sábado, 24 de novembro de 2012

Mistérios e encantos da criação - Sérgio Rodrigo Reis‏


Mistérios e encantos da criação 

Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 24/11/2012 

Ilustração de Nelson Cruz para No longe dos Gerais, de 2004

O universo da ilustração, no campo das artes, é um dos mais desafiadores. Com poucos traços, o desenhista tem que sintetizar, congregar e ainda chamar atenção para toda uma ideia contida em centenas de páginas de uma obra. A situação se torna ainda mais desafiadora quando a literatura em questão é destinada ao universo infantil e, além de tudo, tem que trazer encantamento e fantasia. Nos últimos sete anos, os pesquisadores Odilon Moraes, Rona Hanning e Maurício Paraguassu se debruçaram na análise da produção de alguns dos principais ilustradores nacionais. O resultado é o livro Traço e prosa (Cosac Naify, 256 páginas).

Em depoimentos, 12 ilustradores de destaque no mercado nacional e internacional – entre eles, os mineiros Eliardo França, Nelson Cruz, Marilda Castanha e Angela Lago – traçam um panorama da produção brasileira contemporânea. E também resgatam as próprias biografias, algumas delas surgidas depois de divertidas conversas realizadas nos respectivos ateliês. O caráter informal dos bate-papos desenvolvidos no espaço dos criadores garantiu depoimentos inéditos sobre os processos criativos, a relação deles com desenho e com livros na infância, e até reflexões mais profundas sobre o trabalho já consolidado – e, em muitos casos, com reconhecimento internacional.

Um dos maiores desafios do projeto foi escolher os artistas. “Difícil não pela escassez, mas, ao contrário, pelo grande número de ilustradores que, desde os anos 1970 até hoje, vem alterando o estatuto da imagem dentro da literatura infantil brasileira”, afirmam os autores na apresentação da obra. A opção foi buscar o ecletismo e concentrar os esforços na produção do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, estados com várias editoras dedicadas ao segmento. O livro não esgota o assunto. Nem é esta a pretensão. No entanto, oferece um painel diverso e inédito do assunto. Algo que faltava no mercado. 

Em casa Em Minas, os pesquisadores foram recebidos, como reza a tradição, sempre com mesa farta. O casal Nelson Cruz e Marilda Castanha abriu a casa fora de Belo Horizonte, com vista para o mato e com as paredes da cor do barro, da madeira e da pedra. “Isto tudo foi feito com ilustração”, diz Nelson orgulhoso, batendo a mão nas paredes. Sentimento semelhante de pertencimento e orgulho tem Eliardo e a mulher, Mary França, autora da maioria dos livros que ele ilustrou. Moram no que chamam “Condado da França”, num terreno nos arredores de Juiz de Fora, onde construíram casa, ateliê e a editora que administram com os filhos.

Angela Lago tem outra relação com a própria obra. “Livro para mim é ilustração, palavra e objeto. Não tem mais nada.” Já no ateliê, ela revela outro lado da inspiração: ao mesmo tempo em que se pauta pela noção estrutural, utiliza como manancial criativo questões íntimas, aquelas que lhe são mais caras. 

A importância de relatos tão sinceros como os dela é resumida por Edmir Perrotti: “Entrar em contato com artistas que vêm construindo um fenômeno cultural novo e fundamental no país é oportunidade rara e feliz paraconhecer parte da história do livro infantil brasileiro e seus destinos nas últimas quatro décadas. Da mesma forma, possibilidade especial de mergulhar nos mistérios e nas grandezas dos atos de criação”. 


Traço e prosa
• De Odilon Moraes, Rona Hanning e Maurício Paraguassu
• Editora Cosac Naify 
• 256 páginas, R$ 49

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