domingo, 27 de janeiro de 2013

Embrião congelado faz irmãos gêmeos terem nove anos de diferença

FOLHA DE SÃO PAULO


Conselho de medicina estuda autorizar descarte de embriões
Medida seria válida para embriões congelados há mais de cinco anos, com autorização dos pais
Comissão também avalia o destino do material 'abandonado' pelos pais nas clínicas de reprodução
CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULO
Uma comissão do CFM (Conselho Federal de Medicina) estuda autorizar as clínicas de reprodução a descartar embriões congelados há cinco anos ou mais, com a permissão dos pais.
A medida ainda precisa ser aprovada em plenária. Hoje, o conselho permite a doação de embriões para pesquisa ou para outro casal.
Fora dessas situações, o casal é obrigado a manter os embriões congelados nas clínicas. E a pagar uma taxa inicial, que varia entre R$ 800 e R$ 1.500, e uma mensalidade de R$ 50, em média.
"Muitas pessoas não querem doar. Querem descartar simplesmente", diz o médico Eduardo Motta, da clínica Huntington, em São Paulo.
Um dos membros da comissão do CFM, o médico José Gonçalves Franco Júnior, do CRH (Centro de Reprodução Humana), de Ribeirão Preto (SP), entende que o casal tenha o direito de decidir pelo descarte. "Não é uma decisão do Estado, da igreja ou dos médicos." Para ele, a própria Lei de Biossegurança, de 2005, já abriu um precedente para o descarte quando autorizou o uso de embriões em pesquisas. "Ali, ficou decidido que o embrião não é uma vida."
O médico Edson Borges Júnior, da Clínica Fertility, lembra que o descarte de embriões é um procedimento frequente nas clínicas.
"Os embriões classificados como inviáveis são descartados. Mas sabemos que essa classificação está longe de ser perfeita. Todos nós temos casais em que foram transferidos embriões 'feios' e que nasceram bebês 'lindos'."
ABANDONADOS
Uma outra questão que deverá ser discutida pelo CFM é o destino dos embriões congelados que foram abandonados pelos pais.
Geralmente, são situações em que casal engravidou com o tratamento, teve sobra de embriões e os congelou para uma outra eventual gravidez, mas acabou "abandonando-os" nas clínicas por diversas razões (morte de um dos cônjuges, separação ou mudança de cidade ou país).
Estima-se que 10% a 20% dos 60 mil embriões congelados no país (segundo dados da Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estejam nessa condição.
Países como a Inglaterra e a Espanha autorizam o descarte dos abandonados.
No CRH, de Ribeirão, há dois embriões que completam 22 anos em 2013. Existem outros 1.541 congelados entre 1992 e 1999. "Perdemos o contato com a maioria desses casais", diz Franco Júnior.
Na clínica Huntington, a situação é semelhante. São 918 embriões abandonados dentro de um universo de 9.451 congelados. "Não sabemos bem o que fazer, mas temos que mantê-los, arcando com as despesas de tanque e nitrogênio líquido, além do pessoal especializado."
Na Fertility, há cerca de 2.200 embriões congelados, dos quais 185 são "órfãos". "Perdemos completamente o contato com o casal", diz Borges Júnior. "Temos que ter mais coragem para abordar diretamente esse tema."
Para Reinaldo Ayer de Oliveira, professor de bioética da USP e conselheiro do Cremesp, o destino dos embriões abandonados deve ser uma questão discutida por toda a sociedade brasileira.
"É preciso criar uma legislação específica para esses casos. É um problema nacional, enfrentado por clínicas de todos os Estados."


Avener Prado/Folhapress
Os trigêmeos Augusto, Gustavo e Vitória, 10, e o caçula, Vitório, de um ano, em Bauru (SP), que quando era um embrião foi transferido depois de dez anos de congelamento em clínica
"O 'congeladinho' é mais bonito", dizem irmãos
DE SÃO PAULO
"Este é o nosso irmão quadrigêmeo". É dessa forma que os trigêmeos Vitória, Augusto e Gustavo costumam apresentar o irmão caçula, Vitório.
Não é brincadeira de criança. Os trigêmeos fazem aniversário no dia 19 de março. Vitório também. Os três são frutos de uma fertilização in vitro feita pelos pais em 2001. Vitório também. A diferença é que o trio nasceu em 2002 e Vitório, em 2011, após ficar quase uma década congelado quando era apenas um embrião.
"Nós passávamos horas olhando para ele dormindo, vendo se estava tudo ali inteiro. Parecia alucinante que aquela criança tivesse ficado tanto tempo congelada", conta a mãe, Márcia Renata Carvalho, 42, de Bauru (SP).
Márcia fez o tratamento de reprodução em 2001, após sete anos de tentativas de gravidez. Ela tinha endometriose, e o marido, Segundo Carvalho, 48, baixa contagem de esperma.
Três embriões foram transferidos para o útero de Márcia (e resultaram nos trigêmeos) e outros três foram congelados.
"Desde que soube que estava grávida de trigêmeos, nunca mais parei de pensar nos embriões que ficaram congelados. Jamais pensei em doá-los para pesquisa ou para outro casal ou em descartá-los. Sabia que na hora certa iria buscá-los. Eram meus."
E a hora foi em 2010. No processo de descongelamento, apenas um embrião sobreviveu e se fixou ao útero. O tratamento aconteceu em Ribeirão.
"As crianças vibraram muito com a gravidez. A Vitória dormia abraçada à minha barriga. Quando soubemos que era menino, eu disse: o irmão de vocês é um vitorioso, um valente. Então, vocês já podem escolher o nome: ou é Vitório ou é Valentino."
Mimo é o que não falta ao pequeno. "O 'congeladinho' é mais bonito!'", costumam dizer à mãe.

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