sexta-feira, 28 de junho de 2013

Muito além das catracas e Otimismo consumido - Editorial FolhaSP

folha de são paulo
Muito além das catracas
A sabatina Folha/UOL com membros do Movimento Passe Livre foi uma boa ocasião para conhecer melhor o pensamento dos que, para sua própria surpresa, iniciaram uma onda de manifestações capaz de ir muito além da questão do transporte público gratuito.
A essa bandeira --e praticamente a nada mais-- os dois entrevistados dedicaram suas intervenções. Empenhavam-se em ostentar um movimento desatrelado de partidos políticos e em resguardar sua autonomia.
Em alguns aspectos, todavia, podem-se notar os limites de tão notável purismo reivindicativo. Se se trata de dar expressão ao que os militantes consideram um direito essencial --o transporte gratuito se equipara, nessa visão, à educação e à saúde--, impõe-se o problema de como assegurá-lo na prática.
Sabemos, disseram os entrevistados, que não existe almoço grátis. Cabe perguntar, então, como esse direito deve ser financiado. Mais impostos? Quais? Sobre o quê?
São perguntas a que o Movimento Passe Livre (MPL) não se sente obrigado a responder em detalhes. Talvez não seja, de fato, sua função --abolicionistas do século 19 não precisavam dar soluções pormenorizadas para a produção cafeeira.
Mesmo a reivindicação mais pertinente, contudo, implica desdobramentos técnicos que devem ser enfrentados. É razoável a demanda do MPL? O direito de todos à alimentação, por exemplo, poderia justificar o movimento pelo almoço grátis --mas deste não há notícia, por enquanto.
A estratégia política minimalista dos representantes do MPL foi inepta ainda em outro aspecto. Mostraram-se evasivas suas respostas sobre questões relativas ao vandalismo e às depredações.
Não queremos congelar, declararam na sabatina, a definição de quem é vândalo e de quem é manifestante pacífico. Atribuições desse tipo, segundo seu raciocínio, mudam conforme os interesses de quem as emite.
Isso não exime qualquer movimento --se quer de fato ter responsabilidade e compromisso com a democracia-- de respeitar as demarcações já consagradas em lei sobre quais comportamentos são admissíveis nesse tipo de protesto. Os membros do Movimento Passe Livre não foram taxativos a esse respeito.
Transmitiram, entretanto, sua mensagem: a de que o transporte gratuito seja considerado um direito da população. Resta saber se, diante do contraditório técnico ou político, estarão dispostos a reagir com o espírito pacífico que pautou sua participação na sabatina.
    EDITORIAIS
    editoriais@uol.com.br
    Otimismo consumido
    Mantega exagera ao dizer que protestos não tomam por alvo a política econômica, que é pano de fundo da insatisfação e desconfiança
    Trouxe apreensão o depoimento do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na Comissão de Finanças da Câmara. Para além das habituais críticas da oposição, fica a constatação de que o ministro permanece alheio a uma realidade econômica mais desafiadora do que ele parece crer.
    Nem mesmo os protestos das últimas semanas --para os quais decerto contribuíram a inflação persistente e seu efeito corrosivo sobre a renda-- lograram abrir uma cunha nas convicções do ministro.
    Se a confiança já vinha abalada pelas deficiências próprias da gestão, o recuo das vendas no varejo e da ocupação de hotéis em cidades com grandes manifestações, como São Paulo, deveria ao menos servir para conter-lhe a jactância.
    Mantega ainda se gaba por uma "nova matriz econômica". Aos três ingredientes da política econômica de FHC e Lula --metas de inflação, câmbio flutuante e algum controle fiscal-- ele teria adicionado um fermento desenvolvimentista: juros baixos, o real mais desvalorizado e desonerações setoriais.
    Toda a política econômica nos últimos anos, contudo, esteve mais centrada, de fato, em dar sobrevida à expansão do consumo. A expectativa era que a demanda aquecida aumentaria a disposição de investimento dos empresários.
    O governo não percebeu que os limites do modelo ficavam mais evidentes. O crédito para bens de consumo já cresceu bastante e se avizinha da média internacional.
    O endividamento das famílias atingiu nível preocupante. O compromisso com juros e amortizações já engole 21,5% de seu orçamento. As concessões de novos empréstimos para pessoas físicas estão estagnadas há dois anos. A inadimplência só não subiu pois o nível de emprego segue alto.
    Não há surpresa aí. Contratar e demitir são ações custosas, e as empresas demoram a se ajustar --o que já começa a acontecer. Nos últimos meses é evidente a perda de vigor da criação de vagas.
    Para completar o quadro de desalento, a alta da inflação desde meados do ano passado teve um impacto negativo na renda disponível. Alimentos e serviços subiram 14,1% e 8,5%, respectivamente, nos últimos 12 meses.
    A confiança do consumidor despencou. O nível atual do indicador, medido pela Fundação Getulio Vargas, corrobora uma estagnação do varejo. Espera-se alguma melhora à frente, mas o consumo não recuperará tão cedo o ímpeto dos últimos anos.
    Se o investimento não reagir, o PIB dificilmente crescerá mais que 2,5% ao ano até 2014. Tudo seguirá na mesma --a não ser pelas dificuldades vividas nos lares e ocasionalmente vocalizadas nas ruas.

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