domingo, 27 de janeiro de 2013

Café, cigarros e autoironia - Há um ano morria a poeta Szymborska

FOLHA DE SÃO PAULO


RESUMO Prêmio Nobel de Literatura em 1996, a polonesa Wislawa Szymborska morreu em fevereiro de 2012, aos 88 anos, ainda pouco conhecida no Brasil. A autoironia e o lirismo sem melodramas que marcam sua vida e obra estão presentes em volume de poemas póstumos, "Chega", lançado na Polônia em abril passado.

REGINA PRZYBYCIEN
Há um ano, em 1º de fevereiro de 2012, morria de câncer, em Cracóvia, a poeta Wislawa Szymborska (pronuncia-se vissuava xemborska), Prêmio Nobel de Literatura em 1996. A notícia correu o mundo na mídia e, na Polônia, suscitou manchetes e edições especiais.
Conhecendo o gosto de seus conterrâneos pelas pompas e cerimônias religiosas, a poeta deixou em testamento instruções para que seu corpo fosse cremado, e as cinzas, depositadas no túmulo de seus pais, numa cerimônia simples e laica. Mesmo assim, no dia do funeral, o centro de Cracóvia parou, os sinos da igreja de Maria badalaram e uma multidão, que incluía o presidente e o primeiro-ministro, foi ao cemitério.
A poeta decerto teria um comentário irônico sobre essa notoriedade, já que sempre evitou o excesso de exposição. Colocava-se como uma mulher comum que, por acaso, fazia versos. Certa vez, ao ver uma multidão que rumava para o lançamento de um de seus livros, comentou que só podiam estar se dirigindo a um jogo de futebol. Essa autodepreciação irônica aparece em "Recital da Autora", incluído em sua única coletânea publicada no Brasil, "Poemas" (Companhia das Letras): o público de uma leitura de poesia (uma dúzia de pessoas) é contrastado com a "multidão ululante" que assiste a uma luta de boxe.
Seu último poema, "Mapa", foi entregue a seu secretário em novembro de 2011. Em janeiro de 2012 ela fez chegar a seu editor 13 poemas acabados, para o seu último livro, que ela pretendia intitular "Wystarczy" (Chega).
Assim, de fato, chamou-se o livro póstumo, lançado em abril na Polônia. O editor, Ryszard Krynicki, diz que, após pensar que se tratava de uma piada, considerou que o título, provocativo, fazia sentido: era uma tirada espirituosa, "como o 'bon mot' de uma dama do século 18 que, perto do fim, não renuncia à forma e se permite o riso". Os poemas fazem perguntas metafísicas, mas sem "páthos", sem melodrama. O eu lírico é um observador distanciado da vida, da morte e da passagem do tempo.
O riso e a auto-ironia caracterizaram sua personalidade e toda a sua produção. Tantos os poemas como as crônicas que escreveu, primeiro para a revista "Zycie Literackie", depois para o jornal "Gazeta Wyborcza", estão permeadas de humor, mesmo quando abordam temas graves.
"Sempre que escrevo", disse em entrevista, "parece-me que há alguém atrás de mim fazendo caretas, por isso não me levo muito a sério e evito ao máximo as grandes palavras". Sua obra cobre seis décadas, mas é relativamente curta: algumas centenas de poemas. Questionada sobre por que publicou tão pouco, respondeu: "Porque tenho uma lata de lixo em casa".

STALINISMO No início dos anos 1950, sob o Estado totalitário, de orientação stalinista, Szymborska se filiou ao Partido Comunista e publicou poemas acordes à ideologia vigente. Em 1966, deixou o partido e passou a apoiar a oposição, embora nunca mais tenha abraçado causas políticas. A vida cotidiana na Polônia comunista propiciou inspiração para a sátira de vários escritores.
Também Szymborska ironiza o controle ideológico e a censura em poemas como "Uma Opinião Sobre a Pornografia": "Não há devassidão maior que o pensamento/Essa diabrura prolifera como erva daninha/num canteiro demarcado para margaridas".
Seu humor também transparece em atitudes como posar para fotos de viagem ao lado de placas com nomes de lugares famosos ou estranhos, como Limerick, na Irlanda, Neandertal, na Alemanha, e Corleone, na Sicília. Ou confeccionar cartões com colagens insólitas, que enviava aos amigos, hobby que durou décadas.
Colecionava objetos kitsch e ganhava-os aos montes, pois as pessoas sabiam dessa preferência. Quando a quantidade excedia o espaço que tinha, rifava-os entre os amigos presentes aos jantares que oferecia. Essas rifas ("loteryjki") se tornaram famosas no seu círculo. Szymborska casou-se em 1948 com o poeta Adam Wlodek (1922-86) e, embora tenham se divorciado seis anos depois, continuaram amigos até a morte dele.
Em 1969 iniciou um relacionamento com o escritor Kornel Filipowicz (1913-90). Ao contrário dela, que era reservada, ele era um líder nato, que se engajou em diversas causas. Sua relação durou até a morte de Filipowicz, embora nunca tenham vivido juntos.
"Que graça teria", comentava, "ele batendo à máquina num canto, eu no outro." Sua perda se expressaria no poema "Gato num Apartamento Vazio", em que a morte é abordada pela perspectiva de um gato, desnorteado com a ausência do dono -Filipowicz tinha uma gata chamada Mizia.

BLOQUEIOS Como todos os escritores, em alguns períodos Szymborska enfrentou bloqueios de escrita. Um dos mais longos veio logo após o Nobel, quando o telefone não parava de tocar e choviam convites de diversas partes do mundo para recitais, entrevistas etc. Desesperada pela intrusão na sua privacidade, contratou um secretário para cuidar de assuntos burocráticos e mundanos, na esperança de encontrar paz para escrever. As solicitações duraram um bom tempo, e ela levou seis anos até reunir um número suficiente de poemas para o livro seguinte, "Chwila" (Instante), de 2002.
Amada e admirada em todo o mundo, Szymborska, entretanto, não é uma unanimidade em seu país. Parte da direita católica da Polônia democrática não lhe perdoa os versos de juventude homenageando Lênin e Stálin. Mesmo o Nobel gerou protestos: diziam que Zbigniew Herbert (1924-98) era melhor poeta.
Szymborska permaneceu alheia tanto às críticas quanto aos elogios. Sobre a adesão juvenil ao comunismo, nunca se justificou -só falou a esse respeito em 1991, por ocasião do recebimento do Prêmio Goethe na Alemanha, quando afirmou pertencer a uma geração que, naqueles anos do pós-Guerra, acreditara na utopia.
Seu secretário, Michal Rusinek, a acompanhou até o fim e é o executor do seu testamento, no qual deixou instruções para a criação de uma fundação em seu nome, para cuidar do seu espólio e oferecer bolsas a escritores e tradutores. A Fundação Wislawa Szymborska foi inaugurada em abril de 2012.
Agora ela volta a criar polêmica. Um dos prêmios para jovens escritores, por vontade expressa no testamento dela, deve levar o nome do ex-marido Adam Wlodek. O anúncio do nome do prêmio pela diretoria da fundação gerou uma enxurrada de protestos na imprensa e nas redes sociais porque Wlodek, no início dos anos 1950, supostamente teria denunciado um colega às forças de segurança.
Discursando no enterro da poeta, Rusinek lembrou que, numa visão negativa da eternidade, ela se imaginava no inferno, dando autógrafos para uma fila de pessoas que nunca termina. Instado a dar uma visão positiva, Rusinek disse imaginá-la de olhos semicerrados ouvindo Ella Fitzgerald -sua cantora favorita, para quem escreveu o poema "Ella no Céu"-, tomando café e fumando.

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