Zero Hora - 08/12/2012
O melhor conselho que recebi quando estava grávida já não lembro quem
deu, mas tenho repetido como um mantra nos últimos 14 anos. Alguma mãe
mais sábia e experiente me disse apenas isso: “Confia no teu instinto”.
Seguir os próprios instintos obviamente não garante que se vá
acertar sempre, mas assinala a importância de conceder aos pais a
liberdade para criar seus filhos como lhes parece mais adequado e não
conforme a cartilha que tias, vizinhas e amigas bem-intencionadas tão
graciosamente ditam a partir do momento em que alguém anuncia que está
grávida.
Uma das situações em que segui meu instinto – mais ou menos contra a
corrente dominante – diz respeito a esta época do ano: nunca consegui
mentir a respeito do Papai Noel. Pronto, falei.
Especialistas em psicologia infantil garantem que por volta dos oito
anos, quando a maioria já percebeu que aquele Papai Noel magricelo que
distribui presentes todos os anos é, na verdade, o tio Oscar metido em
um traje ridiculamente inapropriado para o calorão de dezembro, as
crianças já são capazes de distinguir dois tipos de mentiras contadas
pelos adultos.
A “má mentira” é aquela que os pais contam para fugir de uma
responsabilidade (“Não vamos ao Marina Park hoje, meu bem, porque eles
fecham no dia de São Benedito”) ou de uma culpa (“Não fui na festinha na
sua escola porque pegou fogo no escritório.”) A “boa mentira” é a que
os pais inventam não para livrar a própria barra, mas para alimentar a
imaginação dos pequenos – como no caso das histórias de Natal. A boa
mentira ensina a fantasiar, a má mentira ensina a mentir.
OK, bacana, os especialistas apenas confirmaram o que todo mundo já
sabia: ninguém precisa sentir-se culpado por inventar histórias sobre
renas, trenós e duendes. Mas, quando minha filha me olhou com aquela
confiança absoluta que apenas as crianças pequenas têm nos pais e me
perguntou como, afinal, era possível que o Papai Noel soubesse, lá no
Polo Norte, se ela se comportava bem aqui em Porto Alegre, não consegui
recitar o texto recomendado pelo senso comum ou pelas propagandas de
refrigerante.
Ali, diante de mim, estava uma nova navegante esforçando-se para
entender como as coisas funcionam neste mundo estranho em que acabara de
chegar. Uma aprendiz de cientista, testando hipóteses e pedindo apoio
dos mais velhos para prosseguir decifrando outros, maiores, mistérios.
Era justo reconhecer o seu esforço: “Não, não existem câmeras escondidas
pela casa, e a única pessoa que sabe o que se passa na sua cabeça é
você”.
Uma das graças da “boa mentira” é saber que ela nunca dura para
sempre. É um jogo de esconde-esconde em que as crianças sempre ganham.
Alguns pais curtem prolongar a brincadeira – e eles obviamente não estão
errados. Outros preferem saborear a satisfação de ver uma criança
perceber que há graça e encantamento não apenas no que se inventa, mas
também no que se descobre através das magníficas e inesgotáveis
estratégias da razão.
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