sábado, 24 de novembro de 2012

Álvaro Pereira Junior


A bela da selva
Guitarrista, fã de U2, a holandesa Tanja podia ter montado uma banda, mas optou pela guerrilha
Sob o sol do Caribe, de cabelos soltos e xale bege sobre a camisa azul bem justa, ela passeia pelo Malecón de Havana, posando para fotos em frente a um conversível americano dos anos 1950 e a um pôster gigante de Che Guevara.
Testa de Helen Hunt, olhos castanhos claros puxados, boca de Sabrina Sato, a mulher mostra intimidade com a câmera. Parece que nasceu para ser fotografada.
Poderia ser qualquer turista europeia, talvez uma ex-modelo, em idílio com a ilha dos irmãos Castro. Mas é a guerrilheira holandesa Tanja Nijmeijer, 34, que entrou para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia há dez e vive na selva desde então.
Representantes das Farc e do governo colombiano voaram a Cuba para negociar um acordo de paz. Tanja está lá, segundo a guerrilha, como porta-voz e tradutora. Foi mandada a Havana para brilhar.
E como brilha. Além da beleza incrivelmente intocada pelos anos de ralação no mato, ela chama a atenção pelo desembaraço com as palavras. Fala espanhol sem o menor sotaque holandês, além de inglês e alemão.
Tanja foi incluída de última hora na delegação. Dois mandados de prisão foram suspensos para que viajasse a Cuba (um deles relativo ao sequestro de três americanos, em 2003, os mesmos que seriam libertados pelas Forças Armadas, cinco anos depois, com Ingrid Betancourt).
Em um vídeo publicado no YouTube em 5/11, Tanja anunciou que iria a Havana. É um clipe musical, atravessado e malfeito. Lembra aqueles vídeos das seguidoras de Inri Cristo, em que, por cima da melodia de uma música famosa, elas cantam letras de louvor ao guru fanfarrão.
Com um guerrilheiro nos bongôs, Tanja no violão e mais um rapper e uma "backing vocalist", todos de uniformes das Farc, a canção diz: "Eu também vou a Havana/ Porque conquistei essa honra/ Combatendo nas montanhas/ Com o povo e contra o terror". Assista aqui: is.gd/h1N2su.
Até esse vídeo, Tanja não era vista havia quase dois anos. Tinha sido mais um período nebuloso na trajetória dessa holandesa que resolveu, de maneira radical, pôr em prática seus ideais.
Tanja Nijmeijer estudou línguas latinas, com especialização em espanhol, na Universidade de Groningen, Holanda. Militava na cena alternativa: "squatting" (ocupação de casas ou prédios abandonados), movimento anarcopunk, veganismo. Boa na guitarra, fã de U2, poderia ter montado uma banda. Optou pela guerrilha.
No jornal da faculdade, viu um anúncio para professores de inglês em Pereira, Colômbia. Como, para se formar em espanhol, precisava de um semestre de prática, não vacilou. Em 2000, veio para a América do Sul aperfeiçoar o castelhano e ensinar inglês.
Ao voltar à Holanda, envolveu-se em grupos de apoio a insurgentes. Retornou à Colômbia em uma certa "caravana pela paz". Mais uma breve temporada na Holanda e, na viagem seguinte a Bogotá, em 2002, entrou para a guerrilha.
Ganhou notoriedade mundial em 2007, quando, depois de um ataque a uma base das Farc, foram encontrados seus diários. Acabaram divulgados pela revista "La Semana".
Tanja reclamava da vida precária e dos privilégios dos comandantes e suas companheiras. Disse que, se um dia as Farc tomassem o poder, veríamos seus líderes em "Ferraris Testarossa, com as esposas de implantes nos peitos e comendo caviar".
Quando essas críticas vieram a público, a execução de Tanja pelos próprios companheiros era dada como certa. Mas escapou. Os chefes das Farc perceberam seu potencial como peça de propaganda. Virou auxiliar direta do chefe guerrilheiro Mono Jojoy.
O mundo externo, no entanto, não sabia de nada. Só houve certeza de que ela não tinha sido fuzilada em 2010, quando deu longas entrevistas em vídeo ao repórter Jorge Enrique Botero, que a localizou na selva.
Parecia o fim de um mistério. Mas, meses depois, Mono Jojoy foi eliminado pelas Forças Armadas. Muitos outros guerrilheiros também morreram no ataque, entre eles, três mulheres. Era a forte a suspeita de que Tanja fosse uma delas. Mas Botero veio a público: suas fontes nas Farc garantiam que Tanja estava viva.
A holandesa só ressurgiu agora, em Cuba, fulgurante, fachada atraente para uma guerrilha sem rumo, escrúpulos ou ideologia. Próximos passos, só ela sabe. Aquele nariz de traços fortes, porém delicados, tem uma única dona: Tanja Nijmeijer.

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