Foi bem-vinda a iniciativa de o governo colocar a vacina contra o HPV na rede pública de saúde. Mas o anúncio suscitou queixas de pais nas redes sociais em relação à faixa etária escolhida, considerada muito restrita. Por que só meninas entre 10 e 11 anos serão vacinadas?, questionam.
O Ministério da Saúde diz que escolheu a faixa etária para garantir que as meninas estejam imunizadas antes do início de qualquer tipo de atividade sexual. Uma pesquisa feita em 2012 com escolares identificou que 18,3% das meninas da 9ª série do ensino fundamental (13 a 15 anos) já tinham tido relações sexuais, índice que subia para 25,5% na região Norte.
Para o governo, isso indica que, aos 12 anos, muitas garotas já tiveram contato com o HPV. Ao menos três estudos mostram que meninas (e meninos) já estão expostas ao vírus antes mesmo da primeira relação sexual.
O HPV é um vírus muito fácil de ser transmitido, não depende de lesão. A transmissão ocorre por células contaminadas, não por fluidos. O contágio pode acontecer em qualquer manipulação --uma mão ou uma boca que já teve contato.
"Daqui a pouco, vão chamar o Zé Gotinha para promover a vacina", brinca uma amiga.
CUSTO
Ironias à parte, a justificativa do governo para a escolha da idade é boa, mas é difícil acreditar que a questão custo não tenha influenciado (e muito) nesta decisão. Vários países, como França, Inglaterra e Austrália, têm como público-alvo garotas entre 12 e 13 anos.
Acontece que se o Brasil quisesse atingir também essa faixa etária teria que desembolsar o dobro do previsto atualmente (R$ 360,7 milhões por 12 milhões de doses). Segundo dados do IBGE, o país tem 3,36 milhões de meninas de 10 e 11 anos e outras 3,355 milhões de 12 e 13 anos.
E os meninos? Por que não vaciná-los? No programa de imunização da Austrália, por exemplo, meninos recebem a vacina entre 12 e 13 anos e depois há "repescagem" entre 14 e 15 anos.
De novo, vamos às contas. Se o país decidisse vacinar também os meninos seria necessário dobrar o número de doses e de recursos. Há 3,5 milhões de garotos entre 10 e 11 anos --e outros 3,45 milhões entre 12 e 13 anos.
DSTs
E não é só o HPV que preocupa. Outras DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) têm crescido entre os mais jovens. Um levantamento do Ministério da Saúde mostrou que quase 10% das garotas entre 15 e 24 anos atendidas pelo SUS estavam infectadas pela clamídia, bactéria que causa obstrução das trompas e infertilidade.
Nessa mesma faixa etária, 12% dos garotos de São Paulo que têm relações homossexuais já estão infectados pelo HIV, revelou uma outra pesquisa divulgada ano passado. A gravidez na adolescência ainda afeta uma a cada cinco meninas até 18 anos.
Isso tudo nos mostra que, embora importante, apenas a vacinação anti-HPV não basta. É fundamental que os governos, em todas as esferas, invistam de fato em uma educação sexual de qualidade e na distribuição de preservativos nas escolas. É incrível que, em pleno século 21, esse tema ainda seja um tabu.
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.
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