domingo, 27 de janeiro de 2013

Suzana Singer [Folha Ombudsman]

FOLHA DE SÃO PAULO

OMBUDSMAN
Lusco-fusco
Jornal exagerou risco de racionamento e destacou pouco as vantagens do corte na tarifa de luz
Em pronunciamento em rede de rádio e televisão, na quarta-feira passada, a presidente Dilma criticou aqueles que, "por precipitação, desinformação ou algum outro motivo", previram racionamento de energia e duvidaram que o governo conseguiria reduzir a conta de luz.
A carapuça serviria na Folha? De certa forma, sim.
Nos últimos cinco meses, o jornal exagerou o risco de racionamento e destacou pouco as vantagens econômicas advindas da queda do preço da energia.
Folha começou essa cobertura com um gol: informou, com exclusividade, que Dilma anunciaria, na véspera do feriado de 7 de Setembro, uma diminuição na conta de luz de casas e indústrias.
Seguiram-se várias reportagens que questionavam os custos desse corte e, depois, uma série de notícias sobre a situação preocupante dos reservatórios por causa da escassez de chuvas.
Até aí, tudo bem, é papel da imprensa revelar problemas que o governo prefere manter longe dos olhos do público. Não se trata de "falta de fé" no país, como disse Dilma, num apelo nada democrático ao nacionalismo.
O problema é que o noticiário embarcou numa toada cética e crítica. Basta ver os títulos:
"Conta de luz para residências pode cair só 10% em vez de 16,2%"
"Para compensar luz barata, imposto nos Estados pode subir"
"Com tarifa menor, elétrica deve distribuir menos lucro"
"Luz mais barata 'corrói' verbas sociais"
"'Apaguinhos' crescem e corte de luz bate recorde em 2012"
"Para analista, chuvas não vão encher reservatórios"
Há 20 dias, a manchete do jornal anunciava que "Escassez de luz faz Dilma convocar o setor elétrico". O título interno era ainda mais alarmista: "Racionamento de luz acende sinal amarelo".
Tratava-se de um exagero, baseado, em parte, em uma informação errada obtida em "off": a tal reunião de emergência, que a presidente teria convocado durante as férias, estava agendada desde dezembro. O jornal publicou só uma correção.
Na terça-feira passada, o alarme tocou novamente, desta vez por causa de 2014: "Para Aneel, há risco de faltar luz na Copa", dizia a capa de "Mercado". A reportagem usou um relatório que aponta problemas graves no cronograma das obras que garantirão energia para as cidades-sede do Mundial. Só que o jornal não mencionou que, entre as conclusões, havia a ressalva de que "a maioria desses atrasos não oferece risco iminente ao abastecimento de energia para a Copa de 2014".
A Redação não acha que errou, já que o relatório deixa claro que, se não houver "aceleração urgente" no ritmo de implantação das obras, haverá risco de falta de luz.
Esse último exemplo ilustra bem o problema geral dessa cobertura: tirando o governo, ninguém duvida que o sistema energético brasileiro trabalha no seu limite e que as obras para ampliá-lo estão atrasadas. É preciso apontar isso, mas sem exagerar a dose. Entre o mundo róseo descrito por Dilma na televisão e o pré-caos pintado pela Folha, deve estar a realidade.
Um grande jornal, um grande erro
Nas Redações, o assunto da semana foi a imensa "barriga" (notícia errada) dada pelo "El País", um dos melhores jornais do mundo. Na quinta-feira, em parte de sua edição impressa e por meia hora no seu site, o diário espanhol publicou uma fotografia do que seria Hugo Chávez internado em Cuba. Era, na verdade, uma imagem tirada de um vídeo de medicina de 2008, disponível no YouTube.
O alerta sobre o engano foi dado nas redes sociais. O jornal tirou a foto do ar, interrompeu a impressão, mas o estrago estava feito. Em nota, o "El País" pediu desculpas aos leitores e disse que vai investigar a causa do erro, além de revisar os processos de checagem.
O vexame serviu de pretexto para ataques do governo venezuelano e da presidente da Argentina no melhor estilo "El PIG": o erro seria parte de um complô internacional para derrubar Chávez.
Delírios políticos à parte, cabe perguntar: se fosse verdadeira, a fotografia deveria ter sido publicada com tamanho destaque (alto da "Primeira Página")?
Na nota aos leitores, o jornal espanhol justifica que "a imagem era pertinente diante da enorme polêmica a respeito da doença de Chávez". O manual de Redação do "El País" determina que "fotografias com imagens desagradáveis só serão publicadas quando adicionarem informação".
Só que a foto foi vendida sem data certa (o jornal dizia que havia sido feita "há alguns dias") e sem explicação sobre a circunstância em que foi tirada. Sem esses dados, a imagem não diz muito. O falso Chávez aparece entubado, mas isso poderia ser parte de um procedimento cirúrgico.
A força da imagem, se verdadeira, estaria no fato de ter sido obtida rompendo o cerco autoritário de Cuba e contra a vontade do governo venezuelano, que lida com a doença sem nenhuma transparência. Seria um "olé" da imprensa livre. Acabou sendo um erro vergonhoso.

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