Luciane Evans e Carolina Cotta
Primeiro, era uma ansiedade sem mal aparente. “Ficava ansiosa só de esperar por alguém”, lembra a universitária Paula Jeunon Dutra, de 28 anos. O que era um sentimento até então considerado normal e comum passou a se tornar patológico e perigoso: “Os sintomas foram evoluindo. Passei a ter crises agudas. Era uma palpitação no peito e uma sensação iminente de morte. Só este ano, tive oito crises como essa”, conta Paula, para quem o diagnóstico médico foi de síndrome do pânico. A universitária, hoje em tratamento, integra o percentual de 20% da população brasileira que sofre com um dos tipos de transtorno de ansiedade e para o qual o clonazepam, princípio ativo do Rivotril, é indicado, mas com ressalvas. |
Nos últimos dias, o Estado de Minas mostrou que a medicação, com índice de dependência maior que do álcool e da cocaína, é consumida no Brasil em larga escala. Um recorte disso é o levantamento do Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais, divulgado pelo EM com exclusividade na sexta-feira, que mostra que somente em 10 cidades mineiras, em 2012, foram consumidos 15 milhões de comprimidos. Em todo o estado, foram 76 milhões de pílulas.
O medicamento tem sido usado no tratamento contra depressão e, como mostrou ontem a reportagem, não trata a doença, e, sem acompanhamento médico, pode até piorar a enfermidade. Mas, em casos de transtorno de ansiedade, um mal que muitas vezes é erroneamente confundido com quadro depressivo, a droga pode ser, de acordo com especialistas, uma aliada para o controle dos males que o problema abrange.
A ansiedade faz parte das reações de defesa das pessoas. Segundo explica a psiquiatra, psicanalista e professora de residência de psiquiatria do Instituto de Previdência dos Servidores de Minas Gerais (Ipsemg) Gilda Paoliello, é um sentimento normal que, inclusive, tem uma função protetora. “É um sentimento sinalizador de algo que está ocorrendo. Existe uma ansiedade boa, que é aquela da expectativa de quando esperamos por algo. O problema está quando essa ânsia se torna patológica e começa a limitar a sua vida.” Por causa dessa sensação, a pessoa, de acordo com Gilda, passa a evitar coisas específicas e a ter um medo vago. “Ela se sente desamparada, tem tonturas e passa a ter sintomas físicos, como taquicardia. É um momento de crise de ansiedade”, define.
O diagnóstico não é simples. Para o psiquiatra Frederico Graeff, professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto de Neurociências e Comportamento (Inec), a linha que separa a ansiedade normal da patológica é tênue. “Quando ela se torna doença é uma ansiedade inapropriada, que causa sofrimento e desajustes nas relações sociais, familiares e de trabalho. Nesse caso, são vários os transtornos de ansiedade, cada qual com manifestações próprias. Há o transtorno do pânico, de ansiedade generalizada (TAG), de estresse pós-traumático, de ansiedade social e fobias. Há ainda o transtorno obsessivo compulsivo (TOC), considerado pelo DSM-4 (manual de diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana), mas não pelo CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), um transtorno primário de ansiedade”, explica. (Veja quadro)
CAUSAS Evoluindo por meio de crise, a ansiedade pode gerar todos esses diagnósticos citados por Graeff, o que, segundo a psiquiatra Gilda Paolielo, vai depender das características pessoais de cada um. A crise pode ser acentuada pela situação pela qual o indivíduo está passando no momento. “Há quem tenha a propensão ao transtorno quando uma situação se torna desfavorável, e no mundo moderno, isso vai acentuando”. Segundo Frederico Graeff, pós-doutor pela Universidade de Harvard e ex-professor visitante na Universidade de Oxford, de maneira geral toda patologia psiquiátrica é multifatorial, não tendo apenas uma causa, mas combina a predisposição com uma situação desencadeante ou estressante. A predisposição pode estar relacionada a um fator genético e hereditário ou a experiências ao longo da vida. "Isso causa uma vulnerabilidade maior ou menor.”
O estresse, de acordo com a universitária Paula, foi um dos fatores que desencadearam a síndrome do pânico. “Estava trabalhando, estudando e fazendo cursos, não parava em casa. Aí, minha ansiedade, que é algo que sempre tive, foi piorando. Até que um dia estava diante da oportunidade de mudar de emprego e, perante o desafio, comecei a ficar muito ansiosa no meio da rua. Meu coração batia muito rápido e senti que ia morrer. Fui para o hospital e o médico deu o diagnóstico da síndrome. É algo muito físico, toda vez que tenho a crise, por mais que saiba que faz parte do transtorno, não acho que é. Quero correr porque acho que vou morrer. O pior é ninguém vai achar que aquilo é verdadeiro.”
TRATAMENTO De acordo com a médica Gilda Paolielo, a primeira coisa no tratamento do transtorno de ansiedade é o paciente aprender a lidar com o problema de formas diferentes. “Se ele não consegue fazer essa mudança, é preciso buscar ajuda da psicoterapia. Quando só a terapia não resolve, entram as medicações, como o clonazepam”, diz. Atualmente, de acordo com a especialista, o Rivotril tem sido menos usado por causa da dependência que causa ao paciente, tanto física quanto psíquica. “Temos antidepressivos que são mais seguros por não causar a dependência. Mas eles demoram a fazer efeito, podendo levar semanas até uma melhora do paciente”, afirma Gilda, ressaltando que, por essa razão, muitos especialistas recorrem aos ansiolíticos, como o Rivoltril, até que os antidepressivos comecem a agir no organismo. “Ele traz o alívio para a ansiedade, mas tem que ser prescrito com responsabilidade e acompanhamento médico. O que tem ocorrido é o abuso dessa medicação”, critica Gilda.
Apesar da importância de aliar a droga ao tratamento psicológico – quando o paciente vai tratar do que o incomoda, falando de suas angústias e medos –, Frederico Graeff relata que muitas pessoas, entretanto, não recorrem à psicanálise ou psicoterapia, por serem processos mais demorados e caros, ou por ter apenas acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). "É por isso que muitas vezes no tratamento prevalece o farmacológico, que nem sempre é a melhor. O certo é combinar medicamento e tratamento psicológico.” Ele acredita que há excesso de medicação por um lado e a falta por outro. “Há uma série de pessoas com transtornos de ansiedade não medicadas e muita gente medicada sem necessidade. Quem mais receita essas substâncias, principalmente os antidepressivos, são médicos de outras especialidades e não psiquiatras. A indicação é muito ampla e os efeitos colaterais, indesejáveis. É preciso pesar riscos e benefícios na hora de fazer essa escolha”, alerta.
NO MPF
A série do Estado de Minas sobre o excesso, uso e reflexo do clonazepam, divulgada desde sexta-feira, motivou o ex-vereador e ex-presidente da Câmara de Vereadores de BH, Betinho Duarte, assessor especial da Comissão da Verdade Ordem dos Advogados do Brasil – Regional Minas, a entrar com representação no Ministério Público Federal (MPF) pedindo investigação no estado para o consumo do remédio. “Isso tem que ser apurado a fundo. As notícias chocaram a sociedade, principalmente, quando foi mostrado que uma criança de 9 anos estava sendo medicada com o Rivotril.”
DO SIMPLES AO COMPLEXO
Veja os tipos de transtornos de ansiedade
Transtorno do pânico
A característica essencial é o ataque de pânico, experiência súbita de terror e medo de morrer acompanhada de as manifestações neurovegetavivas como palpitação, sudorese, tremor, tontura, náuseas e diarreia. A situação desagradável dura alguns minutos e a pessoa pode desenvolver a ansiedade antecipatória: medo de outro ataque.
Transtorno de ansiedade
generalizada (TAG)
Quadro de preocupação exagerada com eventos corriqueiros. A pessoa geralmente imagina que algo ruim está para ocorrer. Pelo DSM-4, é preciso seis meses com esses sintomas para fechar o diagnóstico em TAG. Diferentemente do pânico, as manifestações neurovegetavivas
são mais leves.
Transtorno de estresse pos-traumático
Decorre de experiências muito traumáticas, como combates, calamidades, acidentes. Mesmo após o episódio, a ansiedade da pessoa permanece e ela pode reviver a situação, o chamada flashback, e ficar ansiosa com qualquer coisa que lembre o trauma.
Transtorno obsessivo compulsivo (TOC)
Apesar de não ser considerado um transtorno primário de ansiedade pelo CID-10, o TOC é tratado dessa forma no DSM-4. Trata-se de um comportamento rotineiro em que uma ideia forte, em relação a de defesa territorial ou limpeza, por exemplo, não se afasta do pensamento.
Fobia
O quadro de ansiedade na fobia é bem parecido com a do pânico mas em relação a questões específicas, como medo de ver sangue, medo de altitude, medo de lugares fechados. A categoria é bem distinta porque é a única para qual não existe tratamento medicamentoso, só exposição a tratamentos compartimentais.
Transtorno de ansiedade social
ou fobia social
Nesse tipo de transtorno de ansiedade o indivíduo fica muito ansioso ao ser observado e entende qualquer observação como um escrutínio ou algo crítico. Não é simplesmente o caso de uma pessoa tímida que não gosta de ficar em público, é algo levado ao extremo.
Fonte: Frederico Graeff, médico psiquiatra, pós-doutor pela Universidade de Harvard e ex-professor visitante na Universidade de Oxford, professor titular aposentado da USP e presidente do Instituto de Neurociências e Comportamento (Inec).
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