ZERO HORA - 27/01/2013
Uma
amiga possui um casamento duradouro, filhos ótimos, uma penca de
parentes ao redor, um trabalho satisfatório, o melhor dos mundos.
Reconhece que tem uma vida bacana, mas volta e meia diz, brincando: Se
eu escrevesse minha biografia, não daria mais do que três páginas. Ela
sente falta de imprevistos, novidades, abalos. Se duvidar, sente falta
até de sofrimentos.
Analisando sob esse prisma, a recém lançada
biografia de Diane Keaton não deverá se tornar um best seller, já que
não há fartura de romances clandestinos, envolvimento com drogas,
traumas e psicopatias. Ao contrário: o que prevalece é sua declaração de
amor à família. É isso que torna o livro tão especial, humano e
diferente de outras histórias de celebridades.
Diane Keaton
certamente não é uma mulher como as outras. Namorou Woody Allen, Warren
Beatty e Al Pacino e ganhou um Oscar por sua atuação em Annie Hall.
Essas experiências seriam suficientes para deixar qualquer leitor
salivando diante da oportunidade de ouvir os detalhes a respeito. Ela
até comenta sobre isso tudo, e sobre o início da carreira, seus ídolos,
seu jeito peculiar de se vestir, mas são pinceladas sem profundidade,
que ficam em terceiro plano diante do que realmente importa e comove no
livro: sua relação com a mãe.
Diane transforma a desconhecida
Dorothy Keaton Hall em coautora de sua biografia. Publica trechos dos
seus diários, narra os anos em que esta enfrentou o mal de Alzheimer, as
particularidades do casamento dela com seu pai e como foi a criação dos
quatro filhos do casal – Diane e seus três irmãos. Talvez o leitor se
pergunte: mas o que me interessa essa tal de Dorothy?
Sem Dorothy, não haveria o que veio depois.
Claro
que é um privilégio ter acesso aos bilhetes escritos por Woody Allen e
aos bastidores da filmagem de O Poderoso Chefão, pra citar outro filme
da extensa carreira da atriz, mas não é um livro de fofocas, e sim o
retrato de uma vida que, apesar do entorno glamouroso, nunca deixou de
ser prosaica. Não exalta os tapetes vermelhos, os namorados famosos ou
ter o nome piscando na fachada de um cinema, e sim os laços afetivos. É
de uma singeleza inesperada.
Diane Keaton, apostando no que lhe é
íntimo, inverteu o que se espera de uma biografia. Através de um relato
nada modorrento, e sim ágil, divertido e tocante, colocou sob os
holofotes aquilo que passou de comum a incomum: a valorização da nossa
formação dentro de casa, a influência do afeto na construção de um
futuro, a beleza dos pequenos episódios que acontecem diante dos olhos
da família, nossa primeira plateia.
Numa época em que todos
andam viciados em existir publicamente, transformando suas vidinhas
triviais num reality show, uma estrela de Hollywood vem recolocar as
coisas em seus devidos lugares: o superficial pra lá, o essencial pra
cá.
Claro que uma hipotética biografia daquela minha amiga do
início do texto nunca atrairia a atenção de ninguém, ao contrário da de
Diane Keaton, mas o que ela teria para contar – e o que todos teriam
para contar, se o mundo estivesse a fim de ouvir - é que ter uma vida
interessante depende apenas do olhar amoroso que lançamos sobre nossa
própria história.
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