Aperte o cinto, os modelos sumiram
A persistência da crise e a falta de propostas alternativas criam um vazio político incômodo a muitos
Está absolutamente sozinho, sem guarda-costas, sem aspones, sem jornalistas a aporrinhá-lo. A solidão de Blair talvez seja uma metáfora para o espírito de Davos-2013: os modelos ou sumiram ou perderam o brilho.
Blair foi o executor de uma Terceira Via, apontada como modelo intermediário entre o liberalismo puro e duro e as tendências estatizantes da social-democracia convencional.
De encontros da Terceira Via participaram Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Hoje, tanto como Blair, a Terceira Via é uma via morta. Nem há uma segunda nem uma quarta. Mesmo a primeira e única via -o capitalismo, hegemônico no planeta há 20 anos- já não exibe o triunfalismo dos anos pré-crise de 2008.
Um editorial do "Guardian" alusivo a Davos-2013 chega a classificar o encontro como "o clube dos fracassados". Mas faz questão de dizer que não se deve confundir "fracassados" com "perdedores".
Os executivos de Davos surfam comodamente na crise global: "Como demonstra o economista Emmanuel Saez, de Berkeley, o 1% mais rico dos americanos viu sua renda crescer 11,6% em 2010, enquanto a dos restantes 99% subiu apenas 0,2%", diz o jornal.
O problema é que exibir opulência se tornou incômodo, diante da crise. O próprio Fórum na pesquisa sobre Riscos Globais, lançada às vésperas do encontro-2013, coloca "a severa disparidade de renda" como um dois maiores riscos planetários, ao lado da "insustentável dívida pública".
Desigualdade era tema da esquerda, não dos executivos (a não ser da boca para fora).
Ocorre que, se a esquerda não conseguiu até agora sair dos escombros do Muro de Berlim, a direita ainda não sacudiu a poeira do Lehman Brothers, o banco cuja quebra, em 2008, foi a detonadora da maior crise do capitalismo, desde o colapso de 1929.
É um insulto ao capitalismo, por exemplo, que um de seus maiores símbolos, o automóvel, esteja conhecendo retrocessos históricos mesmo em países que o cultivam com lascívia, como a Itália: no ano passado, foram licenciados apenas 1,4 milhão de unidades, nível igual ao de 1979, quando o Muro de Berlim ainda estava inteiro.
Nem é o caso de repetir os dados avassaladores sobre desemprego, especialmente dos jovens.
Tampouco é o caso de tomar a China como modelo alternativo. Capitalismo de partido único, com forte intervenção estatal, pode até funcionar durante um certo tempo, maior ou menor conforme as circunstâncias.
Mas se há algo que se firmou no planeta nos últimos 20 anos, pouco mais ou menos, foi o apego às liberdades públicas.
Até o governante de um país que não tem bom histórico nessa matéria, o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev, diz que, "com a internet em toda parte, não se pode silenciar nenhuma notícia".
Só falta agora romper o silêncio sobre vias alternativas, se é que são necessárias.
FÓRUM DE DAVOS
Protecionismo atrapalha Brasil na OMC
Candidatura de Roberto Azevêdo à chefia do órgão é prejudicada pela estratégia de Brasília de defesa comercial
Itamaraty aposta no bom desempenho do embaixador na fase 'miss simpatia' do processo de seleção
Por definição, a OMC é uma entidade voltada para a liberalização do comércio, o que tornaria incompatível a presença, em seu comando, de um representante de país protecionista.
A defesa que a diplomacia brasileira prepara para combater esse argumento é simples: o DG (como o diretor-geral é tratado) não defende a posição de um determinado país, mas do conjunto de membros.
O protecionismo, se de fato existe (o que o governo brasileiro nega sempre), será defendido pelo embaixador do país junto à OMC -ou seja, pelo substituto de Azevêdo-, se ele for eleito.
As chances de vitória são impossíveis de aferir neste momento, mas o candidato brasileiro tem um trunfo inequívoco: "Se a eleição fosse um concurso de popularidade em Genebra [sede da OMC], Azevêdo já estaria eleito", ouviu a Folha na cúpula da instituição.
O embaixador é visto como sério, bem preparado e de trato afável, qualidades que permitem prever um bom desempenho na primeira fase do processo seletivo, a realizar-se de 29 a 31 deste mês.
"MISS SIMPATIA"
É o que se chama internamente de "concurso de Miss Simpatia", em que os nove candidatos são ouvidos pelo Conselho Geral, a instância que gerencia a OMC.
Como o nome indica, é uma fase em que a personalidade dos candidatos pesa mais do que propostas e planos que só serão delineados ao longo do processo.
A partir de 1º de abril, é que começam as consultas para selecionar quem permanece na disputa e quem é paulatinamente eliminado.
O Brasil conta com o apoio dos demais BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), mas será um apoio discreto, não verbalizado.
Se Azevêdo se apresentasse como candidato dos BRICS, provocaria imediata rejeição de, pelo menos, Estados Unidos e União Europeia, dois dos chamados "big five" -países que têm maior peso na OMC (além de EUA e UE, são o próprio Brasil, China e Índia).
Qualquer um que vete um candidato derruba-o no ato.
TOUR
Depois do "concurso de simpatia", vem a campanha eleitoral propriamente dita.
O Itamaraty preparou para Azevêdo um roteiro de visitas às capitais de um punhado de países, para que ele possa ganhar popularidade também fora de Genebra.
Na verdade, é nas capitais, e não em Genebra, que se decide o voto de cada país.
O objetivo brasileiro é caitituar pelo menos o segundo voto de cada país. O usual é que um país africano, por exemplo, indique, como primeira preferência, o candidato da própria região.
Mas indica também uma segunda e até terceira preferências, quando começar, em abril, o processo seletivo.
Os candidatos com menos preferências (ou mais vetos) vão caindo até que sobrem dois ou três nomes para a decisão final, até 31 de maio.
Na eleição anterior, o candidato brasileiro, o embaixador Seixas Corrêa, caiu na primeira fase.
Mas o Itamaraty acredita que Azevêdo tem muito mais possibilidades, o que se começará a testar esta semana.
Em Davos, líderes colocam ênfase no crescimento
DO ENVIADO A DAVOSO panorama econômico global traçado no encerramento do Fórum de Davos-2013 remete a uma célebre frase do presidente Emílio Médici, nos anos 70.Depois de visitar o Nordeste sufocado pela seca, numa época de crescimento, ele disparou: "O país vai bem,o povo vai mal".
Frase parecida foi usada por Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional, que a ouvira de Guy Rider, seu colega da Organização Internacional do Trabalho: "A situação econômica melhorou, mas as pessoas só perceberão dentro de uns sete anos".
O crescimento é tão necessário e tão pouco presente que até Lagarde, chefe de uma instituição-guardiã da ortodoxia, pediu moderação com a austeridade.
Aliás, o encontro-2013 parece marcar um ponto de inflexão: a ênfase na austeridade, até agora forte, está sendo equilibrada pelo apelo ao crescimento.
O governo do Japão acaba de anunciar uma nova política, com ênfase no crescimento, batizada em Davos de "Abenomics" (de Shinzo Abe, novo premiê).
Já Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE, cobrou atenção a agendas postas de lado nos cinco anos em que o mundo se concentrou em enfrentar a crise.
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