domingo, 4 de novembro de 2012

Paulo Mendes Rocha


O arquiteto em casa

Vencedor do Pritzker, Paulo Mendes da Rocha volta a Vitória, sua cidade natal, para construir museu e abre exposição de suas obras
Adriano Vizoni/Folhapress
Paulo Mendes da Rocha nas obras do Cais das Artes, em Vitória
Paulo Mendes da Rocha nas obras do Cais das Artes, em Vitória
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A VITÓRIA
Paulo Mendes da Rocha não desgruda os olhos do horizonte. "Vê esses carretéis? Que coisa maluca. Aquilo é toda a tubulação da cidade", diz o arquiteto, apontando para os emaranhados metálicos do porto de Vitória. "É uma cidade que é uma fábrica, educada pelo mar."
Ele parece redescobrir a cada instante aquilo que já estava lá, o que ele chama de "sugestões inexoráveis" da natureza em transformação.
Mendes da Rocha, que nasceu na capital capixaba e se radicou em São Paulo, onde se tornou um dos maiores arquitetos do país, volta agora às suas origens para ver as obras de um dos trabalhos mais monumentais de sua carreira e abrir uma exposição de seus projetos, a maior já realizada, no Museu Vale.
Seu Cais das Artes, um museu que é um longo pavilhão de concreto aparente suspenso do solo e um caixote de ângulos retos para abrigar um teatro, é uma obra ao mesmo tempo mastodôntica e de extrema leveza -sublinha pontos da paisagem mais do que se destaca desse entorno.
Nesse caso, é uma moldura para a vista do lado de lá da baía de Vitória, um monte coroado pelo convento de Nossa Senhora da Penha e a ponte que liga a cidade à vizinha Vila Velha. Construída sobre um aterro, a obra de Mendes da Rocha se debruça sobre esse braço de mar.
Num dos pontos mais ousados da construção, os pilares de sustentação do teatro afundam direto na água. Do saguão, será possível observar o movimento das embarcações que passam por ali.
"É um grande espetáculo, os navios cargueiros, desses de 200 metros, passam por aqui", diz Mendes da Rocha. "Uma cidade como esta, engenhosa, de navios, gruas e barragens, é só transformação, deve servir como âncora na formação do arquiteto."
A OBRA E A ÁGUA
De certa forma, grande parte da obra de Mendes da Rocha está ligada à ideia de territórios recuperados do mar, portos fluviais, estações de barcas, prédios inteiros projetados sobre lagos e rios.
Enquanto observa o movimento da baía de Vitória, o arquiteto lembra seu maior projeto nunca executado, um porto fluvial entre São Paulo e as barrancas do rio Paraná, que serviria de ponto fulcral de navegação para todo o continente, um entroncamento de ferrovias, rodovias e braços aquáticos.
"Não tem fantasia nenhuma nesse projeto, é uma forma de retomar as origens desse conhecimento sobre os territórios e não ficar numa arquitetura de coisas isoladas." Para ele, "a cidade se desenha por suas exigências". "O que quer dizer ver a natureza não como paisagem mas como conjunto de fenômenos."
Mendes da Rocha, aliás, fala como se não tivesse uma relação com aquilo que está construindo. Evita definir seu estilo e enumera receitas construtivas como se fossem óbvias, surgidas do embate de suas ideias com o terreno.
Ele explica com eloquência detalhes técnicos de suas principais obras, do Cais das Artes à reforma da Pinacoteca do Estado e o Museu Brasileiro da Escultura, ambos em São Paulo.
Fala como se lesse um manual, discorrendo sobre a natureza das vigas, a distribuição das cargas, os pontos de apoio e soluções para a circulação no espaço desenhado.
"É como literatura. Se você não sabe escrever, não adianta pensar. A arquitetura deixa de ser abstrata se você está raciocinando com técnicas construtivas."
CURVAS E RETAS
Nome central da escola paulista, movimento que tornou quase fetiche o uso do ângulo reto e fachadas brutas, sem ornamento, Mendes da Rocha é um contraponto às curvas de Oscar Niemeyer.
Tal qual o arquiteto de Brasília, Mendes da Rocha venceu o Pritzker, o maior prêmio mundial da arquitetura. É como se fossem reconhecidos, cada um à sua vez, por replicar ou rejeitar a sinuosidade das curvas da natureza.
"Não faço questão nenhuma de ser aficionado do ângulo reto", afirma. "Arquitetura muito exuberante cansa, e o que nunca será feito com ângulos retos é a nossa dança, nossa mobilidade, a imprevisibilidade da vida."
"Não vejo razão para as coisas não serem construídas com geometria mais ligada à lógica do que à fantasia."
O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite do Museu Vale.
PAULO MENDES DA ROCHA
QUANDO ter. a sex., das 8h às 17h; sáb. e dom., 10h às 18h; até 17/2
ONDE Museu Vale (Antiga Estação Pedro Nolasco, s/nº, Vila Velha (ES), tel. 0/xx/27/3333-2484)
QUANTO grátis

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