Estado de Minas: 06/01/2013
Quem cravou essa expressão – (des)acordo ortográfico – foi o conhecido professor Pasquale Cipro Neto. E agora a presidente Dilma resolveu adiar para 2016 a oficialização da nova ortografia. Segundo Cipro Neto, o “(des)acordo ortográfico é um verdadeiro horror”. Penso que o acordo acertou numas coisas, errou em outras e conseguiu estabelecer confusões várias.
Acho bom acabar com o trema. Acho realista botar no alfabeto as letras k, w, y. Primeiro porque tais letras não são mais estrangeiras. Segundo porque grande parte da população inventou nomes exóticos para os filhos com y, w e k, como se estivessem recuperando o tupi-guarani por meio do inglês. Mas é um equívoco não diferenciar o verbo “pára” da preposição “para”. Faz falta. E não faz sentido ter que escrever “antirreligioso” sem hífen, com os dois erres, e botar hífen em “hiper-requintado”.
Mas, além dessas minúcias, as falácias do acordo estão nos seus pressupostos. Vejamos:
1) “Melhorar o intercâmbio cultural entre os países em que se fala o português.”
Isto é falso. O intercâmbio cultural entre o Brasil e outros seis países de língua portuguesa existirá não por causa da presença/ausência de um trema, um hífen ou acento diferencial. O intercâmbio cultural só existirá se o Ministério da Cultura e o Itamaraty tiverem uma política cultural. Não têm. Vivem de expedientes e improvisações. Testemunhei isto de perto durante os seis anos em que dirigi a Fundação Biblioteca Nacional. Não há projetos, nem coordenação. Com todas as dificuldades, o pequenino Portugal faz mais pela divulgação de sua cultura do que nosso gigante adormecido.
2) “Reduzir o custo econômico da produção e tradução de livros.”
Outra falácia. As editoras gastaram fortunas reeditando livros na nova ortografia. As dificuldades linguísticas não acabam tirando ou botando acentos. As principais dificuldades da língua são naturais e não têm solução. São regionalidades inevitáveis. Cada língua cria seu vocabulário, sua semântica e até variações sintáticas. Se esse quesito fosse verdadeiro, Guimarães Rosa jamais seria lido em Portugal e na África.
3) “Facilitar a difusão bibliográfica e das novas tecnologias.”
Isto é uma abstração. Primeiro porque os acentos e hifens nunca atrapalharam o entendimento em português. Em segundo lugar, assim como o latim era a língua em que até recentemente os filósofos e cientistas se comunicavam, hoje o inglês é esse esperanto universal. Onde há pesquisa avançada criam-se termos, por isso a grande maioria das palavras importantes em tecnologia são em inglês. Nem o francês nem o alemão podem concorrer com o inglês neste campo.
4) “Aproximar as nações de língua portuguesa.”
Outro equívoco. Não é a ausência do hífen, do acento diferencial e do trema que vai nos redimir culturalmente. O que separa o Brasil dos demais países de língua portuguesa é a incúria brasileira. Nossas novelas de televisão, a música popular e a literatura que chegam a Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Portugal, e não representam nem 10% do que se pode fazer ordenadamente. Aliás, os industriais, os exportadores, os comerciantes brasileiros que se instalaram na África e na Ásia teriam muito que ensinar aos intelectuais. Tais empresários nem sabem o que é hífen e tremem ao usar o trema, no entanto…
Enfim, estou apenas insinuando coisas que venho repetindo há décadas. Dei fartos exemplos no livro Ler o mundo (Editora Global). Participei de insanas reuniões em Brasília e no exterior. E há pouco tempo fiz, no Itamaraty, a convite do embaixador Jerônimo Moscardo, duas conferências para embaixadores latino-americanos e africanos. A primeira chamava-se “Brasil e América Latina: uma plaza mayor”; e a segunda: “Brasil e África: fraturas geológicas e aproximações culturais”.
O assunto é vasto. Precisamos mais de vontade política do que de vontade linguística.
Acho bom acabar com o trema. Acho realista botar no alfabeto as letras k, w, y. Primeiro porque tais letras não são mais estrangeiras. Segundo porque grande parte da população inventou nomes exóticos para os filhos com y, w e k, como se estivessem recuperando o tupi-guarani por meio do inglês. Mas é um equívoco não diferenciar o verbo “pára” da preposição “para”. Faz falta. E não faz sentido ter que escrever “antirreligioso” sem hífen, com os dois erres, e botar hífen em “hiper-requintado”.
Mas, além dessas minúcias, as falácias do acordo estão nos seus pressupostos. Vejamos:
1) “Melhorar o intercâmbio cultural entre os países em que se fala o português.”
Isto é falso. O intercâmbio cultural entre o Brasil e outros seis países de língua portuguesa existirá não por causa da presença/ausência de um trema, um hífen ou acento diferencial. O intercâmbio cultural só existirá se o Ministério da Cultura e o Itamaraty tiverem uma política cultural. Não têm. Vivem de expedientes e improvisações. Testemunhei isto de perto durante os seis anos em que dirigi a Fundação Biblioteca Nacional. Não há projetos, nem coordenação. Com todas as dificuldades, o pequenino Portugal faz mais pela divulgação de sua cultura do que nosso gigante adormecido.
2) “Reduzir o custo econômico da produção e tradução de livros.”
Outra falácia. As editoras gastaram fortunas reeditando livros na nova ortografia. As dificuldades linguísticas não acabam tirando ou botando acentos. As principais dificuldades da língua são naturais e não têm solução. São regionalidades inevitáveis. Cada língua cria seu vocabulário, sua semântica e até variações sintáticas. Se esse quesito fosse verdadeiro, Guimarães Rosa jamais seria lido em Portugal e na África.
3) “Facilitar a difusão bibliográfica e das novas tecnologias.”
Isto é uma abstração. Primeiro porque os acentos e hifens nunca atrapalharam o entendimento em português. Em segundo lugar, assim como o latim era a língua em que até recentemente os filósofos e cientistas se comunicavam, hoje o inglês é esse esperanto universal. Onde há pesquisa avançada criam-se termos, por isso a grande maioria das palavras importantes em tecnologia são em inglês. Nem o francês nem o alemão podem concorrer com o inglês neste campo.
4) “Aproximar as nações de língua portuguesa.”
Outro equívoco. Não é a ausência do hífen, do acento diferencial e do trema que vai nos redimir culturalmente. O que separa o Brasil dos demais países de língua portuguesa é a incúria brasileira. Nossas novelas de televisão, a música popular e a literatura que chegam a Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Portugal, e não representam nem 10% do que se pode fazer ordenadamente. Aliás, os industriais, os exportadores, os comerciantes brasileiros que se instalaram na África e na Ásia teriam muito que ensinar aos intelectuais. Tais empresários nem sabem o que é hífen e tremem ao usar o trema, no entanto…
Enfim, estou apenas insinuando coisas que venho repetindo há décadas. Dei fartos exemplos no livro Ler o mundo (Editora Global). Participei de insanas reuniões em Brasília e no exterior. E há pouco tempo fiz, no Itamaraty, a convite do embaixador Jerônimo Moscardo, duas conferências para embaixadores latino-americanos e africanos. A primeira chamava-se “Brasil e América Latina: uma plaza mayor”; e a segunda: “Brasil e África: fraturas geológicas e aproximações culturais”.
O assunto é vasto. Precisamos mais de vontade política do que de vontade linguística.
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