terça-feira, 2 de julho de 2013

Maria Esther Macie-A manifestação dos bichos‏


Estado de Minas: 02/07/2013 


Há quase dois anos, quando ofereci um curso sobre a presença dos animais na literatura, ganhei de um aluno as cópias de dois CDs que tinham tudo a ver com os temas discutidos em sala de aula: o Carnaval dos animais (peça para dois pianos e orquestra), do francês Saint-Saëns, e o Animals in love, do americano Philip Glass. O primeiro eu já conhecia, embora não tivesse a gravação. Já sobre esse trabalho de Glass – compositor que sempre admirei – nunca tinha ouvido falar. Curiosa, cheguei em casa e fui pesquisar na internet, enquanto ouvia as músicas do CD no computador. E qual não foi minha surpresa ao ver que se tratava da trilha sonora de um belo documentário francês de 2007, dirigido por Laurent Charbonnier, sob o título Les animaux amoureux.

Ontem, ao me sentar para estudar um pouco, me veio à memória o CD de Glass. Resolvi ouvi-lo de novo. E por ter estado toda a semana bastante atenta aos acontecimentos do país, ocorreu-me uma ideia: como seria se os animais também fossem para as ruas se manifestar? Se Saint-Saëns imaginou um carnaval com galinhas e galos, tartarugas, cangurus, cisnes, cucos, o rei leão e os bichos orelhudos; se Glass musicou o balé de amor dos pássaros, a sedução dos insetos, os encontros felizes de orangotangos, baleias, girafas e veados; e se George Orwell escreveu um romance político sobre a revolução dos bichos de uma fazenda, por que não imaginar também uma passeata dos seres não humanos na Praça Sete, em Belo Horizonte, à feição (mas bem diferente) das que os humanos têm feito nas últimas semanas? Afinal, motivos os pobres animais teriam de sobra.

Sei da impossibilidade de algo assim acontecer, mas não custa pôr a imaginação em prática. Mas não, os bichos não usariam roupas, não falariam a nossa língua, nem usariam os mesmos recursos que a gente usa. Não seriam meras cópias ou alegorias dos humanos, como acontece no romance de Orwell. Eles iriam, em pelos e penas, com seus urros, grunhidos, mugidos, latidos, trinados, miados, guinchos, relinchos e cacarejos, para o Centro da cidade. Não levariam cartazes nem faixas, é claro. Simplesmente desfilariam pelas ruas, cada um com o seu som, seu ritmo e seu sofrimento.

Com a ajuda de meu filho, que também ama os animais, fiz uma lista de possíveis participantes e suas respectivas causas. Estariam presentes, por exemplo, os cães e gatos abandonados da cidade, em protesto contra os maus-tratos, além dos burros de carroça e dos cavalos de charrete dos parques turísticos de Minas, pedindo que não sejam mais explorados. Os porcos, os bovinos e os carneiros das fazendas industriais se juntariam à turma protestando contra as cruéis condições de vida, assim como fariam os frangos e as galinhas de granja. Os perus de Natal, os coelhos vendidos na Páscoa e os animais do Mercado Central reforçariam o grupo desses colegas de infortúnio. Como também as aves silvestres traficadas, os animais aprisionados nos zoológicos, os ratos de laboratório, as espécies em extinção, os macacos e elefantes de circo, os galos de briga, os cavalos de rodeio.

A lista é enorme e não cabe nesta coluna. Mas seria uma manifestação inesquecível, digna de figurar num filme, num romance ou numa peça musical de vanguarda.

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