domingo, 4 de novembro de 2012

Gringolândia - Chico Mattoso



CHICO MATTOSO, DE CHICAGO

O fim, parte 1

Não sei se o leitor tem a mesma impressão que eu, mas ano eleitoral costuma passar bem mais devagar
Não conheço um só americano que não esteja de saco cheio da campanha presidencial. Os sintomas da estafa são diversos. Alguns reagem com um gemido dolorido a cada vez que alguém menciona o assunto. Outros se põem a xingar o nada, como se o tema despertasse neles uma temporária síndrome de Tourette.
Um conhecido chegou a prometer que, daqui a quatro anos, vai se exilar em algum vilarejo da Eslováquia, sem telefone e internet, e só voltar ao país no dia da votação. Só espero que a Eslováquia não tenha eleições agendadas para 2016 -não duvido que por lá as campanhas políticas sejam tão cabeludas quanto em qualquer outra parte.
Deve haver alguma coisa errada com um processo eleitoral que, em vez de atrair os eleitores para a discussão e o debate, os transforma em crianças entediadas esperando a hora da brincadeira acabar. Cadê a festa da democracia? Onde foi parar a beleza cívica do pleito?
O esgotamento chegou a tal ponto que tem até gente dizendo, sem vergonha nenhuma, que o furacão Sandy teve um lado bom. Não, não me refiro à Nana Gouvêa. Falo de um amargo passageiro do metrô de Chicago, que ouvi confessar, para espanto da mulher que o acompanhava, que as notícias da tragédia ao menos tiveram a capacidade de interromper o blá-blá-blá de Mitt Romney e Barack Obama.
Para alívio geral, portanto, a eleição está chegando ao fim. Em poucos dias, a sociedade americana voltará à vida de sempre, feita de depressão econômica, crises internacionais e obstruções no Congresso. Mas será mesmo? Estaremos tão perto assim da alforria?
Há controvérsias. Primeiro, porque nos Estados Unidos o sistema de apuração ainda não ultrapassou o tempo das carroças.
É possível que leve alguns dias pra sabermos quem venceu, já que em muitos Estados a contagem de votos ainda é manual. Para piorar, o resultado deve ser apertado, o que pode gerar pedidos de recontagem, interpelações judiciais, o diabo.
E existe ainda a questão da relatividade do tempo. Não sei se o leitor tem a mesma impressão que eu, mas ano eleitoral costuma passar bem mais devagar que os outros.
Faz pouco mais de dois meses que Romney foi oficialmente declarado o representante republicano, mas sinto que uns três anos se passaram desde que ele e Obama começaram a trocar patadas.
Quantas semanas separarão este domingo do dia 6 de novembro? Que dobras do tempo os próximos dias nos reservam?
Talvez o segredo da imortalidade seja este: colocar dois candidatos concorrendo infinitamente em debates contínuos e propagandas de TV intermináveis. O tempo se arrastaria. Os relógios parariam, os ponteiros se recusando a cumprir com suas obrigações. Viveríamos 300 mil anos. Mas haja paciência pra aguentar o mau humor.
CHICO MATTOSO, escritor, é autor de "Nunca Vai Embora" e "Longe de Ramiro", entre outros livros.

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