Zero Hora - 02/07/2013
João Gilberto em entrevista de 1971, respondendo a pergunta acerca de
uma eventual identificação sua com Caetano Veloso: “Não sei bem. Eu vejo
mais o Caetano como um pensamento. Sabe, para mim, o Caetano é um
pensamento. Acho que existe alguma identidade, porque no fundo o Caetano
em música procura o mesmo que eu”.
Fonte: o essencial livro João Gilberto, organizado por Walter Garcia
para a editora Cosac Naify, contendo todas as entrevistas dadas pelo
gênio-zen da bossa nova, mais uns depoimentos e ensaios sobre o papel
dele nessa história toda.
O que é que João e Caetano procuram, desde tanto tempo? Os dois
querem ao mesmo tempo o passado e o futuro, a aldeia e o universo, o
jeitão local e a dicção cosmopolita; estendem uma mão para alcançar a
tradição e a outra para acompanhar o tempo que vem vindo; entenderam que
caminhar para diante depende de saber de onde é que as coisas vieram.
Por isso é que há um pensamento atrás de tudo, uma consciência que se
faz voz.
Vitor Ramil, em e-mail desses tempos: “Ao convidar Caetano para
cantar (a Milonga de Los Morenos, no CD délibáb) comigo, eu estava
seguro de que sua voz, por tudo que representa, iluminaria a ponte que
ela estabelece entre as milongas de Jorge Luis Borges e as de João da
Cunha Vargas, uma ponte que se estende entre a musicalidade brasileira e
a sul-americana”.
A fonte: o imperdível songbook Vitor Ramil, lançado semana passada
(junto com o CD duplo Foi no Mês que Vem), pela editora Belas-Letras. O
livro conta com as minuciosas partituras de 62 canções, de todos os
discos que já gravou, além de trazer uma excelente reportagem biográfica
por Juarez Fonseca, um criativo ensaio de Celso Loureiro Chaves e um
texto deste vosso criado aqui.
Caetano não apenas canta essa milonga: ele funciona como uma
referência, um pensamento (que canta), um marco na paisagem para Vitor.
Tendo tomado a lição de João Gilberto, Caetano continuou e segue em
frente; Vitor, que cresceu ouvindo os dois (e o tango, e tanta coisa
mais), entendeu o recado, repensou o já pensado e, com talento e
teimosia, chegou lá, no lugar em que a melhor arte brasileira olha para
as coisas e de onde retorna para nos dizer como é que é, como é que
fica.
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