domingo, 27 de janeiro de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Escolher a morte


Estado de Minas: 27/01/2013 
Estes são os fatos recentes:

1 – Walmor Chagas se matou em seu sítio em Guaratinguetá. Os jornais ficaram meio constrangidos, sem saber o que dizer ou como aprofundar o assunto. Era um belo ator, amado pelo público, e de repente desistiu de seu corpo.

2 – Um ministro japonês declarou que deveríamos ajudar os mais velhos a morrer, porque eles causam muitas despesas ao governo. Além do mais, não têm mais nada o que fazer na vida.

3 – Há esse filme, L’amour, com Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, tratando da decrepitude de um casal depois dos 80 anos (a solidão, o amor e a morte), que está ganhando todos os prêmios; as pessoas que assistem a ele saem atônitas entre a vida e a morte.

A esses fatos recentes poderia somar algo que se passou com Rubem Braga, cujo centenário de nascimento foi fartamente retratado em reportagens e crônicas em todos os jornais. No entanto, esqueceram-se de dizer que Rubem Braga decidiu como ia morrer. Tendo incurável câncer na garganta, não querendo se submeter às humilhacões do tratamento que pouco prometia, ele reuniu uns amigos em sua casa, bebeu uísque com eles, no dia seguinte comprou umas frutas de que gostava na feira, pegou um táxi, foi para o hospital, internou-se e ali um médico amigo o ajudou a morrer. Como diria um humorista, no dia seguinte, quando acordou, estava morto.

Aliás, na crônica “Berço do mata-borrão”, que está no livro As boas coisas da vida, ele fala dessa preparação para a morte, da ida à Santa Casa, da busca de um crematório. Vejam: o título fala das boas coisas da vida. E a morte faz parte da vida. Deveria deixar de ser uma coisa ruim para ser uma coisa normal, que se deve organizar.

Poderia também dizer que todos os dias abro o jornal e me surpreendo com amigos morrendo. Andam morrendo demais ultimamente. Evidentemente, não é “ultimamente”. É que “depois de uma certa idade”, como disse uma amiga, que, aliás, já morreu, “depois de certa idade, isso acontece”.

E nossos amigos e parentes estão perdendo a memória. Alguns estão usando cadeira de rodas. Numa praça perto de minha casa, vejo-os sentadinhos, velhinhos, tomando sol, uma empregada ao lado. Outro dia, um amigo americano narrou que vendeu tudo e foi para magnífica clínica de repouso – tipicamente americana – esperar a morte com sua mulher. A mulher morreu antes. Ele me mandou uma linda carta, nada fúnebre, sobre como jogou as cinzas onde ela queria.

Claro que há pessoas excepcionais. Uma pessoa querida, de 96 anos, me disse que fez conferência na Arcadia Mineira sobre a evolução dos estilos musicais desde a Idade Média. Manolo Grana, genro do Drummond, com 96 anos, está terminando a tradução do meu A grande fala do índio guarani. A querida professora Angela Leão fez 90 anos publicando seus trabalhos sobre as Cantigas de Santa Maria, escritas por Afonso X, O Sábio.

No entanto, estou falando de nós outros, pobres mortais. E volta e meia me lembro de um filme dos anos 1970 que marcou muita gente: Soylent green. Profeticamente, projetavam um mundo futuro (acho que é este em que vivemos) onde haveria uma série de problemas e era dado aos indivíduos escolher o dia e a hora em que morreriam. A cena era maravilhosa: o sujeito entrava numa ampla sala, ficava deitado enquanto projetavam nas amplas telas cenas idílicas da natureza, ao som da Sinfonia Pastoral, de Beethoven. Era uma morte divina, harmoniosa, natural.

Outro dia, no Fantástico, vi que um cientista japonês (terra daquele mesmo ministro que está sugerindo o fim dos velhinhos) descobriu uma água-viva que nunca morre. Vai ficando velha e, de repente, o organismo dá a contraordem e ela renasce de si mesma. Estão pensando em pegar células dessa criatura e injetar na gente.

Estou fora.

Tem gente que acha que deve ficar decrépita, dando trabalho aos outros, porque Deus mandou. Cada um com sua crença ou descrença.

Sou a favor da morte programada, escolhida com antecedência. Estou pensando até em publicar uma antologia de poemas chamada Aprendizes da morte.

 É isto aí: Oh! Morte! Os que vão viver/ morrer te saúdam!


>>  www.affonsoromano.com.br

Um comentário:

  1. fantástico! claro que isso n é nenhuma comparação de verdade, mas.... rsss - eu não o teria escrito melhor!

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