Com a promessa de limpar o organismo, produtos e dietas detox viram mania entre celebridades e ganham mercado brasileiro
O termo -abreviatura de desintoxicação, em inglês- tornou-se sinônimo de sucesso de vendas e hoje engloba de regimes alimentares a produtos para curar a ressaca.
A premissa dos tratamentos é que maus hábitos, como a ingestão de produtos industrializados e estresse, liberam toxinas e o organismo precisa de ajuda para eliminá-las.
A lista de celebridades que já aderiram a essas dietas só aumenta a fama do detox. Recentemente, a atriz americana Anne Hathaway perdeu 11 quilos com uma desintoxicação à base de rabanete e pasta de grão-de-bico que fez para viver a prostituta Fantine, no filme "Os Miseráveis".
Por aqui, a atriz Giovanna Antonelli perdeu cinco quilos com um programa de "marmitas desintoxicantes" da empresa carioca Detox in Box, que vem lucrando com a popularização do termo.
"Estamos com quase todo o elenco de 'Salve Jorge' [atual novela das 21h da TV Globo]", comemora a chef e nutricionista Andrea Henrique, que não revela o nome de todas as celebridades que recebem diariamente caixas de comida detox no Projac (estúdios da TV no Rio). A comodidade sai por R$ 1.400 a semana, preço promocional.
A empresa tem um ano e atende cerca de 40 clientes semanalmente. As refeições são feitas com produtos orgânicos, sem lactose, glúten e gordura animal -ingredientes que, segundo a chef, prejudicam o fígado. "Não é um programa que desintoxica ninguém, só tiramos o que sobrecarrega", diz.
A alta demanda faz com que a empresária já pense na expansão para São Paulo. Atualmente, ela procura um imóvel nos Jardins para instalar a empresa.
LIMPEZA EM CÁPSULAS
Os produtos que prometem eliminar toxinas chegaram ao mercado brasileiro há pouco mais de um ano e têm procura crescente.
Na rede de lojas de produtos naturais Mundo Verde, as vendas de alimentos e fitoterápicos com função desintoxicante cresceram 50% em 2012. As opções vão de misturas prontas para sucos de vegetais e frutas, até cápsulas com vitaminas e minerais. Tudo anunciado com a promessa de auxiliar o fígado a eliminar toxinas.
Com três produtos detox no mercado, a empresa Smart Life vendeu, na primeira quinzena de janeiro, todo o estoque do mês (5.000 unidades) do seu programa de desintoxicação. O kit para 30 dias, com 60 cápsulas de vitaminas, minerais e clorofila, custa R$ 79,90.
Segundo o site da empresa, o produto é indicado para contribuir com "a busca do bem-estar do organismo". As cápsulas são classificadas pela Vigilância Sanitária como "alimento de propriedades funcionais" -não são consideradas remédios.
"As pílulas contêm fosfatidilcolina [tipo de proteína], que ajuda na redução da gordura depositada no fígado e acelera o processamento de toxinas", diz Lukas Fischer, suíço, diretor da empresa.
CADA UM COM SEU DETOX
Para a indústria, desintoxicação é sinônimo de sucesso de vendas; para terapias holísticas, uma forma de tratar de doenças e, para quem comeu demais, uma esperança de eliminar as consequências dos excessos ingeridos.
A diversidade de métodos que carregam o nome detox tende a confundir e a colocar ideias contrastantes sob a mesma alcunha.
A confusão mais comum é a de pensar que os métodos são uma forma de emagrecer. "A proposta não é o emagrecimento. A perda de peso acaba sendo uma consequência, mas não é o foco", diz Andrea Henrique. Segundo ela, ao cortar as gorduras, a perda de peso pode vir naturalmente.
Um ponto polêmico é a ideia de que o corpo precisa de ajuda para eliminar toxinas, o que não faz sentido, segundo o hepatologista Raymundo Paraná, da Universidade Federal da Bahia.
"O fígado dá conta. Do ponto de vista hepático, essas dietas não se justificam. O mesmo vale para pílulas 'hepatoprotetoras', não há comprovação científica", diz.
É o que também pensa David Bender, professor de bioquímica nutricional do University College London e autor de um artigo sobre o tema, publicado na revista científica "The Biologist".
"O pressuposto das 'dietas de desintoxicação' é que nós acumulamos toxinas. Isso deixaria o metabolismo 'lento', e assim engordaríamos. Essa ideia é um absurdo. Não acumulamos toxinas, a não ser em casos de contaminação por substâncias como chumbo ou arsênico", afirmou à Folha. Além do fígado, os rins e o intestino também cumprem um papel de limpeza interna.
MAL NÃO FAZ
Quando bem orientados, cardápios de desintoxicação são parecidos com outros regimes: cheios de frutas, verduras e com pouca gordura.
Às vezes, o detox pode servir como ritual de passagem, logo que uma mudança alimentar é adotada. Foi o que fez a corretora de imóveis Marcella Marini e seu marido, o empresário Felipe Marini, ambos com 33 anos. Durante três dias, com orientação, eles mantiveram alimentação à base de sopas, sucos desintoxicantes e frutas.
"Ficamos com fome, mas percebemos quais eram os nossos excessos. Perdemos bastante líquido", lembra.
Depois dos três dias, fizeram regime por um ano e emagreceram, juntos, 45 quilos. Do período, o casal adotou uma receita de suco de maçã, folhas verdes e cereais, que bebe até hoje.
"É muito gostoso. A gente toma no café da manhã da segunda-feira quando damos aquela exagerada no fim de semana", conta Marcella.
Para Vânia Assaly, endocrinologista e nutróloga, a chave está em evitar alimentos que provoquem inflamação no organismo, como frituras, corantes, enlatados e embutidos, e, ao mesmo tempo, aumentar a ingestão de alimentos ricos em antioxidantes -hábitos saudáveis conhecidos de longa data.
"A dieta funciona, assim como outras dietas saudáveis. O mundo precisa de tendências de mercado para fazer a mesma coisa com um novo encantamento", diz.
Veja receitas de pratos e sucos desintoxicantes
folha.com/1220126
fRASES
VÂNIA ASSALY
nutróloga e endocrinologista
"Não acumulamos toxinas no corpo, a não ser em casos de contaminação por substâncias como chumbo ou arsênico"
DAVID BENDER
Bioquímico
Medicina indiana usa detox para tratar doenças
COLABORAÇÃO PARA A FOLHAPara as medicinas indiana e chinesa, a desintoxicação é vista como uma forma de tratar doenças.A roteirista de cinema e televisão Mariana Vielmond, 32, tinha asma desde criança e já havia tentado, sem sucesso, tratamentos com acupuntura e homeopatia.
Até que resolveu procurar uma terapeuta especialista em medicina indiana ayurveda e, por dez dias, seguiu um cardápio sem pão e proteína animal. "Não senti fome porque a quantidade de alimento não era limitada. Senti uma leveza diferente", lembra.
Massagens e aulas de ioga também fizeram parte da terapia, que "exigiu dedicação". Desde o tratamento, em dezembro de 2011, a carioca não toma mais remédio e diz que as crises desapareceram. A insônia que tinha às vezes também passou.
Mariana ainda segue a alimentação ayurvédica, sempre baseada no perfil do paciente. "No ayurveda, tudo é remédio e tudo é veneno, depende de como se aplica", diz Erick Schulz, vice-presidente da Associação Brasileira de Ayurveda. Ele descarta o uso de listas prontas que indiquem alimentos desintoxicantes -mesma visão da medicina tradicional chinesa.
Em casos de doenças, pode ser recomendado pelo ayurveda um detox radical, com vômitos, diarreias, limpeza pelas narinas e uso de sanguessugas. O tratamento só é feito na Índia.
Na tradição chinesa, a desintoxicação é feita por meio de mudanças alimentares, acupuntura, uso de fitoterápicos e meditação.
Segundo Ruy Tanigawa, presidente da Associação Médica Brasileira de Acupuntura, a terapia é indicada como tratamento auxiliar. "Em caso de doenças mais graves, o mais indicado é procurar o que há de melhor, e a medicina convencional tem muito a oferecer", afirma.
Dieta líquida não deixa o corpo trabalhar direito, diz nutricionista
COLABORAÇÃO PARA A FOLHADietas de desintoxicação podem trazer riscos se as restrições alimentares adotadas forem radicais e se a prática não for orientada.Para a nutricionista Cynthia Antonaccio, limitar a ingestão de alimentos sólidos pode trazer prejuízos.
Uma das dietas líquidas mais famosas é a "master cleanse" -conhecida por já ter sido usada pela cantora Beyoncé e pelos atores Ashton Kutcher e Demi Moore. O método prega a substituição de refeições por uma mistura de água quente, limonada, xarope de "maple" (árvore canadense) e pimenta caiena durante dez dias.
Segundo Antonaccio, dieta líquida não é recomendada, porque não traz uma quantidade de calorias suficiente e não faz o organismo trabalhar perfeitamente.
A fome decorrente do cardápio limitado pode provocar fraqueza, mau humor, piora no desempenho cognitivo e, consequentemente, queda no rendimento nos estudos e no trabalho.
"O pior de tudo é que não é durável. A pessoa tende a voltar para a dieta 'trash' de antes. Com essas tentativas, só se está adiando o processo de ficar em paz com a comida, para finalmente estabelecer um padrão alimentar adequado", afirma.
Cortar grupos alimentares para emagrecer é arriscado. Para o hepatologista Raymundo Paraná, dietas que mudam radicalmente o metabolismo não são seguras.
Segundo ele, regimes que proíbem comer proteínas podem, em vez de desintoxicar, agravar doenças no fígado que não tenham manifestado sintomas, como hepatites.(GIULIANA DE TOLEDO)
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