Ailton Magioli
Estado de Minas: 27/01/2013
O compositor Waldir Azevedo, que completaria 90 anos hoje, é considerado pelos músicos um divisor de águas na história do cavaquinho |
Waldir Azevedo (1923-1980), que completaria 90 anos hoje, autor do choro Brasileirinho, ainda é o nome mais expressivo do cavaquinho no Brasil. Além de influenciar novas gerações, continua a despertar o interesse de contemporâneos e discípulos. “Ele foi a minha grande influência”, constata o jovem Warley Henrique, de 28 anos. Ele conheceu o choro com o mestre, ao qual dedicou seu disco de estreia, não por acaso batizado com o sucesso Delicado.
“Ao tirar o cavaquinho da cozinha (centro da harmonia) e levá-lo para a sala (solista), Waldir acabaria alterando a trajetória do próprio instrumento no país, até então tido apenas como um instrumento de música folclórica”, detecta o xará contemporâneo Waldir Silva, de 81 anos. “Isto não só no Brasil, mas no mundo”, chama a atenção o cavaquinista mineiro, lembrando que Delicado teria sido lançado em 40 países, batizando inclusive um porta-joias no Japão.
Quando conheceu o guitarrista Renato Rocha, com quem se iniciou profissionalmente na noite, aos 16 anos, Warley Henrique diz ter ficado marcado pela sonoridade do instrumento de Waldir, nas gravações em fitas K-7 que o novo amigo lhe apresentou. “Passei a tocar igualzinho as músicas dele. Só na segunda parte começava a improvisar”, recorda o jovem cavaquinista, que copiava até o trastejo (“nota que, às vezes, sai com som de lata, que racha um pouco em função do traste do instrumento”) do mestre.
Waldir Silva conta que ele teve, inclusive, a oportunidade de tocar ao lado de Waldir Azevedo em show na Praça da Liberdade, em BH. “Waldir nos deixou um legado maravilhoso, não só como instrumentista. O mais importante dele foi a obra de composição”, elogia o mineiro. “No cavaquinho, ele tocava para a gente ouvir. Não para se exibir”, acrescenta Waldir Silva, recordando a vibração da ponta do dedo do cavaquinista. “Como músico, não há ninguém comparável a ele. É como a digital, na qual não há mistura”, afirma Waldir Silva, sem deixar de citar outros mestres do cavaquinho: Garoto, Zé Menezes e, mais recentemente, Henrique Cazes.
Habilidade Ao preparar a homenagem do Instituto Cultural Cravo Albin (www.institutocravoalbin.com.br), com sede no Rio, ao cavaquinista, o pesquisador baiano Ricardo Cravo Albin, de 69, lembrou que, ao gravar depoimento para o Museu da Imagem e do Som (MIS), Waldir Azevedo deixou a banca de entrevistados, que ele integrava, impressionada com sua habilidade no instrumento, algo que nenhum deles imaginava existir. Hoje, na opinião de Waldir Silva, há muita exibição e floreio no instrumento. “Conteúdo, não. Ninguém chega perto dele”, critica o cavaquinista.
Na posição de centrista do instrumento, o sambista carioca Mauro Diniz, 60, diz que Waldir Azevedo influenciou, decisivamente, a geração dele. “Não há um cavaquinista daquele período que não toque um choro de Waldir. Ele foi referência para todos nós”, garante o filho de Monarco, que, antes de aderir definitivamente ao samba, chegou a tocar em rodas de choro, nas quais não faltava um belo exemplar do mestre.
“Costumava solar um pouco de Brasileirinho, Pedacinhos do céu”, recorda o sambista, para quem Waldir foi responsável pelo surgimento de vários cavaquinistas de renome. “Ele foi um divisor de águas. Tinha um som muito limpo, além de um suingue impressionante para solar. Acho que é por isso que todos os choros dele saíam do coração”, acrescenta Mauro Diniz, elogiando a linha melódica do mestre, que, em determinadas composições, segundo recorda, usava arpejos (execução sucessiva de notas de um acorde) com muita criatividade. “Ele tinha a malandragem”, admite o filho de Monarco.
Os principais sucessores
Publicação: 27/01/2013 04:00
Quando se fala em substituto de Waldir Azevedo, são muitos os prováveis candidatos. Do carioca Henrique Cazes aos mineiros Ausier Vinícius, dono do Bar Pedacinhos do Céu, e Warley Henrique. Nos últimos tempos, no entanto, tem-se sobressaído também o carioca Ronaldo da Conceição Júnior, o Ronaldinho do Cavaquinho, de 41 anos. Detentor de parte do acervo do mestre, que lhe foi doado pela viúva, Olinda Azevedo, que morreu em 2010, aos 85 anos, o músico prepara tributo para Waldir Azevedo, por meio do qual pretende trazer à tona os novos talentos do choro, em seis shows dos quais ele será o anfitrião. Com cinco discos gravados, Ronaldinho anuncia a jovem flautista Carol D’Ávila como uma das primeiras atrações do projeto, viabilizado pelo Edital Furnas.
Única filha viva do mestre, Marly Azevedo Pacheco, de 65 – a irmã, Mírian, morreu em 1964, aos 18 anos –, vive no Rio, onde guarda o cavaquinho principal do pai. “O outro doei para o Museu da Imagem e do Som (MIS), que detém parte do acervo de Waldir, paralelamente a Ronaldinho do Cavaquinho. Mãe de Eduardo, de 43, e Fernando, 41, ela também se orgulha da neta Mariana, de 2 anos, única bisneta de Waldir Azevedo. “Foi muito bom ter vivido para ver o amor dos meus pais”, orgulha-se Marly, que se diz muito parecida com ele. Herdeira legítima do mestre, ela conta que recebe mais direitos autorais do pai do exterior (Alemanha, especialmente, além de França, Itália e até da Palestina) do que do Brasil.
Duas faces da moeda
Henrique Cazes/Especial para o EM
Publicação: 27/01/2013 04:00
Uma de minhas mais vívidas recordações de infância é a de passear com meu pai no Jardim do Méier, subúrbio do Rio e onde tinha uma Vidraçaria São Jorge, que vendia instrumentos musicais. Na vitrine dessa estranha vidraçaria, ele me apontava: ‘‘Este é o cavaquinho, o do Waldir Azevedo’’. Quando víamos o Waldir andando em nossa vizinhança, em alguma visita à sua mãe, que morava no mesmo prédio que nós, em cima do cinema Imperator, ele dizia: ‘‘Aquele é o Waldir Azevedo, o do cavaquinho’’. O resultado foi que para mim e para muitos de minha geração Waldir e cavaquinho eram a mesma coisa, sinônimos inseparáveis, duas faces da mesma moeda.Quando tinha 17 anos e poucos meses como profissional de música, fui assistir a um show de Waldir no Projeto Seis e Meia e tive que retornar outra vez, durante a mesma semana, com um binóculo, para poder dissecar aquele jeito de tocar, aquela técnica exuberante. Um jeito enérgico, quase bruto, mas que resultava em sons tão doces, tão leves, num contraste que só comecei a compreender naquela tarde de 1976.
Ia vendo o Waldir na TV, no Fantástico, nos festivais de choro da TV Bandeirantes, nos programas das TVs Cultura e Educativa e, um dia, de repente, veio a notícia de sua morte. Parecia impossível alguém como ele morrer. Desaparecer a personalidade que deu vida própria a esse legado lusitano, instrumento que tão bem abrasileiramos.
Agora, ele estaria fazendo 90 anos, suas músicas são recriadas dentro e fora do país. Aqui onde estou, na Faculdade de Música da Universidade de Toronto, no Canadá, uma legião de alunos vai tocar Delicado, Pedacinhos do céu e outras de suas criações. Não era impressão não: Waldir Azevedo, de fato, não morrerá nunca.
* Músico, produtor e pesquisador
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