Zero Hora - 27/01/2013
Os Meninos Perdidos da
história de Peter Pan são originalmente crianças que as babás deixaram
cair do carrinho sem dar-se conta. Se após sete dias ninguém os
reivindica, as fadas os recolhem para a Terra do Nunca. Não há meninas
lá, pois, conforme Peter, elas seriam muito espertas e não cairiam do
carrinho, no que devo concordar que ele tem razão.
Outro tipo comum
de meninos perdidos são os desgarrados do guarda-sol. Os pequenos por
vezes aproveitam que a vigilância familiar relaxa para explorar o mundo
sem bússola nem mapa. Quando percebem a ausência dos seus adultos,
apesar de que foram eles mesmos que se afastaram, sentem-se abandonados e
abrem o berreiro. Neste veraneio, até inventaram umas pulseirinhas
eletrônicas, que permitem a localização da família quando a sirene do
mini aventureiro começa a tocar.
Paradoxalmente, é mais fácil ser
curioso e correr o risco de perder-se quando nos sentimos cuidados.
Geralmente acontece com pequenos que desenvolveram a "capacidade de
estar só". Ela pressupõe o seguinte: uma criança vive em conexão direta
com uma figura materna, fonte máxima de segurança, apesar de que ninguém
pode estar presente o tempo todo. A duras penas ela acaba descobrindo
que a mãe não some, nem ele, e que é bom que isso aconteça. Mas também
há formas menos dramáticas de aprender, que é distrair-se, tornar-se
capaz de ficar só. Acontece quando o bebê fica absorto em seus assuntos,
cantarolando e brincando, esquecido de chamar a atenção da mãe ou de
controlar seus movimentos. Eis uma pequena pessoa crescida, que tem em
si mesma uma boa companhia. O fugitivo das areias é alguém que sai
consigo mesmo a passear. Carrega dentro de si, por um tempo, seus
adultos.
Os pais, nem que seja por momentos, também se permitem
desligar na presença do pequeno. Distraem-se porque precisam tirar um
pouco do pensamento essa obsessão de fraldas. Mas há os pesadelos, como
os bebês que morrem esquecidos em carros, afogados ou são sequestrados.
São ameaças que dificultam esse jogo benéfico de mútua desatenção, já
que um vacilo pode ser fatal. Somos todos ousados sobreviventes dessas
incursões perigosas nos momentos de desatenção que em algum momento
vivemos. Não foi necessário o resgate mágico, mas alguma fada madrinha
olhou por nós. Tristemente, isso não ocorreu com os pais e filhos que a
fatalidade castigou. É bom lembrar que eles não são monstros. Pais e
filhos precisam desligar-se mutuamente, nestes casos extremos algo
falhou.
Até hoje me emociono nas praias em que há o hábito de colocar
a criança perdida nos ombros e sair batendo palmas, com o coro dos
banhistas, até encontrar a família da criança apavorada. A cena me leva
às lágrimas, porque sinto que fora do guarda-sol familiar, há um mundo
de gente disposta a zelar por nós. Quando dá certo, é bom perder-se do
território conhecido para descobrir que há incursões seguras por terras
estranhas. Faz parte da aventura interminável de crescer e, com sorte,
baterão palmas por nós quando o medo chegar.
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