domingo, 6 de janeiro de 2013

Brasil brasileiro ( Ary Barroso ) - Ailton Magioli‏

Diogo Vilela estreia dia 18, no Rio de Janeiro, espetáculo musical de sua autoria, dedicado ao mineiro Ary Barroso, com participação de Tânia Alves, Mariana Baltar e Marcos Sacramento 

Ailton Magioli
Estado de Minas: 06/01/2013 
Além da caracterização física, Diogo Vilela se preocupou em trabalhar a voz do compositor e radialista
Nos últimos dois anos, o carioca Diogo Vilela, de 55 anos, passou grande parte do tempo estudando a voz do compositor, locutor e radialista mineiro Ary Barroso (1903-1964), que vai interpretar no teatro. “Ele tinha uma voz anasalada, articulada, de um tempo que não existe mais”, justifica o ator, que estreia Ary Barroso – Do princípio ao fim dia 18, no Teatro Carlos Gomes, do Rio de Janeiro.

Para Diogo Vilela, Ary, uma pessoa polêmica, de notória personalidade, tem tudo para conquistar o público do teatro. “Quem tem idade acima de 45 anos vai receber o espetáculo bem. Já os mais novos terão a oportunidade de aprender muito sobre a MPB”, aposta ele. “Teatro é voz”, defende Diogo, que começou a construir o personagem a partir daquele que um dia se tornaria conhecido como a “voz do gol”, na narração do futebol, ao lado da de Mário Filho. Posteriormente, ele incorporou ao personagem detalhes como o uso dos óculos de lentes grossas. 

Além da ajuda de familiares, que doaram filmes e gravações do compositor, Diogo contou com a participação indispensável da fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller. Velha conhecida do autor de Aquarela do Brasil, ela acabou chamando a atenção de Diogo para o humor ferino que Ary Barroso transmitia na própria voz. Autor, diretor e intérprete daquela que classifica como “peça musicada”, Diogo Vilela teve ideia de homenagear Ary Barroso quando fazia o musical A gaiola das loucas, sob a direção do amigo Miguel Falabella. 

“Ficava pensando em fazer algo no teatro sobre a nossa música”, recorda o ator, que, depois de pesquisar a vida do compositor, a partir do livro de entrevistas Recordações de Ary Barroso, de Mário de Moraes, resolveu escrever o espetáculo com o qual pretende excursionar país afora. Em Ary Barroso – Do princípio ao fim, Diogo Vilela passa grande parte do espetáculo deitado em uma cama, na qual, à beira da morte, delírio e realidade se entrelaçam para trazer à cena a vida do autor de vários clássicos da MPB. 

O espetáculo, que é o primeiro escrito pelo ator, fala dos últimos dias de vida de Ary Barroso, que, sob atenção da mulher, Ione, é homenageado pelo Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, da qual foi tema do desfile do carnaval de 1964. Enquanto o samba Aquarela brasileira é cantado na avenida, o compositor vai recordando detalhes da vida e da criação de seus grandes sucessos. A realidade vem à cena por intermédio da mulher de Ary, que será interpretada pela atriz Tânia Alves, em participação especial. Atores e cantores completam o elenco, formado por Ana Baird, Alan Rocha, Esdras De Lucia, Mariana Baltar, Reynaldo Machado e Marcos Sacramento.

 A banda, que interpretará as canções ao vivo, é formada por Josimar Carneiro (violão, guitarra e direção musical), Henrique Band (saxofones e flauta), Antônio Guerra (piano e acordeom), Marcelo Müller (contrabaixo) e André Boxexa (bateria e percussão). Sob a supervisão artística do diretor Amir Haddad, o espetáculo terá iluminação de Jorginho Carvalho, cenário de Beli Araújo e figurinos de Pedro Sayad. Para fazer uma ligação entre o delírio e a realidade presentes na encenação, Diogo compôs especialmente para o espetáculo, todo escrito em versos, o samba de breque Quantas vezes já morri (leia a letra na página 6).

Vida e morte “Precisei construir algo para as pessoas entenderem o medo que ele tinha da morte. Não havia no repertório de Ary uma música sequer que falava da premonição da própria morte do compositor, que teve nove comas”, revela Diogo Vilela. A data da morte de Ary marcava, ainda, o aniversário de Carmen Miranda (1909-1955), que se tornaria uma das maiores intérpretes da música do compositor. 

Personagens como a própria Carmen, além de Linda Batista, Lamartine Babo, Aracy Cortes, Alda Garrido e tantos outros que tiveram o privilégio de conviver com Ary, virão à cena no espetáculo, que vai compor um verdadeiro painel da vida artística brasileira das décadas de 1930-40. Afinal, o compositor, que nasceu em Ubá, na Zona da Mata mineira, seria responsável por fixar o conceito de Brasil brasileiro. Cerca de 20 das mais de 400 canções que ele compôs serão interpretadas ao vivo no espetáculo.

ARY BARROSO – DO PRINCÍPIO AO FIM
Estreia dia 18, no Teatro Carlos Gomes, Praça Tiradentes, s/nº, Centro, Rio de Janeiro. Classificação etária: 12 anos. Ingressos: de R$ 10 a R$ 60. Até 31 de março.

Um Ary Barroso engraçado, desaforado, mal-humorado e até mal-educado. Em síntese, este é o personagem que o público vai encontrar no palco, segundo o supervisor Amir Haddad. Mineiro como o compositor, o diretor radicado no Rio diz que, apesar de profundamente ligado à Ubá natal, Ary foi um narrador de futebol capaz de revelar uma brasilidade enorme dentro dele, além de ter-se tornado conhecido como um exigente apresentador de programa de calouros no rádio.

“As músicas de Ary não são mais dele. São da partitura do imaginário nacional”, empolga-se Amir, lembrando que o compositor tem aquela “saudade e melancolia” tão características dos mineiros, que normalmente cantam muito bem. Tratava-se, ainda de acordo com o supervisor do espetáculo, de um caboclo sem papas na língua, que se destacava desde a música à narração de futebol, passando pelo programa de calouros que apresentava na Rádio Nacional. 

Acusado de nacionalista, diante das letras cívicas de algumas de suas músicas, o compositor, de acordo com Amir, fala do Brasil de forma restauradora da autoestima. O que teria contribuído para as suspeitas da simpatia dele ao regime nazista, depois de compor sambas-exaltação em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas. “Villa-Lobos recriminava as letras cívicas de Ary, que, na verdade, refletiam o seu amor pelo país”, defende Amir Haddad. De acordo com ele, apesar de Diogo Vilela ainda estar em processo de composição do personagem, o ator está cada vez melhor na pele de Ary Barroso.

 “Além da angústia e do desespero característicos do meio, Diogo é uma pessoa visceralmente do teatro. Poucos são assim como ele. Daí o fato de representar sem medo de ser ator”, afirma Amir Haddad, que destaca ainda a coragem que o ator tem para dirigir e produzir teatro. “O dinheiro que o Diogo ganha ele investe todo no teatro. Ele leva e divulga o Brasil na arte dele. Isto é muito valioso em momento que o teatro é ameaçado pela virtualidade”, conclui o supervisor.


• Quantas vezes já morri

De Josimar Carneiro e Diogo Vilela

Ary – Eterno? Só hoje? (Breque)
Então não sabem? 
Não ouviram por aí, o que falam da pessoa do seu convidado?
Que estive em coma, quantas vezes já morri
De tísica, acamado, alcoolizado
E que já estive pra morrer, desde o ano passado!
Moreno/Sambistas – De quê?
Ary (falando) – Eu sei lá! Morte morrida, de velhice, acidentado!
Moreno (falando) – Que é isso, Ary, Sua importância é maior que um boato
Sambista 3 – E, com certeza, nós
Vamos abafar o fato
Ary (voltando ao breque)
De manhã cedo
Quando acordo, ligo o rádio
Ouvindo minhas canções
Como já estava acostumado
Escuto o locutor
Blefando
Me jogando pra escanteio
Me deixando apavorado!
(no breque)
Moreno/sambistas – Anunciando para o Rio de Janeiro
Que já tinham publicado!
Moreno – Que o Ary tinha morrido
E que passou pro outro lado
Ary (cantando)
E eu nessa agonia
Se mudasse de estação!
Outro locutor também dizia
Que era pneumonia, que eu estava com febrão!
(sambistas cantando)
Sambista 1 
– E que mui doente tu jazias
Não entravas fevereiro
Sambista 2 – Que até março tu não ias!
Nem durava o mês inteiro!
Sambista 3 – Ah! Mas isso não, não!
(todos) – Mas isso não! 


Família quer preservar acervo 

Na Justiça para tentar reaver parte da obra do avô, administrada pelas editoras Irmãos Vitale e Mangione, o neto Márcio Barroso, de 53 anos, diz que a família está feliz com a iniciativa de Diogo Vilela em levar a vida de seu avô para os palcos. “Diogo é um grande e respeitado ator”, elogia. Como esclarece o neto, os Barrosos também acabaram de autorizar uma produtora de São Paulo a lançar um box de 20 discos de gravações originais de obras de Ary, que foram remasterizadas. 

Paralelamente, Márcio, que criou a editora Aquarela do Brasil para administrar as músicas de Ary (são cerca de 450), diz que a mãe dele, Mariusa Barroso, tem dois livros prontos para serem lançados – um biográfico, sobre a relação dela com o pai; e outro de resenhas do próprio compositor – aguardando apenas o interesse das editoras em publicá-los. Já o acervo pessoal de Ary Barroso, segundo o neto, continua sob a guarda da própria família, na expectativa de ser levado para a sede do novo Museu da Imagem e do Som (MIS), ainda a ser inaugurada em Copacabana, no Rio de Janeiro. 

Em Ubá, ainda de acordo com Márcio Barroso, há projeto de construção de um Memorial Ary Barroso, que, no entanto, ainda não saiu do papel. Troféus, diplomas de honra ao mérito, caricaturas e uma série de objetos pessoais, como o primeiro piano, compõem o acervo do compositor. O neto também não esconde o desejo de realização de um documentário sobre Ary Barroso, que além de compositor foi radialista e locutor esportivo. 

Polêmico, Ary Barroso chegou a ser vereador pela União Democrática Nacional (UDN), tendo recebido, em 1946, a segunda maior votação do Rio de Janeiro, então capital da República, ficando atrás apenas de Carlos Lacerda. O vereador mostrou visão ao propor, ainda em 1949, a criação da coleta seletiva de lixo no Rio de Janeiro, e foi autor de manobras que foram decisivas na escolha do Maracanã como região para abrigar a construção do novo estádio de futebol da capital federal.


Um caboclo polêmico 
Para Amir Haddad, supervisor de Ary Barroso - Do princípio ao fim, obra do compositor ajudou a restaurar a autoestima do brasileiro. Memorial em Ubá ainda não saiu do papel 


Ailton Magioli
Ary Barroso compôs mais de 400 canções para vários intérpretes. Cerca de 20 fazem parte do espetáculo de Diogo Vilela

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