terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Editoriais FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Dor e reparação
Tragédia de Santa Maria sempre será inexplicável para famílias e amigos das vítimas; na esfera pública, contudo, resta muito a fazer
Diante de uma tragédia com as proporções da ocorrida na madrugada de domingo em Santa Maria (RS), é natural e previsível a reação de apontar o dedo na direção dos culpados pelo acidente.
Sem dúvida, não faltam indícios espantosos de irresponsabilidade e de negligência na fiscalização da boate Kiss, palco da tragédia que vitimou duas centenas de jovens num incêndio.
Antes de insistir no óbvio -a necessária apuração dos fatos e a consequente punição dos que nada fizeram para evitá-los-, valeria amainar, entretanto, em benefício da reflexão e da solidariedade, os ímpetos do espírito acusatório.
Encarado na escala individual, a das famílias e dos amigos, dos namorados e das namoradas, o acontecido é incompreensível, inaceitável, por mais que, em seguida, os olhos do público se voltem para as circunstâncias concretas -e evitáveis- do horrível incêndio.
Uma vez que pouco se pode acrescentar diante do essencial da dor humana, além de palavras de compaixão e consolo a que somente o tempo será capaz de conferir alguma ressonância, resta voltar a atenção para o que se afigura apenas tópico, nesta hora.
Informa-se que a casa noturna não tinha alvará de funcionamento nem plano atualizado de prevenção a incêndios. Sim, mas cabe observar que os documentos necessários para a promoção de eventos no local já tinham sido concedidos em anos anteriores; faltava, ao que parece, apenas renová-los. Corresponderiam, na época em que eram válidos, a um ambiente realmente seguro?
A boate não possuía sinalização adequada para casos de emergência. Com a escuridão e a fumaça, sua ausência se provou fatal. Não existia, de resto, outra saída além da principal, de dimensões óbvia e desgraçadamente insuficientes.
Pouco havia a fazer depois de, segundo se relata, a fagulha de um artefato pirotécnico ter atingido o teto da boate, revestido de material inflamável. Afirma-se, ainda, que extintores de incêndio manuseados por seguranças e músicos não teriam sido eficazes.
A falta de fiscalização e a total imprevidência dos responsáveis -tenha ou não o incêndio sido causado pelos fogos de artifício- estão fora de dúvidas. Na obscuridade continuarão outros inúmeros locais públicos onde riscos semelhantes podem se materializar.
Já se observa um surto de atividade normativa e fiscalizadora entre prefeitos de outras localidades. Que não se esgotem no oportunismo inconsequente de sempre.
O país ganharia, porém, com uma norma federal para uniformizar regras básicas de prevenção a tais acidentes, como metragens mínimas de portas de emergência, proporcionais à lotação do local, e proibição categórica de dispositivos pirotécnicos em recintos fechados.
É o que resta a fazer. Pouco, diante de tantos mortos, mas já seria muito, diante do desleixo e da imprevidência usuais na administração pública brasileira.

    EDITORIAIS
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    Avanços no Mali
    Menos de 20 dias após iniciarem a ofensiva militar no Mali, tropas lideradas pela França reconquistaram cidades estratégicas no centro do país e avançam rumo ao norte sem enfrentar grande resistência por parte dos rebeldes que controlam a região desde junho.
    No final de semana, os franceses não sofreram reveses ao retomar Gao, particularmente importante por causa de seu aeroporto e da ponte sobre o rio Níger. Segundo relatos de moradores da cidade, os radicais islâmicos não tinham combustível e fugiram a pé ou montados em camelos.
    Seria precipitado, ainda assim, concluir que a guerra terminará em pouco tempo. A verdadeira dificuldade do conflito não parece residir na reocupação de grandes centros -até agora recuperados com poucos combates-, mas na manutenção de um território ameaçado por um adversário sorrateiro.
    Os extremistas que se alojaram no norte do Mali são, em sua maioria, alinhados com o grupo Al Qaeda. Não há como esperar que eles se restrinjam a táticas convencionais de guerra, e seria ilusório imaginar que estejam abrindo mão de suas recentes conquistas.
    Desde que dominaram o norte do Mali, os radicais impuseram à população os princípios da sharia, a lei islâmica. O fanatismo religioso é o mesmo que move extremistas em outros países do noroeste da África, como a Argélia, e lança a região na instabilidade.
    A missão francesa torna-se ainda mais complicada por causa da porosidade das fronteiras no norte africano, com o afrouxamento do controle antes exercido por ditadores depostos na Primavera Árabe.
    O objetivo de uma paz duradoura segue sob permanente ameaça. Mesmo com o Exército da França em combate lado a lado com as forças malinesas, desfazer a imagem de neocolonialismo constitui um desafio paralelo -não só por obediência ao princípio de não intervenção, mas também para não alimentar sentimentos revanchistas.
    São por isso bem-vindas as declarações do presidente francês, François Hollande, segundo o qual caberá aos africanos cuidar do Mali. Mas não basta: é imperioso organizar uma força de combate africana capaz de preencher os vácuos de poder no continente.

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