sábado, 8 de junho de 2013

Mundo invisível - Reflexões visíveis - Marcelo Miranda‏

Filme de episódios, Mundo invisível, que tem pré-estreia hoje em BH, reúne cineastas de todo o mundo, entre eles o canadense Atom Egoyan, que filmou Leon Cakoff na Armênia 


Marcelo Miranda/Especial para o EM

Estado de Minas: 08/06/2013 



São Paulo – Um senhor baixinho de chapéu e óculos escuros carrega cartaz com uma foto e usa uma placa pendurada nos ombros onde se lê: “Você conhece este homem?”. O baixinho é Leon Cakoff (1948-2011), o lugar é a praça central da capital da Armênia e a foto no cartaz é do avô de Leon, desaparecido durante o genocídio promovido pelos turcos em 1915. Eis a síntese do curta-metragem Yerevan – O visível, dirigido pelo canadense Atom Egoyan e fecho do filme-antologia Mundo invisível, com pré-estreia hoje em Belo Horizonte.

Idealizado e produzido pelo fundador da Mostra de Cinema de São Paulo, Leon Cakoff, em parceria com a esposa, Renata de Almeida, o longa reúne 11 filmetes cuja única relação é o tema proposto aos realizadores – a invisibilidade. Nomes como Manoel de Oliveira, Wim Wenders, Theo Angelopoulos, Guy Maddin, Jerzy Stuhr e os brasileiros Laís Bodanzky, Beto Brant e Cisco Vasques aceitaram o desafio. Egoyan – premiado por filmes como Exótica (1994) e O doce amanhã (1997) e que, como Leon, tem ascendência armênia – é o único dos diretores a não ter filmado na capital paulista. Ele e o hoje falecido amigo embarcaram para Yerevan, onde fizeram o episódio escrito, protagonizado e narrado por Leon Cakoff a partir de sua história pessoal.

“Ele me mostrou algumas fotografias que tinha feito em sua primeira viagem à Armênia, em 1988, durante uma série de protestos no país contra o governo. Fiquei impressionado”, revela o cineasta de 52 anos, durante passagem por São Paulo, na semana passada, para promover Mundo invisível. Motivado pelas imagens registradas por Cakoff, Egoyan encontrou na internet alguns vídeos que mostravam a mesma ocasião tumultuosa, fato pouquíssimo noticiado pela mídia. Ele juntou essa memória recente à tentativa de apagamento histórico por parte dos turcos em relação ao massacre de armênios de 1915 (do qual a mãe de Leon foi sobrevivente) e buscou refletir a trajetória pessoal do amigo brasileiro, com quem guarda tantas afinidades.

“A nossa história é muito parecida, não só porque temos origens na Armênia, mas também por termos sido assimilados pela cultura de outros países ainda na nossa juventude”, conta. Egoyan nasceu no Egito em 1960 e foi morar na costa oeste do Canadá aos 2 anos; Cakoff nasceu na Síria e mudou-se para São Paulo quando tinha 8 anos. “Fomos retirados de nossa comunidade e, por isso, nunca fizemos completamente parte dela. Não há muitos armênios no cinema, então sempre que eu e Leon nos encontrávamos, falávamos mais sobre isso do que qualquer outro assunto.”

Variedade
Entre os demais segmentos de Mundo invisível há documentários assistencialistas (Ver ou não ver, Wim Wenders); um saboroso e divertido encontro entre dois amigos no tumulto urbano (Do visível ao invisível, de Manoel de Oliveira, no qual o neto do diretor português, o ator Ricardo Trêpa, encontra-se na rua justamente com Leon Cakoff); e algumas experimentações com a imagem e o som, caso de Gato colorido, do canadense Guy Maddin.

A participação brasileira está em dois trabalhos. Laís Bodansky faz o documentário O ser transparente, no qual investiga os estudos do japonês Yoshi Oida, criador do conceito de “ator invisível” no teatro; e a dupla Beto Brant e Cisco Vasques dirige o mais provocativo e estranho dos 11 filmes, Kreuko, com ponto de partida no livro A montanha mágica, de Thomas Mann, numa mistura inusitada de teatro, música e interpretações antinaturalistas de Sônia Braga e José Wilker.

O repórter viajou a convite da produção do filme



Três perguntas para...

ATOM EGOYAN 
CINEASTA



Seus filmes transitam por vários gêneros (suspense, policial, drama, romance). É algo proposital?
Meu interesse é sempre pelos personagens. Os gêneros são ferramentas e texturas utilizadas, mas, acima de tudo, sou atraído por indivíduos que buscam respostas a algo que eles não conseguem entender e que os motiva, os impulsiona. O gênero é um estilo, uma técnica, mas a situação dramática das pessoas que estão tentando resolver enormes questões de suas próprias vidas é o que me envolve em todos os meus filmes. É a busca da identidade contra algo que está se movendo ao redor e contra o qual esses personagens precisam reagir para manter a dignidade.

Depois de 16 anos, O doce amanhã ainda é o filme mais comentado e reconhecido dentre os 12 que você dirigiu no cinema, tendo vencido prêmio do júri em Cannes e rendido uma indicação ao Oscar de diretor. O que motiva essa permanência?

É um orgulho para mim. E é interessante quando comentam, sobre o filme, a respeito da figura do advogado (vivido por Ian Holm), pois eu escrevi o roteiro de fato movido por ele, mas quem realmente me inspirava era a garota (Sarah Polley), que sofre abusos do pai e tenta entender não necessariamente por que ele age daquela maneira com ela, mas como fazer para limpar sua própria noção de dignidade. Todos nesse filme querem fortalecer a si mesmos. O advogado, por exemplo, quer se fortalecer dando uma vitória financeira para aquela tragédia (no enredo, um ônibus escolar despenca num barranco no interior do Canadá, provocando a morte de várias crianças e traumatizando a comunidade local). Ele tenta criar raiva naquelas pessoas e achar razões para o acidente. Isso porque, afinal, sua própria vida tornou-se um acidente devido aos problemas da filha viciada em drogas. O sentimento daquelas pessoas, o movimento delas, é reencontrar quem elas são de verdade. E algumas vezes isso precisa acontecer de uma maneira muito dura.

Uma de suas atividades recentes, além do cinema, é dirigir óperas. O que o atrai nessa área?
É um prazer encontrar soluções visuais a partir de uma composição musical. No cinema, a música é a última coisa que você insere, pois as imagens o inspiram e precisam captar sua imaginação. Na ópera é o inverso: é preciso ouvir aquelas peças sonoras e encontrar maneiras de encená-las, com cantores capazes de ter os gestos e as expressões necessárias à adaptação. É arrepiante, verdadeiramente arrepiante de fazer. Já dirigi sete ou oito óperas na Inglaterra, Canadá e EUA. Gosto muito de Salomé (Richard Strauss) e Lulu (Alban Berg), mas minha ópera favorita em todos os tempos é o primeiro ato de A Valquíria, de Richard Wagner. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário