Ideologia do consumo na escola
Nos últimos dias, duas mães me contaram fatos acontecidos nas escolas que os filhos frequentam e que as deixaram bem aborrecidas. São dois exemplos que podem nos ajudar a pensar a respeito do papel da escola no mundo contemporâneo.
A primeira mãe contou que seu filho está num dos últimos anos do ensino fundamental e que a escola tem, anualmente, um evento que envolve as ciências da natureza.
Essa é --ou pode ser-- uma atividade muito boa para os alunos, que precisam usar os conceitos que aprendem na teoria de um modo prático e apresentar o trabalho aos visitantes do evento --em geral pais e parentes--, o que colabora para o desenvolvimento da linguagem oral ligada ao conhecimento.
Essa mãe, de um modo geral, apreciou bastante o acontecimento e ficou orgulhosa da participação do filho. Acontece que, dias depois, a escola enviou aos pais um questionário com o título "Pesquisa de Satisfação", com perguntas referentes ao evento que iam do uso do espaço à performance dos alunos.
Essa mãe não gostou nem um pouco desse questionário e, ao trocar ideias com outros pais sobre o assunto, percebeu que eles se dividem em dois grupos: os que apoiam essa atitude da escola e a consideram um ato de parceria entre família e escola e os que, como ela, não acham a atitude pertinente.
Já a outra mãe contou que a escola que o filho frequenta ofereceu "palestras" para as classes a respeito da nutrição e do valor de alguns alimentos. Acontece que quem ofereceu as tais "palestras" foi uma empresa que produz um desses alimentos, que foi distribuído graciosamente aos alunos após a explanação. Foi o que bastou para deixar essa mãe indignada e a fez procurar outra escola para o filho.
Qual é o elemento comum em situações tão diversas? O fato de pais e alunos serem tratados como consumidores pelas escolas. Sim: no mundo atual, o papel do consumidor tem merecido atenção especial de nossa sociedade, não é verdade? Direitos cada vez mais respeitados, publicidade cada vez mais cara, bens de consumo mais sofisticados. Vivemos na era do consumo.
E a escola? Qual o seu papel social nesse contexto? Repercutir essa ideologia? Claro que não. Cabe à escola, na formação cidadã de seus alunos, usar o conhecimento para que eles, em meio a tantas ofertas e pressão para o consumo desenfreado, possam fazer escolhas conscientes, bem informadas e críticas.
E é bom saber que as escolas, quer queiram ou não, formam cidadãos, principalmente no "currículo oculto", ou seja, aquilo que é ensinado pelas atitudes tomadas, como essas de nossos exemplos.
Os mais novos não vão à escola para satisfazer os pais, deixá-los orgulhosos ou para aprender a consumir. O mundo já se encarrega desse último item, muito bem por sinal.
Eles vão à escola para, por meio do conhecimento, entender melhor o mundo, desenvolver senso crítico e ser capazes de pensar de modo diferente de seus pais. É justamente isso que possibilita que o mundo mude, não é verdade? Ou queremos que eles vivam como seus pais?
Se, no entanto, a escola não pensar minuciosamente naquilo que ensina de todas as formas, ficará submetida a várias ideologias, principalmente a do consumo. É isso que queremos para os mais novos?
Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio".
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