Estado de Minas : 04/11/2012
Porque é primavera, os bem-te-vis voltaram ao meu terraço. Voltaram para se acasalar, construir um ninho, procriar.
Chegaram fazendo alarde, tomando conta do território. Vieram numa manhã, voando daqui para ali, como quem mede o terreno onde fariam seu futuro lar. Fizeram um ninho lá em cima, numa treliça de madeira junto à viga do prédio. Não pediram licença. Como em outros anos, simplesmente se instalaram como se nunca tivessem saído daqui.
A mulher havia me dito. A empregada havia comentado. Na verdade, o casal de aves tentou, antes, fazer o primeiro ninho perto daquele, mas desistiu na metade do caminho. Devem ter percebido que a casa não estava protegida das chuvas ou do vento. Pássaros entendem a natureza.
Outro dia, amanheci ouvindo um piado, era o filhote. Ou será que há mais de um? Fui ler algo a respeito e vi que em geral têm quarto filhos. Se Rubem Braga estivesse vivo, iria me consultar com ele. Rubem vivia naquela cobertura logo ali, uns quinhentos metros adiante. De lá ele me via, de cá eu o via. Um dia, me mandou até a foto que tirou do meu terraço refletido no espelho de um guarda-roupa dele. Sabia tudo de pássaros. Quando era meu companheiro no conselho editorial da Editora Francisco Alves, nos anos 1970, o único livro que levou para ser publicado era sobre pássaros.
Por isso, aqui em casa, o consultávamos. Era o nosso passarólogo, sabia o que deviam comer as aves, como zelar pelos filhotes. Naquela época, a empregada estava em pânico com os bem-te-vis, pois todas as vezes que ela assomava no terraço os bem-te-vis faziam voos rasantes sobre ela, como aqueles aviões dos filmes de guerra. Ela tinha que varrer com um chapéu ou bacia na cabeça. Mesmo assim, vivia em pânico.
Deve ser por isso que chamam essa espécie ave de tiranídeos, pois atacam para valer quem invade seu território. Por culpa de Rubem, cometi um erro quando vi, outro dia, o novo filhote de bem-te-vi emergir na treliça pedindo comida. Espalhei que tinha visto um sabiá. É que Rubem era o Sabiá da Crônica, como diziam, e deve ter ocorrido aquilo que nas universidades chamam de contaminação semântica. De repente, a palavra sabiá passarinhou em homenagem ao Rubem e se aninhou na minha frase.
Mas o filhote era um bem-te-vi com aquele peito amarelo, razão por que tecnicamente, em latim, acham que a cor sulfurosa lembra o “sulfuratus”.
Estava eu entretido em fotografar o filhote e seus pais, quando, lendo uns jornais que trouxe para o terraço, descubro a reportagem que diz ser esta a estação em que todas as aves obedecem gloriosamente às leis da natureza. Como cantava o Louis Armstrong, “as abelhas fazem isso”, “até os cangurus da Austrália fazem isso”. Portanto, dizia ele, nos incitando ao gesto do amor: “Let’s do it”.
Se esse nome bem-te-vi soa tão onomatopeico em nossa língua, pois parece repetir o que o pássaro diz, como será que nas outras línguas o chamam? Com efeito, fui lendo a respeito e descobri que em espanhol é mesmo parecido – bentiveo. Até em polonês guarda uma certa sonoridade com a nossa palavra: bentewi wielki, o mesmo em francês: tyran quiquivi.
Mas aí fui ver como era em alemão. Tomem nota, porque de repente pode aparecer no terraço de vocês um bem-te-vi vindo da Alemanha, e há que conferir o que ele canta, pois o nome dele lá é simplesmente schwefelmaskentyrann.
>> www.affonsoromano.com.br
Chegaram fazendo alarde, tomando conta do território. Vieram numa manhã, voando daqui para ali, como quem mede o terreno onde fariam seu futuro lar. Fizeram um ninho lá em cima, numa treliça de madeira junto à viga do prédio. Não pediram licença. Como em outros anos, simplesmente se instalaram como se nunca tivessem saído daqui.
A mulher havia me dito. A empregada havia comentado. Na verdade, o casal de aves tentou, antes, fazer o primeiro ninho perto daquele, mas desistiu na metade do caminho. Devem ter percebido que a casa não estava protegida das chuvas ou do vento. Pássaros entendem a natureza.
Outro dia, amanheci ouvindo um piado, era o filhote. Ou será que há mais de um? Fui ler algo a respeito e vi que em geral têm quarto filhos. Se Rubem Braga estivesse vivo, iria me consultar com ele. Rubem vivia naquela cobertura logo ali, uns quinhentos metros adiante. De lá ele me via, de cá eu o via. Um dia, me mandou até a foto que tirou do meu terraço refletido no espelho de um guarda-roupa dele. Sabia tudo de pássaros. Quando era meu companheiro no conselho editorial da Editora Francisco Alves, nos anos 1970, o único livro que levou para ser publicado era sobre pássaros.
Por isso, aqui em casa, o consultávamos. Era o nosso passarólogo, sabia o que deviam comer as aves, como zelar pelos filhotes. Naquela época, a empregada estava em pânico com os bem-te-vis, pois todas as vezes que ela assomava no terraço os bem-te-vis faziam voos rasantes sobre ela, como aqueles aviões dos filmes de guerra. Ela tinha que varrer com um chapéu ou bacia na cabeça. Mesmo assim, vivia em pânico.
Deve ser por isso que chamam essa espécie ave de tiranídeos, pois atacam para valer quem invade seu território. Por culpa de Rubem, cometi um erro quando vi, outro dia, o novo filhote de bem-te-vi emergir na treliça pedindo comida. Espalhei que tinha visto um sabiá. É que Rubem era o Sabiá da Crônica, como diziam, e deve ter ocorrido aquilo que nas universidades chamam de contaminação semântica. De repente, a palavra sabiá passarinhou em homenagem ao Rubem e se aninhou na minha frase.
Mas o filhote era um bem-te-vi com aquele peito amarelo, razão por que tecnicamente, em latim, acham que a cor sulfurosa lembra o “sulfuratus”.
Estava eu entretido em fotografar o filhote e seus pais, quando, lendo uns jornais que trouxe para o terraço, descubro a reportagem que diz ser esta a estação em que todas as aves obedecem gloriosamente às leis da natureza. Como cantava o Louis Armstrong, “as abelhas fazem isso”, “até os cangurus da Austrália fazem isso”. Portanto, dizia ele, nos incitando ao gesto do amor: “Let’s do it”.
Se esse nome bem-te-vi soa tão onomatopeico em nossa língua, pois parece repetir o que o pássaro diz, como será que nas outras línguas o chamam? Com efeito, fui lendo a respeito e descobri que em espanhol é mesmo parecido – bentiveo. Até em polonês guarda uma certa sonoridade com a nossa palavra: bentewi wielki, o mesmo em francês: tyran quiquivi.
Mas aí fui ver como era em alemão. Tomem nota, porque de repente pode aparecer no terraço de vocês um bem-te-vi vindo da Alemanha, e há que conferir o que ele canta, pois o nome dele lá é simplesmente schwefelmaskentyrann.
>> www.affonsoromano.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário