A escritora Clarice Lispector posa para foto em Berna, na Suíça
Escritora, que faria 92 anos na segunda, irá receber homenagens em várias cidades do Brasil
Portal pretende reunir toda a produção sobre a autora de "A Hora da Estrela", que vive bom momento nos EUA
A romancista brasileira de origem ucraniana (1920-1977), que completaria 92 anos na segunda, vai receber diversas homenagens pelo país durante a segunda edição do evento "Hora de Clarice".
No Brasil, nos últimos anos, vida e obra da autora foram esquadrinhadas em livros que reúnem suas correspondências, frases, textos esparsos, entrevistas e crônicas feitas para suplementos femininos.
Nos Estados Unidos e na Europa, novas traduções de seus livros vêm despertando a atenção de críticos e leitores.
Uma pesquisa do programa Conexões Itaú Cultural sobre a presença da literatura brasileira no exterior, realizada com 236 pesquisadores, aponta que Clarice é o segundo nome da literatura brasileira mais estudado no mundo. Só perde para outro gigante nacional, Machado de Assis.
Nas redes sociais, ela é campeã de citações. Mas tanta popularidade tem seus custos: muitos dos textos ou frases atribuídos à escritora são deturpações ou puras invenções.
Pois, também em reação a isso, o IMS (Instituto Moreira Salles) lança nesta segunda uma um site especial sobre a escritora (www.claricelispectorims.com.br).
"Clarice tem sido muito castigada pela internet. Por isso tivemos a ideia de lançar um site de qualidade, que seja uma referência para estudiosos e os leitores em geral", comenta o poeta Eucanaã Ferraz, consultor de literatura do IMS (Instituto Moreira Salles) e organizador do projeto.
O portal trará uma lista com todos os livros escritos sobre Clarice, textos de especialistas sobre seus principais trabalhos e uma cronologia ilustrada de sua vida e obra.
O ensaísta José Miguel Wisnik gravou uma aula sobre o romance "A Hora da Estrela", com quase duas horas de duração, que ficará disponível no site. Além disso, o IMS, que cuida do acervo da escritora, vai publicar manuscritos de romances e de um caderno de viagem da autora.
Também será possível comparar longos trechos de livros como "A Paixão Segundo G.H." em diferentes línguas.
"As informações sobre Clarice na internet estavam muito dispersas. Reunir todo esse material ajudará a jogar luz sobre a escritora, romper os clichês e compreender melhor a obra dela", diz Ferraz.
JORNALISMO
A professora Aparecida Maria Nunes também lança na segunda o livro "Clarice na Cabeceira - Jornalismo". Há mais de 30 anos pesquisando a autora de "Perto do Coração Selvagem", Nunes conta que a trajetória de Clarice na imprensa foi muito maior do que se imaginava.
De "Triunfo", em 1940, primeiro trabalho de que se tem notícia que publicou, até 1977, produziu 300 crônicas, 450 colunas na imprensa femininas e quase cem entrevistas.
"Muitos desses textos funcionavam como laboratório para o trabalho que ela iria desenvolver depois em seus romances e contos", explica.
Nos EUA, a onda de interesse em Clarice foi capitaneada por Benjamin Moser, biógrafo da escritora.
Ele edita uma série que já traduziu cinco livros da autora para o inglês: "Perto do Coração Selvagem", "A Paixão Segundo G.H.", "Água Viva", "Um Sopro de Vida" e "A Hora da Estrela".
"Clarice está editada nos EUA desde os anos 1960, mas em traduções em geral ruins, para um público menorzinho. Nunca 'pegou'. Agora o perfil está mudando. Até quem não leu ainda sabe quem é. É um começo", diz Moser.
CRÍTICA JORNALISMO
Trabalho na imprensa rendeu textos e entrevistas antológicos
NOEMI JAFFEESPECIAL PARA A FOLHA de são paulo"Mineirinho é meu erro. E de uma vida o que se salva é apenas o erro." "Nós, os sonsos essenciais." Palavras de Clarice Lispector para a revista "Senhor", em 1962, ao comentar o assassinato de Mineirinho, um criminoso, com 12 tiros.Mineirinho, nessa narrativa iluminada e iluminadora, é o outro que nos habita. Ele é nosso erro; nós, sonsos para que nossas estruturas não afundem.
E é assumindo -mesmo que sob disfarces- essa alteridade do humano que a jornalista Clarice Lispector escreve sobre moda, sedução e baratas.
Antes de se tornar conhecida, a autora trabalhou em jornais e revistas, oculta sob os pseudônimos de Helen Palmer e Teresa Quadros. O livro "Clarice na Cabeceira - Jornalismo" reúne crônicas, entrevistas e matérias femininas, ao longo de mais de 30 anos.
Com o nome de Helen Palmer, por exemplo, Clarice recomendava às mulheres elegantes que não comessem chocolate na frente dos outros, não rissem em voz alta e que não se fizessem de vítimas, pois isso "envelhece, rouba o brilho dos olhos" e desagrada aos homens.
Como deve ter sofrido -ou quem sabe se divertido- a mulher por trás do nome falso, que já em 1940 defendia que as mulheres tivessem direitos iguais e que, em sua obra, falou em nome das mulheres oprimidas pelo casamento e pela submissão.
Mesmo assim, nessa voz que dá dicas para matar baratas, pode-se ouvir "A Paixão Segundo G.H." e "A Quinta Morte", ambas narrativas envolvendo os insetos.
Como não ouvir Clarice numa receita assim: "O gesso endurece lá dentro delas, o que provoca morte certa. Na manhã seguinte dezenas de baratas duras enfeitarão como estátuas a vossa cozinha, madame".
Essa barata, esse outro, aparece também nas entrevistas, especialmente na antológica entrevista com Tom Jobim, de quem só ela conseguiria extrair "que não existe o eu nem o euzinho nem o euzão". "A morte não existe, Clarice."
NOEMI JAFFE é doutora em literatura e autora de "A Verdadeira História do Alfabeto" (Companhia das Letras)
Nenhum comentário:
Postar um comentário