos alemães numa cela do presídio Tiradentes e Pedro Paulo publicava seu trabalho com o nome da mulher, Idealina. Libertado, tornou-se funcionário da Abril Cultural, trabalhando ao lado de uma jovem que gostava de teatro, chamada Maria Adelaide Amaral.
A coleção dos pensadores foi dirigida pelos filósofos José Américo Motta Pessanha (posto para fora da UFRJ), com o apoio de José Arthur Giannotti (cassado pela USP). A redação dos fascículos era dirigida por Ari Coelho, professor de química expulso da Universidade de Brasília.
Poppovic calcula que a polícia visitou a Abril Cultural em pelo menos quinze ocasiões. Em alguns casos os redatores valiam-se de uma rota de fuga. Ele lembra que em nenhum momento Civita perguntou-lhe quem trabalhava lá, nem o que a polícia queria.
Um dia alguém resgatará a história do maior empreendimento cultural ocorrido durante a ditadura, com o mais absoluto sucesso.
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BOM HUMOR
O deputado Henrique Alves mal tinha assumido a Presidência da República na interinidade resultante da viagem da doutora Dilma a Portugal e tocou o telefone. Era o vice-presidente Michel Temer, que estava em Paris. Alves foi rápido: "Muito obrigado pelo telefonema Temer, mas não me peça cargos para o PMDB."
Paris é uma festa. Fica perto da Vandália, no leste da Alemanha, mas longe dos vândalos. Na semana passada, com o centro de São Paulo conflagrado, lá estavam também o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad.
Com diria a romancista Françoise Sagan, "é melhor chorar num Rolls- Royce do que rir num ônibus".
PASSE LIVRE
O Movimento Passe Livre sustenta que o transporte público deve ser gratuito. É maluquice, mas o MPL do andar de cima, sustentado pela Viúva, existe e vai bem obrigado.
Num cálculo paternal há hoje pelo menos 15 mil maganos que não pagam transporte e têm motorista. Os governos simplesmente não sabem o tamanho de suas frotas.
Cada hierarca justifica a necessidade de ter carro e motorista. O que nenhum deles explica é porque na Corte Suprema dos Estados Unidos só o presidente do tribunal usufrui esse mimo.
Quando Lawrence Summers era o principal assessor econômico do companheiro Obama, queixou-se de que não tinha carro oficial. Continuou queixando-se, até ir embora.
PEDRA CANTADA
Depois de vender o Hotel Glória, quando a administração do Maracanã privatizado ficar de pé, Eike Batista deverá colocar no mercado a IMX, sua empresa de eventos, na qual o estádio é a joia da coroa.
REGISTRO
Na noite de quinta-feira, antes de a PM paulista ter provocado a batalha da Maria Antônia 2.0, os manifestantes que estavam diante da escadaria do Theatro Municipal cuidavam para que o trânsito da rua Xavier de Toledo fluísse normalmente. Nenhum policial fazia esse serviço.
Pouco antes das 18h, quando a multidão engordou, quem parou os carros não foi nenhum jovem, muito menos punk com cabelo de moicano. Foi o doutor Plínio de Arruda Sampaio, 82 anos, fundador do PT e militante do PSOL. Com a mão espalmada ele parou um ônibus e ficou conversando. Pouco depois foi para uma calçada.
Durante o bloqueio, os manifestantes abriram espaço para a passagem de três furgões da polícia.
XENOFOBIA
Em 1997, quando o tucanato contratou empresa de consultoria Booz Allen para pesquisar um modelo para o comércio internacional brasileiro em Brasília e nas embaixadas no exterior, houve algumas caras feias.
Parecia estranho entregar a uma empresa internacional livros da diplomacia de Pindorama. Coisa de xenófobos que não entendiam o fenômeno da globalização. Anos depois a mesma empresa entregou ao Ministério da Fazenda um estudo para a reestruturação do sistema financeiro nacional.
Agora se vê que a empresa centenária, dividida em duas isoladas, ficou com dois braços. Um só opera com o governo americano, tendo-se tornado uma grande prestadora de serviços de segurança, inclusive para a National Security Agency. Nela trabalhava Edward Snowden, o jovem de 29 anos que detonou o grampo mundial do companheiro Obama.
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A FIOCRUZ E A PORTE GIRATÓRIA DA AXISMED
O presidente da Fiocruz, doutor Paulo Gadelha, contesta a nota aqui publicadainformando que a instituição entregou a diretoria-executiva de seu plano de saúde a José Antonio Diniz de Oliveira, estranho aos quadros da fundação, que trabalhou na empresa AxisMed. No cargo ele teria transferido exatamente para a AxisMed a gestão do FioSaúde.
Tem toda razão. A Fiocruz ainda não assinou qualquer contrato com a AxisMed. Fica aqui o reparo.
Na sua reunião de 22 de abril, a diretoria colegiada da FioSaúde deliberou o "aceite" da "proposta da AxisMed" para o programa de atenção a doentes crônicos e classificou ao caso o status de "concluído". Na semana passada, o conselho da FioSaúde adiou para o fim do mês a decisão final sobre essa proposta.
No dia 22 de março, a FioSaúde divulgou uma apresentação de 45 páginas tratando dos seus serviços em termos gerais. Nela, um capítulo e uma tabela tinham o seguinte título: "Destaques do Plano de Trabalho 2013". A fonte da tabela era a AxisMed.
Cada capítulo tinha um provérbio como epígrafe. O do "Plano de Trabalho 2013", saído da sabedoria chinesa, ensinava: "Nós até podemos escolher o que semear, mas necessariamente vamos colher o que plantamos".
A Fiocruz disse que seu programa de visitas hospitalares não fora cancelado. No dia 5 passado o diretor técnico da FioSaúde informou a sua equipe: "o programa 'Visita Hospitalar' foi de fato cancelado".
Elio Gaspari
Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por "As Ilusões Armadas". Escreve às quartas-feiras e domingos na versão impressa de "Poder".

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