Luciane Evans
Estado de Minas: 27/01/2013
Municípios reféns de medicações para curar angústia e ansiedade de sua população. Brasileiros gastando R$ 1,8 bilhão na compra de medicamentos para remediar a depressão e alterações de humor. As pílulas, que prometem tranquilidade e felicidade rápida, podem mascarar ou ocasionar, de acordo com especialistas, males mais perigosos, como a depressão e outros transtornos mentais. O cenário levanta a questão: o que tem ocorrido com o povo alegre do Brasil, que não consegue dormir sem um medicamento e se sente cada dia mais sozinho?
Durante muitos anos, ter qualidade de vida estava atrelado a sair dos grandes centros urbanos e se mudar para os municípios menores, onde se acreditava estar livre do estresse das capitais. Porém, na última semana, o Estado de Minas mostrou que a ansiedade, a tristeza e a angústia passaram a ser sintomas também da população do interior de Minas, onde o remédio tarja preta mais vendido no país, o clonazepam, princípio ativo do Rivotril, tem consumo alto e é usado, principalmente, para os quadros de depressão. A medicação se tornou tão comum que só em 2008 os brasileiros compraram 14 milhões de caixas do medicamento. Em Minas, em 2012, foram 76 milhões de unidades do comprimido consumidas pela rede pública, uma média de quatro pílulas para cada habitante.
O EM conheceu de perto a realidade dos moradores da cidade de Piedade dos Gerais, com 4 mil habitantes, e Bonfim, com 6 mil, ambas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Pacatos, os lugarejos são daqueles que todos conhecem o outro pelo nome das famílias e a partir das nove da noite não se encontra mais ninguém na rua. Mas os dois municípios lideram o ranking do uso de clonazepam. O levantamento, feito pelo Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais e divulgado na sexta-feira pelo EM, apontou a explosão do remédio em 10 cidades mineiras, que juntas consumiram 15 milhões de pílulas da droga no ano passado.
“Desde que tive uma decepção amorosa, não durmo direito. Fiquei com uma ansiedade e uma angústia muito grandes, além do mais, não temos muito o que fazer em Bonfim, nos falta lazer”, comenta a moradora da cidade Luciana Vieira da Cunha, que desde 2007 toma o remédio e diz se sentir melhor com ele. “Morar no interior é bom, mas tem dias que não temos muito o que fazer, aí bate aquela ansiedade e vem a insônia”, revela Graça Francisco de Jesus Vicente, dependente da medicação há sete anos em Piedade dos Gerais.
DOENÇAS MENTAIS Os sintomas dessas populações, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, podem retratar um problema de todo o povo brasileiro. “Existe, sim, um alto índice de doenças mentais. Uma em cada cinco pessoas sofre de um algum transtorno da mente”, diz, acrescentando que a angústia e a ansiedade estão relacionadas ao meio em que se vive e a vida que se leva. “Nas cidades do interior não temos o trânsito, mas, em contrapartida, se bebe mais, todos os dias. Tem a ociosidade, as pessoas não praticam atividade física diariamente e nem sempre as pessoas se alimentam adequadamente”, afirma. O médico diz ainda que, “ao mesmo tempo que esses sentimentos podem atingir alguém no sertão, há quem tenha qualidade de vida em São Paulo”, a maior cidade da América do Sul, repleta de problemas como violência, barulho, trânsito em excesso, solidão e disparidades sociais.
A perda da coletividade, de acordo com o coordenador do Centro de Estudos do Medicamento da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Edson Perini, é um dos motivos para se ter uma vida mais solitária na atualidade. “Sou do tempo em que as pessoas conversavam nas praças, conheciam seus vizinhos. Hoje não há mais isso. No interior, as pessoas preferem ficar em casa assistindo a televisão, na capital elas também se fecham”, compara, criticando meios de comunicação de massa que vendem valores à essa sociedade. “Com as redes sociais, a informação em tempo veloz, as pessoas estão comprando valores. E se perdendo. Elas querem soluções rápidas e acabam usando medicações para aliviarem suas angústias, como se fossem poções mágicas.”
Para o professor de filosofia e psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) Robson Figueiredo Brito, uma das causas para os sintomas – angústia, vazio, sensação de solidão – que atinge desde um trabalhador rural até um empresário paulista é a dificuldade de lidar com as perdas. “É um desafio para o ser humano ter que abrir mão dos ganhos. A gente vai perdendo, e a nossa sociedade não está preparada para isso. O mundo de hoje incentiva a pessoa a ter sucesso, ser feliz e nunca perder”, comenta. Segundo ele, às vezes é mais fácil usar uma pílula da felicidade e tranquilidade instantânea a lidar com a dor, com a frustação amorosa e outros fatores. “Essa obrigação de ser feliz está tanto na capital como no interior, as pessoas passaram a não tolerar quem não esteja alegre”, diz.
CONSEQUÊNCIA Sentimentos de angústia, tristeza e ansiedade, de acordo com especialistas, são comuns no ser humano, principalmente no mundo contemporâneo. No entanto, se prolongadas por muito tempo e não tratadas, podem evoluir para quadros graves, como a depressão, o transtorno de ansiedade e outras doenças mentais. “São sintomas do ser humano, mas a pessoa tem de estar alerta a eles”, avisa o psiquiatra Fernando Portela, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Durante muitos anos, ter qualidade de vida estava atrelado a sair dos grandes centros urbanos e se mudar para os municípios menores, onde se acreditava estar livre do estresse das capitais. Porém, na última semana, o Estado de Minas mostrou que a ansiedade, a tristeza e a angústia passaram a ser sintomas também da população do interior de Minas, onde o remédio tarja preta mais vendido no país, o clonazepam, princípio ativo do Rivotril, tem consumo alto e é usado, principalmente, para os quadros de depressão. A medicação se tornou tão comum que só em 2008 os brasileiros compraram 14 milhões de caixas do medicamento. Em Minas, em 2012, foram 76 milhões de unidades do comprimido consumidas pela rede pública, uma média de quatro pílulas para cada habitante.
O EM conheceu de perto a realidade dos moradores da cidade de Piedade dos Gerais, com 4 mil habitantes, e Bonfim, com 6 mil, ambas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Pacatos, os lugarejos são daqueles que todos conhecem o outro pelo nome das famílias e a partir das nove da noite não se encontra mais ninguém na rua. Mas os dois municípios lideram o ranking do uso de clonazepam. O levantamento, feito pelo Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais e divulgado na sexta-feira pelo EM, apontou a explosão do remédio em 10 cidades mineiras, que juntas consumiram 15 milhões de pílulas da droga no ano passado.
“Desde que tive uma decepção amorosa, não durmo direito. Fiquei com uma ansiedade e uma angústia muito grandes, além do mais, não temos muito o que fazer em Bonfim, nos falta lazer”, comenta a moradora da cidade Luciana Vieira da Cunha, que desde 2007 toma o remédio e diz se sentir melhor com ele. “Morar no interior é bom, mas tem dias que não temos muito o que fazer, aí bate aquela ansiedade e vem a insônia”, revela Graça Francisco de Jesus Vicente, dependente da medicação há sete anos em Piedade dos Gerais.
DOENÇAS MENTAIS Os sintomas dessas populações, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, podem retratar um problema de todo o povo brasileiro. “Existe, sim, um alto índice de doenças mentais. Uma em cada cinco pessoas sofre de um algum transtorno da mente”, diz, acrescentando que a angústia e a ansiedade estão relacionadas ao meio em que se vive e a vida que se leva. “Nas cidades do interior não temos o trânsito, mas, em contrapartida, se bebe mais, todos os dias. Tem a ociosidade, as pessoas não praticam atividade física diariamente e nem sempre as pessoas se alimentam adequadamente”, afirma. O médico diz ainda que, “ao mesmo tempo que esses sentimentos podem atingir alguém no sertão, há quem tenha qualidade de vida em São Paulo”, a maior cidade da América do Sul, repleta de problemas como violência, barulho, trânsito em excesso, solidão e disparidades sociais.
A perda da coletividade, de acordo com o coordenador do Centro de Estudos do Medicamento da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Edson Perini, é um dos motivos para se ter uma vida mais solitária na atualidade. “Sou do tempo em que as pessoas conversavam nas praças, conheciam seus vizinhos. Hoje não há mais isso. No interior, as pessoas preferem ficar em casa assistindo a televisão, na capital elas também se fecham”, compara, criticando meios de comunicação de massa que vendem valores à essa sociedade. “Com as redes sociais, a informação em tempo veloz, as pessoas estão comprando valores. E se perdendo. Elas querem soluções rápidas e acabam usando medicações para aliviarem suas angústias, como se fossem poções mágicas.”
Para o professor de filosofia e psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) Robson Figueiredo Brito, uma das causas para os sintomas – angústia, vazio, sensação de solidão – que atinge desde um trabalhador rural até um empresário paulista é a dificuldade de lidar com as perdas. “É um desafio para o ser humano ter que abrir mão dos ganhos. A gente vai perdendo, e a nossa sociedade não está preparada para isso. O mundo de hoje incentiva a pessoa a ter sucesso, ser feliz e nunca perder”, comenta. Segundo ele, às vezes é mais fácil usar uma pílula da felicidade e tranquilidade instantânea a lidar com a dor, com a frustação amorosa e outros fatores. “Essa obrigação de ser feliz está tanto na capital como no interior, as pessoas passaram a não tolerar quem não esteja alegre”, diz.
CONSEQUÊNCIA Sentimentos de angústia, tristeza e ansiedade, de acordo com especialistas, são comuns no ser humano, principalmente no mundo contemporâneo. No entanto, se prolongadas por muito tempo e não tratadas, podem evoluir para quadros graves, como a depressão, o transtorno de ansiedade e outras doenças mentais. “São sintomas do ser humano, mas a pessoa tem de estar alerta a eles”, avisa o psiquiatra Fernando Portela, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário