XICO SÁ
Carta ao Mano
Ser técnico da amarelinha é bronca pesada. É mais fácil matar a sede do gado no Raso da Catarina
Amigo torcedor, amigo secador, o cargo de técnico da seleção brasileira voltou a ser o mais complicado do planeta. Mais difícil que ser síndico do 14-Bis, do Demoiselle ou do Caravelle, para ficar na tríplice coroa de prédios com passados problemáticos onde morei em São Paulo.Hoje tais edifícios estão seguramente mais decentes do que a CBF, imagino. Tenho um afeto por esses lugares habitados por gente simples, de verdades complexas e riquíssimas. Ali vale por uma Grécia Antiga em matéria de aprender sobre a existência e suas reviravoltas.
Ser técnico da amarelinha, caro Mano Menezes, é bronca pesada. Mais fácil presidir a República ou o STF, que são nada diante do Brasil real de Afogados da Ingazeira ou da avenida Sapopemba. Mais fácil governar Zâmbia ou matar a sede do gado no Raso da Catarina.
Aprendemos muito com Matias Aires, velho Mano, o primeiro grande filósofo brasileiro, autor de "Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens". Sabemos como é bom o proveito do status. Ser técnico da seleção pentacampeã do mundo é motivo de orgulho, para sorrir na frente do espelho e, quem sabe, balbuciar um "chupa" para os eventuais inimigos de plantão na antessala.
O peso do ofício, porém, não vale a pena. A Copa será no Brasil. Imagina o efeito 1950 que ecoará para sempre no Maracanã, mesmo que sejam trocados todos os tijolos do estádio, mesmo que não reste mais nada do velho Mário Filho, como me diz aqui o amigo Marechal, mesmo que o Maraca seja rifado na bacia das almas por 30 dinheiros.
Sei que não foges à luta, acreditas na peleia, mas, caro Mano, com essa turma da CBF, sempre seria uma fria. Respeito a cleptomania, porque doença, dos que comandam o nosso futebol -sabes do que estou falando-, porém nunca terias paz no comando do time. "Never more", crocita aqui o Edgar, meu corvo agourento do futiba.
Sinto muito, caro Mano, que sempre me tratou com respeito, mesmo quando pisei na bola contigo, por certo arroubo televisivo, acontece. Voltemos a refletir sobre a vaidade dos homens, amigo. Como sempre faço na gravidade das horas, mais epistolar do que Mário de Andrade e Pero Vaz de Caminha juntos, te endereço, com todo respeito, esta carta à guisa de abraço.
O amigo Serginho Barbosa, torcedor do Clube Náutico Capibaribe, que se restabelece em um hospital do Recife, me sopra agora, tirando onda, que caíste por causa da "maldição da Batalha dos Aflitos". Ele acredita que dali ninguém saiu vivo. De tão épico, de tão bonito, de tão Guararapes, de tão Farroupilha.
Se tem uma coisa que prezo na vida, caro Mano, é a luta contra as humilhações babacas e desnecessárias. Os homens não vieram ao mundo para tal lusco-fusco. Essa turma da CBF vive disso. Que pegues a cuia do chimarrão mais reflexivo e os mande para aquele lugar.
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