sábado, 24 de novembro de 2012

Ciência -Arara brasileira no páreo das 7 maravilhas da natureza - Gustavo Werneck‏

Arara brasileira no páreo das 7 maravilhas da natureza 
Espécie ameaçada de extinção, arara-azul-de-lear é protegida em uma reserva da fundação mineira Biodiversitas no sertão baiano. Ela é a única representante do país em busca do título 


Gustavo Werneck
Estado de Minas: 24/11/2012 

Na estação ecológica em Canudos (BA) havia 50 exemplares da Anodorhynchus leari. A última contagem indicou 1,1 mil indivíduos


Uma ave brasileira quer voar além do sertão baiano, conquistar novos horizontes e ser admirada pelo mundo. A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), que está na lista das espécies criticamente ameaçadas de extinção, pode se tornar uma das sete maravilhas da natureza se eleita num concurso promovido pela Aliança para Extinção Zero (AZE, na sigla em inglês), iniciativa internacional que envolve 83 instituições. Conforme a Fundação Biodiversitas, que integra a Aliança Brasileira para Extinção Zero (Baze), vinculada à AZE, a arara-azul-de-lear é o único animal representante do país em busca do título. 

O concurso contempla os bichos ameaçados de extinção e o objetivo, segundo os organizadores, é ampliar a conscientização sobre a situação da fauna e também da flora no planeta. A arara-azul-de-lear já obteve uma primeira conquista, que é estar entre as 20 espécies selecionados, do total de 920, entre mamíferos, aves, anfíbios, répteis, um grupo de plantas e recife de coral, de 587 refúgios em vários países. A votação já começou e ocorre apenas pela internet, devendo o interessado acessar o site www.biodiversitas.org.br., com um link específico para o concurso, informa a superintendente-geral da Biodiversitas, a bióloga Gláucia Moreira Drummond.

“O importante do concurso, que tem representantes de todos os continentes, é mostrar a urgência na preservação da fauna e da flora. A situação é de perigo e, por isso, as pessoas devem participar”, explica a bióloga. Há 20 anos, a Biodiversitas começou os trabalhos de conservação da ave com a implantação da Estação Biológica de Canudos, no sertão da Bahia. A arara-azul-de-lear é endêmica na região do Raso da Catarina (BA), e, na época, havia apenas 50 indivíduos na natureza, num quadro de quase extinção. No entanto, para satisfação dos técnicos da fundação, a última contagem registrou cerca de 1,1 mil aves, número considerado “um grande avanço na conservação da espécie, que esteve à beira de desaparecer”, destaca Gláucia. 

Na estação de Canudos são desenvolvidos estudos sobre a ave e seu hábitat, um lugar que funciona como laboratório a céu aberto. As pesquisas na área de reprodução, principalmente, resultaram em sucesso. Hoje, a infraestrutura da sede da reserva está sendo ampliada, a fim de atender melhor os pesquisadores e visitantes, principalmente os chamados observadores de pássaros. “O maior risco era o tráfico dos animais silvestres. Com o tempo, conseguimos sensibilizar as comunidades do entorno da estação de Canudos e envolvê-las nos programas de conservação. Tudo transcorreu de forma bem tranquila”, afirma a bióloga, conclamando todos os brasileiros a votarem na arara-azul-de-lear.

Antes de tudo, é bom lembrar que a arara-azul-de-lear não tem nada a ver com a arara-azul do Pantanal do Mato Grosso ou com a ararinha-azul, também baiana e estrela do filme Rio, de Carlos Saldanha. A Anodorhynchus leari mede entre 70 e 75 centímetros, tem porte médio, bico possante negro e plumagem da cabeça e do pescoço no tom azul-esverdeado. O ventre é azul pálido e o dorso, as asas e a cauda, azul-cobalto, sendo o anel perioftálmico (ao redor dos olhos), amarelo-claro. Apresenta ainda uma área nua, de formato triangular, na base do bico, de coloração amarelo-enxofre, mais clara do que a observada no anel perioftálmico.

A espécie foi descrita em 1856 e, desde então, poucas informações estavam disponíveis – a área de sua ocorrência, por exemplo, ficou desconhecida por mais de um século. Na natureza, a arara-azul-de-lear foi descoberta em 1978, mais exatamente no Nordeste da Bahia, ao Sul do Raso da Catarina. Em 1979, a população era estimada em cerca de 60 indivíduos, contribuindo para o crescimento o conhecimento aprofundado e aprimoramento da metodologia de censo das aves. 

COCO LICURI O principal alimento da arara-azul-de-lear é o coco da palmeira licuri (Syagrus coronata), estando o consumo diário da ave adulta em torno de 350 frutos. E uma curiosidade: enquanto um grupo de araras está devorando o coco, pelo menos um indivíduo permanece pousado em galhos mais altos das árvores, num revezamento com outras araras, para vigiar o local. Além do coco, as aves se alimentam de pinhão (Jatropha pohliana), umbu (Spondias tuberosa), mucunã (Dioclea sp.) e milho (Zea mays) ainda verde. A espécie pernoita e faz ninhos em cavidades existentes nos paredões de arenito e sai da área de repouso ao amanhecer, partindo para os locais de alimentação. No fim da tarde, os bandos retornam aos seus abrigos, chegando logo após o pôr do sol ou ainda mais tarde.

Segundo as pesquisas, o deslocamento sazonal é pouco conhecido e acredita-se que esteja relacionado à disponibilidade alimentar. Há dois sítios reprodutivos e de pernoite conhecidos: um na Toca Velha (Estação Biológica de Canudos), em Canudos (BA), e outro na Serra Branca, em Jeremoabo (BA). Vários casais podem fazer ninhos num mesmo paredão, desde que esse contenha diversas cavidades, explica Gláucia. O período reprodutivo está associado à época de chuvas, tendo início no mês de setembro e se prolongando até abril, época que coincide com a maior produtividade do licuri.

Os especialistas informam que o período que vai da eclosão do ovo ao início da saída do filhote do ninho é de 87 dias. Foram observados de um a três filhotes deixando os ninhos, sendo que macho e fêmea se revezam no cuidado com as crias. Atualmente, as visitas à estação mantida na Bahia pela Biodiversitas, uma organização não governamental genuinamente mineira com atuação nacional, estão limitadas devido a obras. No início do ano que vem, a visitação pública será retomada.
Que nome é esse?

A arara-azul-de-lear (pode-se pronunciar líar ou lear) tem esse nome em homenagem ao ilustrador inglês de ascendência dinamarquesa Edward Lear (1812-1888), o primeiro a desenhar a ave na sua monumental obra lIIustrations of the Family of Psittacidae or parrots. O artista tinha só 18 anos quando começou os desenhos, a maioria feita no jardim zoológico de Londres, Inglaterra. Trabalhou, portanto, com aves vivas, como era usual na época. Dono de grande talento e muito meticuloso – estudava o esqueleto das aves e pintava cada pena individualmente –, Lear certamente notou a diferença entre a arara que havia pintado e representantes de A. hyacinthinus (arara-azul-grande). No entanto, não tinha autoridade para batizar um novo espécime. Assim, quando Bonaparte o fez em 1856, homenageou, justamente, o artista Edward Lear.

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