domingo, 6 de janeiro de 2013

Pedra lunar presente dos EUA está 'esquecida' em universidade gaúcha

FOLHA DE SÃO PAULO

Da lua para o cofre
Cidade gaúcha de Bagé é o lar de uma relíquia inusitada: uma pedra lunar trazida à Terra pelo projeto Apollo e presenteada ao governo militar
FELIPE BÄCHTOLDENVIADO ESPECIAL A BAGÉ (RS)Em Bagé, cidade gaúcha próxima ao Uruguai, a reverência à personalidade local mais conhecida, o ex-presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), está por toda parte: nomes de prédios, placas e uma exposição de objetos pessoais.
A principal fortuna que o presidente entre 1969 e 1974 deixou para a cidade, porém, está escondida em um cofre de uma universidade local.
Em 1973, o militar, que comandou o país no auge da ditadura, recebeu um presente inusitado do então presidente americano Richard Nixon (1913-1994): uma pedra trazida da Lua por astronautas.
O fragmento foi doado anos depois pelo general ao museu de sua cidade, mantido pela universidade privada local Urcamp (Universidade da Região da Campanha).
Apesar do aspecto de pedaço de carvão e de seu peso de pouco mais de um grama, o valor da pedra pode alcançar milhões de dólares no mercado negro.
O fragmento foi exposto por anos no Museu Dom Diogo de Souza sem ser muito notado. Até o dia em que reportagem em uma revista abordou o caso de uma outra pedra similar, furtada do governo de Honduras e avaliada à época em US$ 5 milhões.
A direção da universidade decidiu retirar a relíquia de exposição e, há mais de dez anos, nenhum visitante pode observar o objeto histórico.
SEM PATROCÍNIO
Em 2012, a gestão do museu tentou organizar uma exposição sobre o espaço na qual a pedra seria a grande atração. Não conseguiu levantar R$ 80 mil necessários para o patrocínio, e o objeto de origem espacial continua guardado a sete chaves, em local não revelado.
A pedra fica acomodada em uma esfera de acrílico pouco menor do que uma laranja. A redoma está fixada em uma placa de madeira, com inscrições em inglês falando em "símbolo do esforço humano".
Um trauma na história do local contribui para o temor de furto: em 1989, o museu foi arrombado e teve objetos levados. Atualmente, um zelador durante o dia e outro à noite cuidam do acervo.
A universidade não pretende deixar a pedra em exposição permanente. Em uma mostra temporária, a ideia é pedir auxílio ao Exército, que iria atuar na vigilância.
A reitora, Lia Quintana, afirma que não há como arcar com os custos de uma exibição ininterrupta. "É como um quadro valioso", diz.
Para piorar a situação, a Urcamp enfrenta uma crise financeira e esteve ameaçada de ter seu principal prédio levado a leilão neste ano. O orçamento anual da instituição é de R$ 45 milhões.
Folha foi autorizada a fotografar a pedra. Mas teve de esperar 40 minutos até que a direção da universidade retirasse a pedra do esconderijo.
Em Bagé, cidade de 117 mil habitantes, há quem desconheça a existência do objeto.
CASUALIDADE
O advogado Fernando Sérgio Lobato, 66, diz que o fragmento foi parar no acervo do museu de maneira quase casual. Nos anos 1970, após Médici deixar a Presidência, Lobato era advogado dele e o ajudava com processos sobre escrituras de fazendas. Não cobrava honorários.
Ele conta que certa vez visitou uma sala onde o presidente expunha objetos pessoais. "Tinha camisas de futebol autografadas. Ele perguntou se eu tinha uma escolha ali para fazer como presente. Eu disse que tinha escolhido a pedra da Lua: 'Quero que o senhor dê para o museu de Bagé'."
E assim foi feito. Por pouco a pedra não ficou esquecida na coleção particular do presidente.

    Felipe Bächtold/FolhapressPedra lunar, acomodada em cilindro de acrílico, está em universidade em bagé (RS) Pedra lunar, acomodada em cilindro de acrílico, está em universidade em Bagé (RS)

    Grupo dos EUA rastreia rochas mundo afora
    DO ENVIADO A BAGÉEstudantes americanos liderados por um ex-investigador da Nasa (agência espacial dos EUA) tentam há anos descobrir o paradeiro de pedras lunares como a que foi doada ao Brasil nos anos 1970.
    Os Estados Unidos distribuíram naquela década fragmentos de uma pedra conhecida como "rocha da boa vontade" para 130 países e para os 50 governadores americanos.
    Os alunos do ex-investigador Joseph Gutheinz afirmam que já conseguiram rastrear, desde 1998, 79 dos fragmentos dados como presentes.
    Se parte dos souvenires está exposta em locais de prestígio, como o Museu Alemão de Munique, dezenas ainda têm o destino desconhecido.
    À Folha, questionado sobre a situação da pedra de Bagé, Gutheinz, que é professor de direito, diz que a peça pode ser exposta e protegida ao mesmo tempo. "A Nasa faz isso o tempo todo. Todas deveriam estar em exibição para o maior número possível de crianças."

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