sábado, 24 de novembro de 2012

O homem e o rio -Carlos Herculano Lopes

Filha de João Cabral de Melo Neto organiza edição que reúne três livros do poeta e anuncia o lançamento de escritos inéditos do pai 

Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 24/11/2012 
Três dos mais celebrados livros de João Cabral de Melo Neto – O cão sem plumas, de 1950; O rio, de 1953; e Morte e vida severina, de 1955 – são reunidos pela primeira vez num único volume, O rio, que foi organizado pela filha do poeta, Inez Cabral. Prefaciado pelo escritor português António Lobo Antunes, o livro traz ainda poemas esparsos, escritos em épocas diferentes. Um ponto em comum, no entanto, é a celebração do Rio Capibaribe, que banha Recife, cidade onde João Cabral nasceu, em 1920.

Numa linguagem seca, milimétrica, que foi uma das características mais marcantes de sua poesia, o que se percebe, de forma transparente, é a grande preocupação que João Cabral sempre teve de falar dos despossuídos e denunciar as mazelas sociais que sempre assolaram o Nordeste brasileiro.

Embora tenha nascido no Recife, que tanto iria marcar sua literatura, João Cabral saiu muito cedo de lá, indo morar com a família no interior do estado, nas cidades de Lourenço da Mata e Moreno. Voltou adolescente para a capital e chegou a atuar no time juvenil do Santa Cruz, mas, para a sorte da literatura, logo desistiu de ser jogador de futebol. Aos 20 anos, mudou-se para o Rio, onde em 1942 publicou por conta própria seu primeiro livro, Pedra do sono, numa pequena tiragem de 250 exemplares. 

Mas foi com Cão sem plumas, lançado quando estava com 30 anos, que João Cabral iria se tornar conhecido e passar a frequentar a prateleira de cima da poesia brasileira, ao lado de grandes como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Murilo Mendes. 

Diplomata de carreira, na época da publicação de Cão sem plumas ele estava vivendo em Barcelona, Espanha, país que celebrou em vários poemas e no livro Sevilha andando. Ainda em 1950, depois de publicar o ensaio Joan Miró, com gravuras originais do pintor, o Itamaraty o transferiu para a Inglaterra. No decorrer de sua carreira de diplomata, João Cabral morou ainda na França, Senegal e Honduras. 

Cotado em diversas ocasiões para o Prêmio Nobel de Literatura, o poeta morreu em 1999, no Rio de Janeiro. Em entrevista ao Pensar, a filha do poeta, Inês Cabral, fala do pai e de sua poesia.

O rio
. De João Cabral de Melo Neto
. Editora Alfaguara, organização de Inez Cabral, 160 páginas, R$ 39,90.

Entrevista

Inez Cabral


O que o Rio Capibaribe significou para João Cabral de Melo Neto?

O Rio Capibaribe foi o “mestre” dele, além de seu jornal, seu cinema, como ele diz em um dos seus poemas a respeito do rio. O Capibaribe foi sempre para o meu pai um canal de inspiração. Não sei se ele gostaria da comparação, pois sempre achou que o que faz o poeta é seu suor sobre o tema.

Como assim?

Ele mesmo diz em outro de seus poemas, “Dúvidas apócrifas de Marienne Moore”: “Sempre evitei falar de mim, falar-me./ Quis falar de coisas./ Mas na seleção dessas coisas/ Não haverá um falar de mim?”. Portanto, ao falar do Capibaribe, o rio que atravessou sua infância e adolescência, é de si mesmo, de sua vida e descobertas, que ele está falando.

Dos três livros – Cão sem plumas, O rio e Morte e vida severina – qual é o seu preferido?

Essa é uma pergunta difícil. Amo O rio. Talvez sinta um carinho especial por Cão sem plumas, meu gêmeo. Mas gosto de todos e, em alguns poemas, ele transparece de uma maneira tão clara que fico emocionada. Mas a arte oferece milhões de leituras, basicamente uma por leitor, não é mesmo? E é isso que sou, além de sua filha, uma modesta leitora de sua obra. 

Está previsto o relançamento de algum outro livro do seu pai?

No ano que vem, ainda sem data marcada, a Alfaguara lançará a edição fac-símile de um dos seus últimos trabalhos, que a cegueira o impediu de terminar, Casa de farinhas, seu trabalho de pesquisa e as primeiras estrofes do que seria um auto. Basicamente, uma tomografia da cabeça dele e do seu processo de criação.

Seu pai era um homem afetuoso?

Céus! Ele vai puxar o meu pé à noite. Meu pai nunca gostou de falar de sentimentos.

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