sábado, 8 de dezembro de 2012

Relato histórico do acidente do Titanic é lançado no Brasil


Relato histórico do acidente do Titanic é lançado no Brasil
"Uma Noite Fatídica", do norte-americano Walter Lord, foi publicado em 1955 e não havia sido traduzido no país
Livro, lançado agora pelo selo Três Estrelas, apresenta a tragédia do navio em relato direto e objetivo
Dalhouise University Archives/Reuters
Botes do navio Carpathia durante resgate de sobreviventes do Titanic
Botes do navio Carpathia durante resgate de sobreviventes do Titanic
IVAN FINOTTIfolha DE SÃO PAULOA Amazon brasileira, que estreou anteontem, traz 500 títulos sobre o Titanic. A norte-americana, 3.000 opções. Há desde obras que comparam os menus dos cafés da manhã servidos na primeira e na terceira classes a textos emocionados como "Vovó Sobreviveu ao Titanic".
Há sociedades dedicadas ao navio com eventos anuais (titanichistoricalsociety.org), há sites com histórias de cada sobrevivente (como o titanic-passengers.com) e há até uma enciclopédia on-line sobre o naufrágio (encyclopedia-titanica.org).
Mas há um aspecto do livro escrito em 1955 pelo historiador norte-americano Walter Lord que jamais poderá ser superado: ele entrevistou 63 sobreviventes -o último deles, um bebê de nove semanas no naufrágio, morreu em 2009 aos 97 anos.
O livro ganha agora -no ano do centenário do acidente que matou estimados 1.523 (e do qual sobreviveram 703)- sua primeira edição brasileira.
"Uma Noite Fatídica", tradução de Tomás Rosa Bueno para "A Night to Remember" (uma noite para ser lembrada), é um relato jornalístico sobre a noite de 14 de abril de 1912, um domingo.
Curto, objetivo, direto ao ponto, a obra apresenta o "iceberg logo à frente" já na segunda página.
Na terceira, ocorre o acidente: "Então, de repente, sentiu um movimento estranho romper o ritmo constante dos motores. Um veleiro com as velas içadas parecia estar passando a estibordo [lado direito]. Então, percebeu que era um iceberg, elevando-se, talvez, a trinta metros da superfície [um prédio de dez andares]."
BEST-SELLER
Assim, após o "vago ruído de trituração que pareceu vir das entranhas do navio" por volta das 23h40, Lord leva o leitor aos acontecimentos que desembocariam no naufrágio duas horas e meia depois, "sem campainhas nem sirenes. Nenhum alarme geral".
"Uma Noite Fatídica" foi um sucesso mundial assim que foi lançado, há quase 60 anos.
"Até o livro de Lord, o que a maioria das pessoas tinha lido sobre o Titanic vinha das notícias iniciais e, mais tarde, com a passagem dos anos, de artigos e entrevistas publicadas nos aniversários dos naufrágios", escreve o jornalista norte-americano Daniel Mendelsohn no prefácio à edição brasileira.
Havia também as reminiscências dos sobreviventes, principalmente de tripulantes, que lançavam suas memórias em forma de livros.
Mas, como nota Mendelsohn, "Lord foi o primeiro escritor a juntar tudo com um ponto de vista mais distanciado".
O prestígio de Lord durou até o fim de sua vida, em 2002. Por 50 anos, ele foi chamado para participar de praticamente qualquer projeto que envolvesse o nome Titanic, incluindo a função de consultor do filme de 1997 do diretor James Cameron.
Um dos raros comentários feitos por Lord em "Uma Noite Fatídica" diz respeito ao destino dos passageiros de terceira classe (leia trecho nesta página).
ESTRELAS
Na metade do livro, quando o Titanic afunda, o historiador se põe a analisar as razões que levaram alguns a serem barrados nos botes salva-vidas e, mais do que isso, a anuência da sociedade da época e dos próprios passageiros mais pobres.
Foi um salve-se quem puder, com a tentativa de respeito a algumas normas. Os oficiais encarregados dos botes não deixavam homens subir, com exceções.
Mas quando a maioria das mulheres e crianças conseguiu seu lugar, não houve dúvidas de que a primeira classe tinha prerrogativa.
Conforme demonstra a demografia da tragédia (quadro à direita), salvaram-se mais homens da primeira classe (32%) do que crianças da terceira (31%), proporcionalmente falando.
A única das sete crianças da primeira classe que morreu foi uma menina de dois anos que se perdeu dos pais na corrida aos botes. Já entre as 80 da terceira classe, morreram 55.
O navio considerado inafundável tinha botes para apenas metade dos passageiros e tripulantes. E, apesar de o navio Carpathia ter partido em socorro imediatamente e ter chegado ao local do naufrágio com o nascer do sol, o frio do mar (a água estava abaixo de zero) diminuiu as chances de sobrevivência.
Outro ponto abordado por Lord é a celebridade dos mortos e o escândalo causado por isso.
Charles Chaplin só lançaria seu primeiro curta-metragem em fevereiro de 1914. Em 1912, não havia a indústria do cinema como hoje, assim como não existia televisão ou superastros da música.
Daí o fato de a "high society" ser a matéria prima para as publicações de fofoca do início do século.
Estavam no navio figuras como o dono da editora Harper, o dono da companhia de transatlânticos do Titanic e o fundador da cadeia loja Macy's -uma classe que viajava para Paris com dezesseis baús de bagagem por casal.
A morte desse grupo foi um escândalo semelhante, talvez, à morte de Tom Cruise, Clint Eastwood, Xuxa, Bob Dylan e Justin Bieber de uma tacada só, no primeiro voo turístico tripulado à Lua.

    TRECHO
    A noite foi uma confirmação magnífica da norma "mulheres e crianças primeiro", mas de alguma forma a proporção de vidas perdidas foi maior entre as crianças da terceira classe do que entre os homens da primeira. Esse contraste nunca passaria despercebido pela consciência social (ou pelo faro para notícia) da imprensa de hoje [1955].
    O Congresso tampouco se importou com o que aconteceu com a terceira classe. A investigação do senador Smith sobre o Titanic abrangeu tudo sobre o sol, até mesmo do que era feito um iceberg ("gelo", explicou o quinto oficial Lowe), mas a terceira classe recebeu pouca atenção. Apenas três das testemunhas eram passageiros da terceira classe. Duas delas disseram que haviam sido impedidas de ir para o convés principal, porém os legisladores, não deram seguimento ao caso. Também aqui, o testemunho não sugere nenhum acobertamento deliberado -simplesmente não havia interesse.
    Nem mesmo os passageiros de terceira classe ficaram incomodados. Eles viam a distinção de classes como parte do jogo. Olaus Abelseth, pelo menos, considerava o acesso ao convés principal um privilégio incluído na passagem da primeira e da segunda classes... mesmo quando o navio estava afundando.
    Estava nascendo uma nova era; e, desde aquela noite, nunca mais foram vistos passageiros de terceira classe tão filosóficos.

      CRÍTICA HISTÓRIA
      Tragédia recorda que não somos cartesianos
      Livro bem documentado ajuda a entender fascínio que ainda exerce o naufrágio do navio tido como inafundável
      HORÁCIO LAFER PIVAESPECIAL PARA A FOLHA
      Já são quatro gerações de assombro. E considere-se quatro gerações que passaram pelas experiências humanas mais marcantes do século 20 e 21, o que indica que o capítulo específico de que trata este livro seguirá surpreendente até o fim dos tempos.
      O Titanic foi tudo. Foi luxo, conflito de classes, tecnologia, vaidade e futilidade; foi heroísmo, ousadia, presunção e covardia.
      Sua história permitiu constatar, uma vez mais, que o ser humano é mais shakespeariano que cartesiano, razão pela qual cálculos e bom senso não ajudaram em nada o rumo desta tão planejada quanto malsucedida viagem.
      Seu naufrágio, em 14 de abril de 1912, pareceu, ainda, ter despertado um mundo para a transição de uma era em que tudo parecia bem para outra, de incertezas.
      Até a civilidade e a confiança abriram neste episódio algumas portas para a volta da barbárie e dúvidas. Nem o dinheiro teve novamente o mesmo valor imaginário. A chegada da guerra e o advento do Imposto de Renda pareceram, nos anos seguintes, confirmar a possibilidade de arrombamento de uma suposta caixa de Pandora.
      Publicado originalmente em 1955, "Uma Noite Fatídica - O Clássico Relato das Horas Finais do Titanic" (no original, "A Night to Remember"), chega ao Brasil pelo selo Três Estrelas.
      Segundo muitos, é o mais bem apurado livro a respeito dos momentos que antecederam o naufrágio daquela que se dizia ser a mais segura nau construída pelo homem.
      Fruto do denodo com que Walter Lord entrevistou, com hábil olhar distanciado, dezenas de sobreviventes, este é um livro que influenciou tantos outros, além do cinema (o premiadíssimo filme de James Cameron é um exemplo) e outras artes.
      A publicação traz ainda uma extraordinária introdução à edição brasileira, escrita pelo jornalista e crítico Daniel Mendelsohn como artigo para a revista "New Yorker" meses atrás, que mergulha (sem trocadilhos) com talento nas várias dimensões do drama exposto a seguir.
      Continua com uma introdução feita pelo escritor Nathaniel Philbrick por ocasião do 50ª aniversário do livro, para finalmente oferecer ao leitor o breve prefácio do autor, que narra a inacreditável história de um romance escrito 14 anos antes do naufrágio pelo desconhecido Morgan Robertson e que terminou sendo um retrato premonitório, sinistro e acabado em detalhes da catástrofe que aconteceria na vida real.
      Lord é um tipo interessante. Não floreia, não abusa do leitor, não cede à tentação fácil de romancear uma história que permite qualquer voo em altura e direção. Por vezes é quase seco, contido ou repetitivo, mero coletor de frases e fragmentos capturados dos sobreviventes.
      Contudo, e talvez por isso, traz grande realidade ao que nos conta. Não envereda pela crítica analítica: relata, e o faz bem. O texto flui e permite ao leitor divagar, colocando-se nas cenas da tragédia e imaginando suas próprias aflições e reações.
      E há matéria-prima para tudo. Da água do mar a -2ºC ao inerte navio Californian, parado a apenas dez milhas e cuja tripulação só percebeu tarde demais o que ocorrera, trata-se definitivamente de uma grande história, atemporal e bem contada.
      A posteriori é bastante fácil compreender tanto a excitação por participar da primeira viagem do Titanic quanto a irresponsabilidade que gerou a catástrofe na qual cerca de 1.500 vidas se perderam num mar calmo, belo e, ao mesmo tempo, gelado e mortal. Mas esta é, ainda assim, uma história de mistério: perguntas se arrastam sem respostas até hoje.
      O livro termina com fatos e dados a respeito do navio e a cronologia do desastre. Os agradecimentos são, em si, fonte de outras histórias. Por fim, a lista de passageiros, diante da curiosidade mórbida do ser humano, não escapa a uma olhadela.
      Belo barco, uma história de histórias, um relato preciso: certamente um bom livro.

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