Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 19/11/2012
Esfuziante, Elis Regina parecia em transe ao interpretar uma das canções do show Trem azul, no palco do Grande Teatro do Palácio das Artes. Era novembro de 1981. Diante da cena, o fotógrafo Arnaldo Barreto não se conteve: entusiasmado, mirou as lentes na cantora e registrou uma das últimas imagens dela em vida.Essa fotografia emblemática é uma das preciosidades da exposição Viva Elis, que será aberta ao público amanhã, nas galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima do Palácio das Artes. Depois de atrair cerca de 200 mil visitantes em São Paulo, Porto Alegre e no Rio de Janeiro, a mostra chega a BH disposta a encantar a legião de admiradores da artista, que veio à cidade várias vezes – e por aqui encontrou porto seguro e inspiração.
Além de grandes amigos na capital, como o comunicador Tutti Maravilha, a família Borges e Milton Nascimento, Elis foi intérprete constante de composições dos mineiros. As cerca de 200 fotos da exposição deixam clara essa proximidade. O músico Telo Borges guarda na memória a emoção de ter tido uma de suas canções imortalizada pela voz da estrela.
Em 1980, Telo e sua família foram à sede da gravadora Odeon, no Rio de Janeiro, para gravar o LP coletivo dos irmãos Borges. Havia lá um pequeno estúdio destinado aos “emergentes” – onde ficaram os mineiros – e outro, bem maior, para as estrelas. Numa tarde, Elis Regina entrou no estúdio, pegou Telo Borges pelo braço e o levou à sala ao lado. O rapaz de 19 anos ouviu, em primeira mão, a versão dela para Vento de maio, canção composta por ele em parceria com os irmãos Márcio e Lô. “Chorei pra caramba. Elis era das poucas intérpretes que colocam alma quando canta”, diz Telo.
Viva Elis recupera momentos inesquecíveis da diva da MPB. Dividida cronologicamente em núcleos temáticos, a exposição permite ao visitante encontrar a garotinha que começou a cantar na Rádio Farroupilha, em Porto Alegre, e logo depois foi contratada pela concorrente, a Rádio Gaúcha. Ali ela trabalhou até 1964. Aos 19 anos, concluiu que seu espaço havia se esgotado na terra natal.
Em seguida, o público vai se deparar com a fase carioca da cantora. “É quando fazemos referência ao Beco das Garrafas, onde ela passou a se apresentar; ao programa Fino da bossa, na TV Record; e aos momentos de fama, em que Elis aparece na mídia ao participar de festivais nacionais e turnês europeias”, conta o curador Allen Guimarães.
A consagração profissional de Elis Regina inspirou a sala Em pleno verão, referência ao disco de 1970, grande sucesso popular. Esse eixo temático tenta desmitificar a aura de cantora conturbada, enfatizando o forte lado familiar da artista: mulher intensa, mãe de três filhos e defensora dos amigos. A sala termina com a última performance dela no palco, em dezembro de 1981. No mês anterior, havia apresentado o show Trem azul no Grande Teatro do Palácio das Artes.
Filmes acompanham todo o percurso do espectador de Viva Elis, culminando na instalação em que é exibido, em 180 graus, documentário sobre a artista, a mulher, a mãe e a ativista. Também há curiosidades, como o espaço dedicado aos discos. “Optamos por apresentar apenas os álbuns que ela escolheu gravar”, explica o curador.
A exposição faz parte de amplo projeto iniciado em março, no Rio de Janeiro, com show da cantora Maria Rita. Pela primeira vez, ela interpretou o repertório da mãe. Esse espetáculo fez turnê por várias capitais, inclusive BH. No ano que vem, a homenagem vai se desdobrar na publicação do livro escrito pelo curador Allen Guimarães, fã e especialista no legado de Elis.
Depois de passar anos pesquisando, Ellen se surpreendeu com o que descobriu. “Elis era mãe fervorosa, acordava a qualquer momento para tomar café com os filhos, além de ser companheira de verdade dos amigos e artista brava à beça. A Pimentinha só aparecia quando pisavam em seu calo. Ela nunca estourava quando não tinha razão”, garante ele.
DEPOIMENTO
"Era novembro de 1981. Tinha o hábito de ir a shows tirar fotos e, como fã, resolvi fazer o mesmo com a Elis Regina, no show Trem azul. Gostei da música e do repertório, foi grandioso. Mas a achei muito seca. Ela entrou, cantou e não falou mais nada. No fim, agradeceu. E pronto, acabou. Lembro-me de que fui embora do Palácio da Artes invocado. Ela já devia não estar bem, pois pouco depois, em janeiro de 1982, aconteceu tudo aquilo. Mas o ocorrido não diminuiu a minha admiração. Até hoje sou fã da Elis, guardo várias fotos daquele dia"
. Arnaldo Barreto, engenheiro
VIVA ELIS
De amanhã a 6 de janeiro. Galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). De terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 16h às 21h. Entrada franca. Informações: (031) 3236-7400.
Nova biografia enfrenta polêmica
Essa tese é contestada por Allen Guimarães, curador da exposição e autor do livro Viva Elis (Master Book), que chegará ao mercado no ano que vem.
Segundo o biógrafo, Elis Regina (1945–1982) havia passado a noite em claro, na véspera de sua morte, preocupada com a escolha do repertório do novo disco. O prazo escasseava e nem todas as faixas estavam definidas. “Cansada, ela tomou remédio para dormir, ingeriu bebida alcoólica e pode ter tido um colapso. Não afirmo, mas mostro que há falhas no processo. O laudo diz que não há vestígio de drogas nas vísceras. Por que o legista Harry Shibata assinou documento defendendo o contrário?”, questiona.
De acordo com Allen Guimarães, o mesmo legista foi responsável pelo laudo que concluiu pelo suicídio do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. Na verdade, ele foi torturado e morto nos porões paulistanos da ditadura civil-militar.
“Quem desmontou a tese de Shibata foi o advogado Samuel McDowell, especializado em direitos humanos, que namorou Elis. Quando ela passou mal, Samuel a socorreu. Não tenho a menor dúvida: usaram a situação para divulgar a tese da overdose. Quiseram prejudicar a artista, contrária à ditadura. Não conseguiram, mas a família dela passou a experimentar um sofrimento incrível”, conclui Allen.
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