Ana Clara Brant
Estado de Minas: 27/01/2013
“Parece que nos descobriram”, constata a aposentada Alda Braga, de 72 anos, depois da sessão do filme Amor, um dos candidatos ao Oscar, que retrata os desafios de um casal octogenário para lidar com a idade, a família e o relacionamento a dois. O longa-metragem do diretor austríaco Michael Haneke, que arrebatou prêmios como o Globo de Ouro e a Palma de Ouro em Cannes, é apenas uma das produções recentes que focam a terceira idade.
E se vivêssemos todos juntos?, de Stéphane Robelin, que conta a história de seis amigos na faixa etária dos 70 que decidem montar uma espécie de república, é outro que está em cartaz e vem conquistando as plateias. “Acho que é uma tendência do cinema mundial. No Brasil isso ainda está engatinhando e começamos a ter vários curtas com essa temática. Os cineastas orientais já exploram o assunto há algum tempo. O mundo está envelhecendo e acho maravilhoso o cinema dedicar seus enredos às pessoas mais velhas. É um sintoma das sociedades modernas”, acredita o professor de cinema e crítico Ataídes Braga.
As sessões lotadas dos dois filmes e a repercussão que estão provocando demonstram como as pessoas começam a se interessar pelo assunto. “Todo mundo passou ou vai passar por isso. Um dia chega a hora. Acho que o mundo acordou, percebeu que está envelhecendo, e por isso o tema é bem atual e deve ser levado para a telona”, frisa Alda. Cinéfila assumida, Selma de Carvalho Azevedo Alcici, de 84 anos, assistiu tanto a Amor quanto a E se vivêssemos todos juntos? e acha extremamente válido que as produções abordem a terceira idade. “Apesar de não ter gostado de Amor, nem tê-lo entendido, até porque imaginava outra coisa, considero muito importante falar sobre isso. E tanto é que tem atraído gente de todas as gerações. Mas há filmes e filmes, e preferi E se vivêssemos todos juntos?”, opina.
A verdade nua e crua e a fragilidade do ser humano presentes na obra de Michael Haneke têm despertado os comentários mais diversos. Há quem ame e quem odeie, mas não se pode negar que o longa, que teve cinco indicações da Academia, reflete a realidade de muitos idosos. “Ele revela o amor sem véus, um sofrimento que é real. Como é a vida de quem passa a lidar com aquilo, suas angústias, mas ao mesmo tempo tem muita sensibilidade. Porém, isso não significa que é a realidade de todas as pessoas mais velhas. Vários idosos conseguem envelhecer de uma maneira satisfatória e digna. Não é algo homogêneo, eu mesmo tenho pacientes com 90, 95 anos, que moram sozinhos, vão ao teatro, fazem cursos e não ficam esperando a morte chegar”, lembra o psicogeriatra e professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Rodrigo Nicolato.
Interpretação Já Ataídes Braga considera Amor um dos filmes mais densos dos últimos tempos, o que nos leva obrigatoriamente a uma reflexão sobre várias coisas importantes. O crítico ressalta também a atuação dos protagonistas, Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, esta a atriz mais velha a concorrer a um Oscar, com 86 anos. “Enquanto E se vivêssemos todos juntos? é mais festivo, mais atual, e tem essa coisa do coletivo, o Amor não faz concessões e é mais frio e cerebral. Para mim, ele é o grande filme do ano. Um dos pontos altos dessas produções é ter no elenco atores mais velhos e de um talento fora de série. Pena que não valorizamos esse pessoal tão bom de serviço. O próprio Walmor Chagas, que morreu recentemente, reclamava muito disso. Ele estava muito insatisfeito e deprimido por não ser mais chamado para atuar”, lamenta Ataídes. O crítico está finalizando dois trabalhos com foco no tema: o documentário Resíduos da memória, que traz cineastas na faixa dos 70 e 80 anos; e o roteiro de um filme sobre amigos idosos que não se veem há anos.
Com mais de cinco décadas de carreira e prestes a completar 82 anos, a atriz mineira Wilma Henriques acha importante que produções do teatro, cinema e televisão abordem a questão do idoso. No entanto, acredita que deve haver uma política efetiva com relação aos mais velhos. “Eu, particularmente, não posso me queixar porque nunca faltou trabalho e não diminuíram os convites. Mas é natural que à medida que o ator vá envelhecendo a visibilidade diminua. Isso é normal porque a vida é assim. Começo, meio e fim”, diz.
Mesmo quem ainda não ingressou na chamada terceira idade faz questão de conhecer os filmes, como é o caso da cantora Lígia Jacques, de 52 anos. Para ela, o grande mérito das produções é que, independentemente da cultura ou do país, o assunto é universal e, gostando ou não, o público se identifica. “Amor é ao mesmo tempo um filme delicado e difícil de digerir. É um tema espinhoso. E se vivêssemos todos juntos? tem mais fantasia, é mais leve. De qualquer modo, vale a pena ver os dois”, aconselha.
“Os cineastas orientais já exploram o assunto há algum tempo. Acho maravilhoso o cinema dedicar seus enredos às pessoas mais velhas” - Ataídes Braga, professor de cinema
“É natural que à medida que o ator vá envelhecendo a visibilidade diminua. Isso é normal porque a vida é assim. Começo, meio e fim” - Wilma Henriques, atriz
E se vivêssemos todos juntos?, de Stéphane Robelin, que conta a história de seis amigos na faixa etária dos 70 que decidem montar uma espécie de república, é outro que está em cartaz e vem conquistando as plateias. “Acho que é uma tendência do cinema mundial. No Brasil isso ainda está engatinhando e começamos a ter vários curtas com essa temática. Os cineastas orientais já exploram o assunto há algum tempo. O mundo está envelhecendo e acho maravilhoso o cinema dedicar seus enredos às pessoas mais velhas. É um sintoma das sociedades modernas”, acredita o professor de cinema e crítico Ataídes Braga.
As sessões lotadas dos dois filmes e a repercussão que estão provocando demonstram como as pessoas começam a se interessar pelo assunto. “Todo mundo passou ou vai passar por isso. Um dia chega a hora. Acho que o mundo acordou, percebeu que está envelhecendo, e por isso o tema é bem atual e deve ser levado para a telona”, frisa Alda. Cinéfila assumida, Selma de Carvalho Azevedo Alcici, de 84 anos, assistiu tanto a Amor quanto a E se vivêssemos todos juntos? e acha extremamente válido que as produções abordem a terceira idade. “Apesar de não ter gostado de Amor, nem tê-lo entendido, até porque imaginava outra coisa, considero muito importante falar sobre isso. E tanto é que tem atraído gente de todas as gerações. Mas há filmes e filmes, e preferi E se vivêssemos todos juntos?”, opina.
A verdade nua e crua e a fragilidade do ser humano presentes na obra de Michael Haneke têm despertado os comentários mais diversos. Há quem ame e quem odeie, mas não se pode negar que o longa, que teve cinco indicações da Academia, reflete a realidade de muitos idosos. “Ele revela o amor sem véus, um sofrimento que é real. Como é a vida de quem passa a lidar com aquilo, suas angústias, mas ao mesmo tempo tem muita sensibilidade. Porém, isso não significa que é a realidade de todas as pessoas mais velhas. Vários idosos conseguem envelhecer de uma maneira satisfatória e digna. Não é algo homogêneo, eu mesmo tenho pacientes com 90, 95 anos, que moram sozinhos, vão ao teatro, fazem cursos e não ficam esperando a morte chegar”, lembra o psicogeriatra e professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG, Rodrigo Nicolato.
Interpretação Já Ataídes Braga considera Amor um dos filmes mais densos dos últimos tempos, o que nos leva obrigatoriamente a uma reflexão sobre várias coisas importantes. O crítico ressalta também a atuação dos protagonistas, Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, esta a atriz mais velha a concorrer a um Oscar, com 86 anos. “Enquanto E se vivêssemos todos juntos? é mais festivo, mais atual, e tem essa coisa do coletivo, o Amor não faz concessões e é mais frio e cerebral. Para mim, ele é o grande filme do ano. Um dos pontos altos dessas produções é ter no elenco atores mais velhos e de um talento fora de série. Pena que não valorizamos esse pessoal tão bom de serviço. O próprio Walmor Chagas, que morreu recentemente, reclamava muito disso. Ele estava muito insatisfeito e deprimido por não ser mais chamado para atuar”, lamenta Ataídes. O crítico está finalizando dois trabalhos com foco no tema: o documentário Resíduos da memória, que traz cineastas na faixa dos 70 e 80 anos; e o roteiro de um filme sobre amigos idosos que não se veem há anos.
Com mais de cinco décadas de carreira e prestes a completar 82 anos, a atriz mineira Wilma Henriques acha importante que produções do teatro, cinema e televisão abordem a questão do idoso. No entanto, acredita que deve haver uma política efetiva com relação aos mais velhos. “Eu, particularmente, não posso me queixar porque nunca faltou trabalho e não diminuíram os convites. Mas é natural que à medida que o ator vá envelhecendo a visibilidade diminua. Isso é normal porque a vida é assim. Começo, meio e fim”, diz.
Mesmo quem ainda não ingressou na chamada terceira idade faz questão de conhecer os filmes, como é o caso da cantora Lígia Jacques, de 52 anos. Para ela, o grande mérito das produções é que, independentemente da cultura ou do país, o assunto é universal e, gostando ou não, o público se identifica. “Amor é ao mesmo tempo um filme delicado e difícil de digerir. É um tema espinhoso. E se vivêssemos todos juntos? tem mais fantasia, é mais leve. De qualquer modo, vale a pena ver os dois”, aconselha.
“Os cineastas orientais já exploram o assunto há algum tempo. Acho maravilhoso o cinema dedicar seus enredos às pessoas mais velhas” - Ataídes Braga, professor de cinema
“É natural que à medida que o ator vá envelhecendo a visibilidade diminua. Isso é normal porque a vida é assim. Começo, meio e fim” - Wilma Henriques, atriz
Questão de respeito
Ana Clara Brant
Levar a terceira idade para as telas, seja da TV ou do cinema, já é um grande ganho para a sociedade e um reflexo de que o idoso começa a ser uma preocupação real. No entanto, segundo os especialistas, isto é mais frequente em países da Europa – tanto é que Amor e E se vivêssemos todos juntos? são produções europeias. O pscogeriatra Rodrigo Nicolato afirma que essas nações lidaram com o envelhecimento de forma progressiva e lenta, e que no Brasil o processo é mais recente. “Aqui ainda não há preparo econômico, logístico e cultural para lidar com esta questão. Mas, agora que a população está começando a envelhecer, há preocupações neste sentido, inclusive do poder público. Porém, infelizmente, ainda temos a cultura de que o idoso é aquela pessoa que atrapalha”, declara o médico e professor da UFMG.
Nicolato destaca que deveria haver maior respeito da comunidade aos mais velhos e que, sob esse ponto de vista, os filmes exercem um papel muito relevante. “Os jovens e adolescentes deveriam ser treinados e orientados a lidar desde cedo com a questão do envelhecimento. Não só dos que os cercam, como os pais e avós, mas os idosos de uma maneira geral. São pessoas que merecem todo o respeito e dignidade e não existe mais isso de que você fica velho e tem que ficar esperando pela morte. As coisas estão mudando”, enfatiza.
Doce de mãe ganha espaço
Uma das atrações da programação de fim de ano da TV Globo tinha como protagonista uma atriz de 83 anos, que sempre esteve na ativa: a grande dama Fernanda Montenegro. Doce de mãe, produzido especialmente para a televisão, contou a história de dona Picucha, viúva de 85 anos, que reúne os quatro filhos em torno de um banquete de panquecas para contar uma notícia bombástica: a empregada que cuida dela há décadas está indo embora. Tem início uma delicada comédia, com os filhos se desdobrando de forma atabalhoada para cuidar da mãe. O telefilme do diretor Jorge Furtado e de Ana Luiza Azevedo fez tanto sucesso que é forte candidato a virar seriado ainda este ano.
Nicolato destaca que deveria haver maior respeito da comunidade aos mais velhos e que, sob esse ponto de vista, os filmes exercem um papel muito relevante. “Os jovens e adolescentes deveriam ser treinados e orientados a lidar desde cedo com a questão do envelhecimento. Não só dos que os cercam, como os pais e avós, mas os idosos de uma maneira geral. São pessoas que merecem todo o respeito e dignidade e não existe mais isso de que você fica velho e tem que ficar esperando pela morte. As coisas estão mudando”, enfatiza.
Doce de mãe ganha espaço
Uma das atrações da programação de fim de ano da TV Globo tinha como protagonista uma atriz de 83 anos, que sempre esteve na ativa: a grande dama Fernanda Montenegro. Doce de mãe, produzido especialmente para a televisão, contou a história de dona Picucha, viúva de 85 anos, que reúne os quatro filhos em torno de um banquete de panquecas para contar uma notícia bombástica: a empregada que cuida dela há décadas está indo embora. Tem início uma delicada comédia, com os filhos se desdobrando de forma atabalhoada para cuidar da mãe. O telefilme do diretor Jorge Furtado e de Ana Luiza Azevedo fez tanto sucesso que é forte candidato a virar seriado ainda este ano.
"Não há preparo econômico, logístico e cultural para lidar com essa questão. Infelizmente ainda temos a cultura de que o idoso é aquela pessoa que atrapalha" - Rodrigo Nicolato, psicogeriatra
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