segunda-feira, 19 de novembro de 2012

CASO BRUNO - O JULGAMENTO

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 Dos gramados ao banco dos réus Começa hoje o julgamento mais importante de Minas Gerais nos últimos 25 anos. Diante do júri, o goleiro Bruno e os outros denunciados pela morte de Eliza Samudio 

Paula Sarapu e Andréa Silva
Estado de Minas: 19/11/2012 

Dois anos e quatro meses depois do início das investigações sobre a morte de Eliza Samudio, ex-amante do goleiro Bruno, os acusados por esse crime vão a júri. Começa hoje, no fórum de Contagem, na Grande BH, o julgamento mais esperado do país e o mais importante de Minas nos últimos 25 anos. Todas as atenções estarão voltadas para as armas que a acusação e a defesa usarão para convencer os jurados da culpa ou da inocência dos réus: Bruno Fernandes das Dores de Souza, Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, Dayanne Rodrigues do Carmo Souza e Fernanda Gomes de Castro.

Prontos para a grande batalha jurídica, os advogados de Bruno e dos outros quatro réus que serão julgados a partir de hoje terão como principal argumento a tese de que não há corpo nem crime. Desde o início do caso, a defesa formou um “blocão”, pelo qual passaram mais de 50 advogados, criando versões combinadas com base nessa teoria. No começo do inquérito policial, o advogado Ércio Quaresma assumiu a defesa de quase todos os envolvidos e designou alguns de seus colegas. As exceções eram os primos do goleiro, Sérgio Rosa Sales e J.L.R.S., os únicos a quebrar o silêncio e dar detalhes da trama. Quaresma, flagrado usando crack, acabou afastado do caso. O novo advogado de Bruno, então, quis dividir as responsabilidades entre os acusados, mas bateu de frente com o atleta, que jamais admitiu a morte da ex-amante. Cláudio Dalledone Júnior desistiu da defesa e Rui Pimenta assumiu, garantindo que a modelo estava morta. O crime, segundo ele, foi planejado por Macarrão e executado por Bola, sem que Bruno soubesse de nada. 

Ao incriminar Macarrão, fiel escudeiro de Bruno, Rui Pimenta isolou o goleiro, na tentativa de inocentá-lo. O advogado chegou a argumentar que Macarrão era homossexual e que mandou matar Eliza por ciúme, diante de uma carta escrita pelo atleta. O texto falava em “plano B”, dando a entender que o amigo deveria assumir o crime. A defesa de Macarrão afirmou que ele “não seguraria nada sozinho” e processou Rui Pimenta, exigindo indenização de R$ 1 milhão por danos morais. Com isso, às vésperas do julgamento, Pimenta mudou sua linha de defesa e chega ao julgamento com informações de que Eliza teria sido vista em São Paulo, dias depois da suposta morte, em 2010, e que ela teria deixado o país com documentos falsos para viver no Leste europeu. Defensores dos demais acusados também negam que o crime tenha ocorrido e, assim, vão tentar convencer os jurados de que não há elementos que comprovem o assassinato. 

“Eu disse para o Bruno que tinha que trabalhar com a verdade, mas ainda não tinha lido todo o processo. Estava focado em entrar com o habeas corpus e achei que tinha um relacionamento dúbio da parte de Macarrão, que carrega um outdoor nas costas em homenagem ao amigo. Mas, ao concluir a leitura, mudei de opinião, sim, porque percebi a inexistência do delito e a falta de provas”, explicou Rui Pimenta. Ainda assim, ele não parece convencido e pode alterar outra vez sua versão da forma como for mais conveniente, ao longo do julgamento. “Numa segunda tese, se o crime tiver acontecido, vou argumentar que foi contra a vontade de Bruno. Aí, já vai cair para Macarrão e Bola”, afirmou ao Estado de Minas.

SEM MATERIALIDADE Pimenta é muito incisivo quando fala que não existe materialidade do crime porque o corpo de Eliza nunca foi encontrado. Entretanto, em novembro do ano passado, no Tribunal do Júri de Belo Horizonte, ele atuou na acusação contra o cabo da Polícia Militar Edvaldo Sales Simplício e a mulher dele, Geralda da Silva Sales Simplício, e o casal acabou condenado pelo desaparecimento e morte da amante do policial, Viviane Andrade Brandão Camargos, em 2002. A exemplo de Eliza, o corpo dela nunca foi localizado.

 No processo sobre a morte de Eliza, a promotoria alega que o corpo da vítima foi ocultado por Bola e Macarrão, a mando de Bruno, que também responde por este crime. A defesa de Bola, da qual Quaresma voltou a fazer parte, afirma que ele não tem relação com o assassinato. “A primeira é pergunta é se tem corpo. Como não tem, afirmamos que Marcos não tem nada a ver com isso”, diz Fernando Magalhães.

Semana passada, em entrevista coletiva, o promotor Henry Wagner Vasconcelos de Castro confirmou a existência do “blocão”, por adotar a mesma linha de defesa. Segundo o responsável pela acusação, ele ouviu do próprio Quaresma que basta uma “piscada de olho” para Bruno destituir a atual defesa e chamá-lo de volta. “Se o réu está nas mãos do dr. Quaresma, como parece, é porque o advogado sabe de alguma coisa”. Quaresma rebateu a acusação, dizendo que fez o comentário de brincadeira. Para Rui Pimenta, o caso se tornou um “faroeste com flechas e tiros para todos os lados”. “Eu sabia que ele (Quaresma) estava mexendo com esse trem (drogas), mas ele ficou doido?”, questionou o advogado.

A defesa de Macarrão diz que sempre manteve a tese de que não havia crime. “Vejo com naturalidade todas essas mudanças de versão, mas essa é a linha de defesa do Luiz Henrique desde sempre. Não há manobra ou confusão”, diz Leonardo Diniz, defensor de Macarrão. O advogado de Bola, Fernando Magalhães, promete protestar no início do júri contra cerceamento da defesa. Ele alega que não teve acesso a provas porque não conseguiu fazer cópias dos depoimentos das testemunhas. Francisco Simim, que representa a ex-mulher de Bruno, Dayanne do Carmo Rodrigues Souza e também defende o goleiro, pode recorrer contra os indeferimentos recentes da juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, sobre depoimento de outras testemunhas. Já Pimenta também deixará registrado na ata do julgamento suas reclamações, já pensando em pedir a anulação do julgamento se seu cliente for condenado. 


Armas da defesa
O corpo da modelo nunca foi encontrado.
O sangue encontrado no colchão no sítio de Bruno era de mulher, mas não de Eliza.
Perícia não confirmou que os fios de cabelo encontrados em Esmeraldas, apesar de longos e pretos, fossem de Eliza.
Não havia vestígios de execução na casa de Bola. 
Sérgio e o menor J., que prestou depoimento à polícia sem advogado, afirmaram que a primeira versão de que Eliza foi morta foi dada porque sofreram agressões e pressão dos investigadores. 

Argumentos da acusação
Sangue de Eliza na Range Rover de Bruno, em que ela foi trazida por Macarrão e o menor J. para Minas.
Depoimento de J., primo de Bruno, que descreve como Bola matou a modelo e como era a casa do ex-policial. 
Sérgio Rosa Sales, outro primo do goleiro, viu Eliza machucada. Depoimento dele à polícia bate com informações passadas pelo menor.
Ligações entre os acusados: Macarrão e Bola, por exemplo, se falaram nove vezes por telefone antes do crime.
Provas destruídas, como álbum de fotos e fraldas de Bruninho queimadas e a mala da Eliza.
Carta de Bruno endereçada a Macarrão, interceptada no presídio, fala para amigo adotar “plano B”.

LACUNAS
O delegado Edson Moreira acredita no envolvimento do policial aposentado José Lauriano de Assis Filho, o Zezé, mas não conseguiu provas. Zezé apresentou Bola a Macarrão. Em 10 de junho de 2010, Bola falou com Zezé antes e depois do crime. Os dois ainda se encontram.
Não houve quebra de sigilo bancário na conta de Bruno para saber se o goleiro sacou R$ 30 mil para dar a Eliza, como ele argumenta.
Ausência das principais testemunhas no julgamento: Sérgio Rosa Sales, assassinado em agosto, e J., que está fora do estado, em um programa de proteção a testemunhas.


QUEM É QUEM

Vítima
Eliza Silva Samudio – Ex-amante do goleiro Bruno 

Réus
Bruno Fernandes das Dores de Souza – O ex-capitão rubro negro é acusado de ser o mentor do crime. Ele nega. É acusado de homicídio triplamente qualificado, sequestro, cárcere privado, ocultação de cadáver.

Marcos Aparecido dos Santos, o Bola – Expulso da Polícia Civil, ele é apontado como o assassino da modelo. O réu responde por homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver.

Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão – Fiel escudeiro de Bruno, Macarrão é seu amigo de infância. É acusado de homicídio triplamente qualificado, sequestro, cárcere privado, ocultação de cadáver.

Dayanne Rodrigues do Carmo Souza – Mãe das filhas de Bruno, é acusada de sequestro e cárcere do bebê Bruninho, filho de Eliza. Segundo as investigações, foi ela quem cuidou da criança depois do assassinato.
 
Fernanda Gomes de Castro – Namorava o goleiro à época do sequestro. Ela foi chamada por Macarrão para cuidar do bebê, na mansão de Bruno, no Rio. Ficou presa por quase cinco meses e aguardava o julgamento em liberdade. Ela é acusada de sequestro e cárcere privado de Eliza e do bebê.

* Wemerson Marques de Souza, o Coxinha – Amigo de Bruno, é acusado de ser o carcereiro de Eliza. Responde por sequestro e cárcere privado do bebê. O processo foi desmembrado e ele será julgado em outra data.

* Elenilson Vitor da Silva, o Vitinho – Era caseiro no sítio de Bruno em Esmeraldas. Ele está em liberdade e, como o processo foi desmembrado, será julgado em data a ser definida.
 Fórum em clima de decisão Ainda sob ameaça de adiamento, júri que pode ser considerado o de maior repercussão no Judiciário mineiro deve movimentar Contagem por pelo menos duas semanas 
Landercy Hemerson e Paula Sarapu

Se não for adiado por manobras ou pedidos dos mais de 20 advogados dos réus no processo de mais de 10 mil páginas sobre a morte de Eliza Samudio, começa hoje em Contagem aquele que talvez seja o julgamento de maior repercussão da história do Judiciário em Minas, atraindo atenções até mesmo em nível internacional. Os cinco acusados, entre eles o goleiro Bruno Fernandes de Souza, enfrentarão um processo longo, projetado para pelo menos duas semanas. Logo no começo, sete cidadãos do município serão sorteados entre 25 nomes. A relação tem 12 homens e 13 mulheres – entre aposentados, professores, bancários, autônomo, agentes comunitários e comerciantes. Supervisionados por servidores da Justiça, eles ficarão incomunicáveis até decidirem o destino dos acusados. 


Cada defensor tem direito a descartar três jurados, assim como o promotor. “Os jurados, para mim, são os sete primeiros sorteados mesmo. Prefiro até trabalhar com mulher, mas não vou descartar ninguém. Não se sabe o que passa na cabeça deles e ganha o júri quem tem tiver mais sensibilidade para passar os fatos com clareza. Cultura, nesse caso, não interfere. Eles têm é que ter tranquilidade para decidir”, diz Rui Pimenta, advogado do goleiro Bruno.

Para Fernando Magalhães, advogado do ex-policial civil Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, não há resistência nem mesmo aos jurados que participaram do julgamento em que Bola era acusado da morte de um carcereiro. “Não temos preconceito nem mesmo contra aqueles que achamos que votaram contra porque esse é um outro caso. Por enquanto, são todos bem-vindos.” Já Leonardo Diniz, que representa Luiz Henrique Romão, o Macarrão, diz que a sensação vem no momento. “Não se investiga nem se estuda, como aparece nos filmes hollywoodianos. Não tem como fazer previsão sobre os jurados. É questão de momento mesmo.”

A previsão é de que Bruno, sua ex-mulher, Dayanne do Carmos Rodrigues Souza, a ex-namorada dele Fernanda Gomes de Castro, Macarrão e Bola sejam interrogados somente no fim desta primeira semana de júri ou no começo da semana que vem. A fase seguinte é o debate oral, um dos momentos mais dinâmicos do júri, quando estudantes de direito costumam lotar a plateia. Cada réu tem o direito de ter dois parentes no salão do júri. Fernanda e Dayanne, que respondem em liberdade, não precisam acompanhar a sessão o tempo todo.

As alegações iniciais são da acusação. O promotor Henry Wagner Vasconcelos terá cinco horas para apresentar argumentos que justifiquem a condenação dos réus. Ele preparou o perfil dos acusados em mais de mil páginas, as últimas no processo, e vai apresentar filmagens e depoimentos, além de usar as informações passadas por três amigas de Eliza, que informaram à polícia que a jovem estava desaparecida e que tinha viajado com Bruno. O tempo destinado ao promotor poderá ser dividido com assistentes da acusação, neste caso, o advogado José Arteiro, que representa a família da modelo. 

À defesa de cada réu será concedida uma hora para que os advogados apresentem suas alegações, descontando desse tempo exibição de vídeos, entrevistas e reportagens sobre o crime. As partes também podem solicitar acareação ou leitura de peças do processo. A fase de debate inicial deve consumir pelo menos 10 horas e a juíza já definiu que serão dedicadas duas horas para a réplica e tréplica das alegações, tanto para a promotoria quanto para a defesa de todos os envolvidos. 

Depois de todos os depoimentos e debates, a juíza vai formular perguntas aos jurados. Os quesitos são elaborados com relação à culpa ou não dos acusados e aos agravantes. Assim, o conselho de sentença é retirado do salão do júri e, em um ambiente reservado, responde aos questionamentos com cédulas de “sim” ou “não”. Se o conselho de sentença decidir pela condenação, a magistrada pergunta se há causas para diminuição ou aumento da pena. Caso entendam pela culpa, a magistrada, com base na legislação, determinará as penas. Caso contrário, a juíza vai proclamar a absolvição de um ou mais réus e decretar o alvará de soltura referente aos crimes em julgamento. Acusação e defesa ainda podem recorrer, num prazo de cinco dias. 

Investimento na retórica
  • Cearense de Crateus, mas desde jovem radicado em BH, José Arteiro Cavalcante Lima, de 61 anos, três décadas e meia de advocacia, disse no fim da tarde de ontem estar física e emocionalmente preparado para a maratona no tribunal como assistente da acusação. A missão dele é dar elementos para ajudar a convencer os jurados da culpa dos réus no sequestro e assassinato de Eliza Samudio. “Como a parte técnica estará a cargo do promotor, vou usar mais a retórica”, afirma, ao dizer que não tem dúvida de que o forte do julgamento será o debate com a defesa. Arteiro passou o domingo fazendo uma releitura do processo. “Eu não queria estar do outro lado. Além disso, essa conversa de que Eliza está viva não vai agradar a ninguém no júri.” O advogado não considera esse seu primeiro grande caso. “Vocês, de imprensa, se lembram da minha atuação na defesa do delegado João Reis, hoje aposentado, absolvido da acusação de ter matado um caminhoneiro.”

Aposta na tese da fuga
  • Após a missa cedo na Basílica de Lourdes, o advogado Rui Pimenta, que representa o goleiro Bruno, aproveitou o domingo para ver os netos e almoçou em casa. Dizendo que a juíza Marixa Fabiane está prejudicando a defesa, ele acrescentou que levaria protestos para incluir na ata do julgamento. “Vai que a gente precisa pedir a anulação?”, pontua o advogado, com mais de 1.300 júris. No escritório de casa, o criminalista que estudou música clássica e fez curso de cinema diz que gosta de tirar algumas horas, às vésperas de um julgamento, para separar material que pretende usar. “Eliza foi levada por um taxista para um hotel em São Paulo, em 25 de junho de 2010. Eles estão vasculhando as imagens de monitoramento e registros de hóspedes. Se acharem algo, ainda dá tempo de suspender o julgamento”, disse. Para ele, o goleiro já chega sentenciado. “Bruno entra impreterivelmente condenado. Mas eu disse ‘entra’. Porque, se eu tiver sorte, ou por um milagre, ele sai de cabeça erguida.”

Cruzada de protestos 
A pretexto de pedir justiça no julgamento do assassinato de Eliza Samudio e fazer um apelo pela paz, o publicitário de Viçosa André Luiz dos Santos, de 51 anos, se prendeu na tarde de ontem a uma cruz na porta do fórum de Contagem. Ele repete manifestação que fez no julgamento de casos como a morte de Isabella Nardoni e do mensalão, chegando a ficar 40 horas preso à cruz de madeira de 40 quilos, com cartazes e mensagens.

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