sexta-feira, 28 de junho de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo
SERGIO FAUSTO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Casuísmo eleitoral lembra a ditadura
É lamentável que PT e PMDB se unam para reproduzir práticas que, se não são iguais, assemelham-se aos casuísmos de que foram vítimas
É curioso que um governo hoje subitamente interessado em aperfeiçoar o sistema político tenha se empenhado até anteontem em aprovar um projeto de lei (PL nº 4.470/2012) que poderá piorá-lo. Já aprovado na Câmara, o projeto aguarda votação no Senado.
Ele faz lembrar os artifícios de que se valia o regime autoritário para conter o avanço das oposições ao longo do processo de abertura política. Guardadas as devidas diferenças --vivíamos então em ditadura--, a analogia se aplica.
Em ambos os casos, as forças políticas dominantes promovem mudanças legislativas com o único propósito de reduzir as chances de vitória dos adversários. Agora, o alvo principal é o partido Rede Sustentabilidade, de Marina Silva. Ao impedir que os parlamentares filiados a um novo partido no ato de sua criação carreguem consigo as frações correspondentes do tempo de televisão e do fundo partidário, o projeto praticamente inviabiliza o Rede Sustentabilidade.
O casuísmo é evidente. Basta nos lembrarmos de que, menos de um ano atrás, o governo apoiou a criação do PSD, de Gilberto Kassab, porque isso reforçaria a "base governista". A desfaçatez é tal que razões doutrinárias são invocadas em favor da medida. Confunde-se deliberadamente o PL 4.470 com as restrições ao troca-troca de parlamentares entre partidos já existentes, estimulado pelas benesses do poder. Essa prática foi em boa hora inibida pelo Supremo Tribunal Federal em decisão, de 2007, que definiu pertencer o mandato ao partido e não ao parlamentar. Sucede que uma coisa é inibir o troca-troca partidário, outra é virtualmente congelar o atual quadro de partidos, como faz o PL 4.470.
Entre 1974 e 1982, quando se elegeram governadores da oposição nos três maiores Estados da Federação, preparando o terreno que levaria ao fim do regime autoritário, a ditadura militar buscou colocar barreiras artificiais às conquistas eleitorais do adversário. A fortificação última que o regime buscava preservar inexpugnável era o Colégio Eleitoral. Ali se sacramentava a escolha indireta do presidente da República. No passado como agora, o medo da perda do poder animava o casuísmo eleitoral.
Vale recordar o famigerado Pacote de Abril, de 1977, que, entre outras anomalias, introduziu a figura do senador biônico, nomeado indiretamente pelos donos do poder. Com isso, o governo garantiu o controle do Senado nas eleições de 1978, embora não tenha evitado que as oposições conquistassem novas cadeiras na Câmara.
Em 1979, com a adoção do pluripartidarismo, o governo buscou quebrar a unidade das oposições. Quando em 1981, em plena recessão econômica, percebeu avizinhar-se a derrota nas eleições do ano seguinte, fez aprovar a vinculação total dos votos, de deputado estadual a governador. Pretendia favorecer o PDS, substituto da Arena, com raízes bem fincadas nos chamados grotões.
De novo, a oposição venceu, mas não a ponto de conquistar a maioria congressual de dois terços que lhe permitiria emendar a Constituição. Daí a derrota da emenda Dante de Oliveira, a despeito da imensa mobilização da campanha das Diretas Já.
É lamentável que PT e PMDB, dois partidos de destaque na luta social e política contra a ditadura militar, se unam hoje para reproduzir práticas que, se não são iguais, assemelham-se aos casuísmos de que foram vítimas no passado.
Além de antidemocrático, o projeto é flagrantemente inconstitucional. Ele está em pauta em meio à confusa discussão sobre reforma do sistema político-eleitoral. Nesse ambiente, o Senado já prestaria um serviço ao país ao não piorá-lo. Para tanto, deve rejeitar ou engavetar o projeto. No mínimo, pouparia ao STF o trabalho de derrubá-lo. Ou alguém duvida de que ele fere o princípio constitucional da livre organização partidária?
    RICARDO PINTO
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    Gás viável e seguro
    Os impactos da exploração do gás de xisto são controláveis e não servem como desculpa para o Brasil ficar para trás na revolução energética
    Em 2020, os Estados Unidos devem superar a Rússia e se transformar no maior produtor mundial de gás natural. As projeções da Agência Internacional de Energia indicam que o país poderá passar a ser um exportador do energético.
    Junto à redução das emissões de gás carbônico, o novo cenário propicia a reindustrialização, atraindo investimentos das áreas química e petroquímica. Por trás dessa verdadeira revolução, está a tecnologia para recuperação do gás natural disponível nos reservatórios de xisto, baseada na perfuração horizontal e no fraturamento das rochas.
    O Brasil está prestes a ingressar na corrida global pelo gás de xisto com o leilão de concessão de áreas com potencial de gás não convencional previsto para novembro.
    Nesse contexto, é justificável a preocupação com os riscos do processo de exploração e produção do insumo: alguns ambientalistas afirmam que a técnica de fraturamento hidráulico amplia os riscos de contaminação de águas subterrâneas, entre outros danos.
    Pesquisas em áreas em que o fraturamento hidráulico vem acontecendo têm demonstrado, no entanto, sua viabilidade ambiental. Isso depende de cuidados específicos, que variam conforme a constituição geológica de cada região, mas não representam, de maneira alguma, um impedimento para a atividade.
    Uma das principais preocupações diz respeito ao risco de contaminação de aquíferos subterrâneos. Mas pouco se fala de quão pequena é essa chance, pois normalmente a exploração se dá em nível muito inferior ao que estão localizados os aquíferos. Além disso, o poço é protegido pelo invólucro de perfuração, que evita o contato das substâncias com a água ou o solo ao redor.
    Importante salientar que o fluido de perfuração é composto majoritariamente de água e areia. Os elementos químicos necessários para as explosões no subsolo não passam de 0,5% da composição do mesmo. Vale destacar que boa parte da água necessária ao processo provém do reuso, principalmente de operações industriais. Além disso, a água passa pelos devidos tratamentos após ser retirada dos poços.
    A experiência também demonstra não haver base para a tese de que a técnica pode causar terremotos. A intensidade das atividades sísmicas causadas pelas fraturas é mais de 100 mil vezes menor do que a de um terremoto minimamente perceptível.
    Diante dessas constatações, há dúvidas quanto à real intenção de países que optaram por não explorar o gás não convencional. Muito mais do que a preocupação ambiental, por trás do lobby contrário ao gás de xisto podem estar interesses de outros segmentos energéticos --como o nuclear e o do carvão--, receosos de perder a hegemonia conquistada ao longo do século 20.
    O fato é que todas as fontes de energia têm impactos ambientais que devem ser mensurados e geridos da melhor maneira possível. No caso do gás não convencional, tais impactos são controláveis e não servem como desculpa para o Brasil ficar para trás na importante corrida pelo gás natural como instrumento para retomada da indústria, como demonstram os estudos do Projeto +Gás Brasil.

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