Não basta parecer novo
O novo não é uma criação a partir de nada, mas uma manifestação inusitada que surge do trabalho do artista
Só que o novo não precisa ser um paletó de três mangas, que nunca ninguém se deu ao trabalho de fazer pelo simples fato de que as pessoas têm apenas dois braços. O novo, autenticamente novo, não é uma criação a partir de nada, mas, sim, uma manifestação inusitada que surge do trabalho do artista, do processo expressivo em que está mergulhado. Esse processo não tem a lógica comum ao trabalho habitual, já que o trabalho criador é, essencialmente, a busca do espanto. Falo das artes plásticas, uma vez que, na poesia, se dá o contrário, o espanto está no começo: é o novo inesperado que faz nascer o poema.
Sem dúvida, a história da arte mostra que houve momentos em que a necessidade do novo -o esgotamento do atual- levou a um salto qualitativo que determinou uma ruptura com a tendência em voga. Exemplo disso foi quando Claude Monet pintou a célebre tela "Impression, Soleil Levant", que determinou o surgimento do impressionismo.
Este foi um caso especial, já que para ele concorreram fatores diversos, que vão desde a implantação das estradas de ferro, que facilitaram a ida das pessoas ao campo, até a nova teoria das cores, que as explicava como resultado da vibração da luz solar sobre a superfície das coisas. O pintor, então, sai do ateliê, vai pintar ao ar livre e a pintura se torna também o registro do "devenir", da mudança cromática da paisagem com o passar das horas. Mas isso é a explicação teórica; na prática, a pintura impressionista revela uma nova beleza, um novo encantamento.
Essa é a visão geral, porque, na verdade, cada um daqueles pintores revelou alguma beleza nova a nossos olhos. Até que Paul Cézanne provoca uma nova ruptura nessa nova linguagem.
É a partir de então -particularmente com o cubismo- que a busca do novo se acelera, talvez até em consequência do dinamismo da vida moderna. A própria sociedade -a economia, a produção industrial, as descobertas científicas- muda a cada dia. E assim, de certo modo, o novo, que era consequência natural da criatividade artística, tornou-se o objetivo do artista. Mais do que fazer arte, ele deseja agora fazer o novo, que passou a ser um valor em si mesmo.
Sucede que a busca do novo pode conduzir à desintegração da linguagem artística, o que ocorreu com as artes plásticas durante o século 20. Não tendo mais linguagem, os que tomaram esse rumo passaram a usar as coisas mesmas como meio de expressão, bastando, para isso, deslocá-las de sua situação usual e pô-las num museu ou numa galeria de arte.
Mas há artistas que, sem voltar ao tradicional, criam novas linguagens, como, por exemplo, Alexandre Dacosta, que se vale de múltiplas relações formais e vocabulares para nos instigar a imaginação e nos divertir.
Ele atua nos mais diversos campos da expressão visual, mas aqui vou me ater aos dois livros que editou recentemente e que se intitulam "Tecnopoética" e "Adjetos". São criações de gratificante originalidade, em que ele mescla objetos, cores, palavras, signos visuais, postos todos a serviço de um senso de humor que explora o nonsense.
Ao contrário de outros artistas que tentam se impor pelo gigantismo das obras, Alexandre inventa pequenos objetos, às vezes "máquinas inúteis", à la Picabia.
Exemplo: O "receptor descartável de impropérios", e outro, chamado "suruba", feito de tomadas elétricas encaixadas umas nas outras. Há um outro, que consiste num sapato com rodas de patins e uma hélice que o faria levantar voo.
Ele define seus objetos como "utensílios capazes de deslocar a percepção para uma invertida reflexão do cotidiano". Trata-se de uma das manifestações mais inteligentes e criativas dentre as que vi ultimamente nesse gênero de arte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário