sábado, 8 de dezembro de 2012

A estratégia do governo para reduzir o custo da energia é correta?


folha de são paulo 

JILMAR TATTO

TENDÊNCIAS/DEBATES
A estratégia do governo para reduzir o custo da energia é correta?
SIM
É preciso mexer, sim, nos lucros altíssimos
A medida provisória 579, que reduz, a partir de 2013, a tarifa de energia para consumidores e empresas na média de 20,2% é estratégica para aumentar a competitividade do Brasil.
Tem prevalecido na mídia, porém, versões baseadas na ótica do lobby do mercado de capitais e de interesses meramente privados, como se fosse normal o Brasil cobrar a segunda tarifa mais alta do mundo mesmo tendo a geração mais baixa do planeta.
A oposição, capitaneada pelo PSDB, DEM e PPS, conspira contra a medida e tenta espalhar o pânico como se fosse se repetir o apagão tucano de 2001, que deixou o país nas trevas por mais de um ano.
Tenta-se passar à população e a investidores que o governo está rompendo contratos, mas a presidenta Dilma defende é seu estrito cumprimento: investimentos já amortizados devem ser expurgados da composição das planilhas. Isso é respeito aos contratos.
Hidrelétricas e linhas de transmissão, em alguns casos, já foram pagas duas vezes pelos consumidores. Manter a prática atual significa continuar bancando altos lucros de empresas do setor, algumas passadas a preço de banana à iniciativa privada no período FHC, que mudou regras e garantiu aumento espetacular das tarifas. Se fosse uma política correta, o Brasil não teria o apagão de 2001.
A proposta de Dilma se baseia no novo modelo para o setor, formulado durante o governo Lula, e que tinha, entre os principais objetivos, propiciar segurança no abastecimento e a modicidade tarifária. Corrigiram-se os erros do modelo neoliberal tucano. Foram adotados novos paradigmas. Agora, um novo passo para a consolidação do modelo.
Alega-se, com ares de vítima, que o valor das ações caiu, mas se esquece de que estavam valorizadas artificialmente, devido a contratos que venciam em 2015 e que geravam expectativa de que seriam prorrogados novamente, pelos mesmos preços, exigindo o pagamento de usinas pela terceira vez.
Eis o "x" da questão: é preciso excluir da tarifa a amortização de usinas e linhas de transmissão construídas há três décadas ou mais.
Significa mexer, sim, com um mercado acostumado com lucros altíssimos, acima da média.
Em 2011, por exemplo, pelo que consta, só a Cemig, pertencente ao governo de Minas Gerais e a investidores privados, teve um lucro de R$ 2,4 bilhões. O lucro é saudável, é necessário, mas a sociedade não é obrigada a mantê-los de forma artificial, exorbitantes, uma vez que os custos caem com a amortização dos investimentos.
A proposta do governo federal é, a partir das renovações contratuais, pagar as concessionárias e distribuidoras somente pela operação e manutenção do sistema. O custo principal de uma usina é o investimento inicial em construção. Isso amortizado, o custo de operação e manutenção é relativamente baixo.
A legislação atual prevê que os ativos concedidos -a maioria já amortizada- voltam para a União para serem licitados ao fim da concessão. O governo oferece a possibilidade de prorrogar a concessão de linhas e usinas que deveriam retornar para a União a partir de 2015, se aceitas as condições de remuneração e indenização propostas. As concessões que não forem prorrogadas neste ano serão licitadas ao término do atual contrato.
O governo Dilma tem implementado várias medidas para estimular a economia, reduzir custos das empresas e aumentar a competitividade de nossos produtos no mercado internacional. A redução da tarifa de energia insere-se neste cenário e cria bases para um crescimento econômico sustentável no longo prazo.


HEITOR SCALAMBRINI COSTA
TENDÊNCIAS/DEBATES
A estratégia do governo para reduzir o custo da energia é correta?
NÃO
Comprometendo as empresas do setor
Sem transparência, sem debate, com a arrogância e prepotência que é a marca registrada de dirigentes do setor elétrico e, principalmente, sem um diagnóstico amplo sobre as reais razões da explosão tarifária ocorrida nos últimos anos.
Assim foi imposta uma estratégia para reduzir o custo da energia para o consumidor final, a partir das regras contidas na MP 579.
O uso da redução da tarifa como um instrumento de política pública para a renovação das concessões no setor elétrico foi o caminho encontrado pelos sábios. Os mesmos que levaram as tarifas elétricas a alcançarem patamares extorsivos para a economia brasileira.
Criticar a MP 579 e seus "filhotes" (portarias 578, 579, 580, 591 e o decreto 7.850) não é ter posição contra a redução das tarifas de energia elétrica, que é um clamor nacional.
Ao contrário, é denunciar que, mais uma vez, as nossas empresas públicas do setor elétrico serão usadas para objetivos fora de sua competência, como tem ocorrido tradicionalmente. Elas serão colocadas em risco em nome da política de redução de preço da energia.
O que se tenta evitar é chegar a uma situação indesejável para toda a sociedade: o comprometimento da qualidade na prestação do serviço elétrico, causado pela redução drástica do faturamento das empresas estatais, verdadeiro patrimônio do povo brasileiro, levando-as ao sucateamento. Sem dúvida a empresa mais afetada foi a Eletrobras, estatal federal, cuja diretoria não entrou em polêmicas públicas com sua controladora, a União.
Vários setores da sociedade criticaram o método, o conteúdo, e a oportunidade da edição da MP 579 (véspera da eleição municipal).
Determinar a fixação das tarifas de geração pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é preocupante. É exatamente ela que foi e é responsável por definir as tarifas de distribuição, que tanto têm onerado os consumidores.
A questão energética está sendo decidida de forma autoritária por um número reduzido de pessoas, levando a duvidar sobre a capacidade e isenção de se formular e executar uma política energética que vise os interesses do povo brasileiro.
A energia elétrica é estratégica para o país, não pode simplesmente ficar nas mãos de economistas e advogados. Os engenheiros e técnicos do setor, assim como a sociedade, têm de participar, opinar.
Eles apontariam os riscos das medida atual: o que está sendo imposto levará ao corte significativo de receitas das empresas, em alguns casos de até 80%, o que certamente acarretará na perda da qualidade do sistema elétrico e do conhecimento técnico adquirido por décadas -sem dúvida, haverá corte de pessoal para conter despesas.
E o pior é que a prorrogação das concessões não mudará em nada o custo da energia no Brasil. Os aumentos previstos nos próximos anos vão absorver toda a redução da tarifa obtida com a medida provisória.
Positivamente, alguns encargos serão extintos, mas isso não interferirá no ponto nevrálgico que tem garantido os elevados custos da energia: os contratos draconianos feitos desde os anos 1990, permitindo retornos e lucros exorbitantes para algumas empresas -em particular as distribuidoras.
Não adianta somente impor tarifas menores na geração sem mexer na distribuição, cujas empresas ano após ano, depois da privatização, têm apresentado nos seus balanços contábeis lucros extraordinários para a realidade brasileira.
É imperativo que prevaleça no setor elétrico um modelo participativo e regionalizado do planejamento. Que se democratize e torne transparentes as decisões dos gestores deste setor. E que seja extirpado de vez a interferência de grupos políticos que tornaram o Ministério das Minas e Energia um verdadeiro feudo.

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