terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Atos desafiam toque de recolher no Egito

FOLHA DE SÃO PAULO
Manifestantes ignoram ordem do governo em três cidades; conflitos no país desde sexta deixam ao menos 52 mortos

Oposição rejeita acordo com presidente Mursi e lhe atribui a culpa por mortes; Exército obtém poder de prender civis
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIASEm mais um dia de violência e protestos no Egito, duas pessoas foram mortas no país -o que elevou o total de mortes para pelo menos 52 nos últimos dias- e manifestantes desafiaram o toque de recolher imposto pelo governo do presidente islamita Mohamed Mursi em três cidades.
O Egito vive nova onda de violência desde sexta, 25 de janeiro, quando se completaram dois anos do início do levante que derrubou Mubarak.
As mortes de ontem ocorreram no Cairo e em Port Said, a cerca de 200 km da capital -onde, no sábado, civis e policiais entraram em conflito após decisão da Justiça que condenou 21 à morte pelo massacre de 74 pessoas num estádio de futebol em fevereiro de 2012.
Desde a 0h de ontem, Port Said, Ismailia e Suez estão sob toque de recolher das 21h às 6h. A medida do governo, porém, foi ignorada pelos manifestantes logo na primeira noite de sua vigência.
"Abaixo o estado de emergência!", gritavam manifestantes em Ismailia. Delegacias foram atacadas em Port Said, e veículos policiais incendiados no Cairo.
À tarde, a polícia já havia dispersado com gás lacrimogêneo manifestantes que atiravam pedras perto da praça Tahrir, no Cairo. Horas antes, também na capital, um homem de 46 anos -aparentemente, um transeunte não envolvido nos protestos- foi morto a bala; não ficou claro de onde havia partido o tiro.
Também ontem, o Senado egípcio ratificou lei que dá às Forças Armadas o poder de prender civis, como "apoio à polícia na manutenção da ordem". A medida deve irritar ainda mais os manifestantes que acusam Mursi de recorrer a táticas similares às do ex-ditador Hosni Mubarak.
Hoje, a Justiça egípcia deve começar a julgar pedido da defesa de Mubarak para que o ex-ditador, que tem 84 anos e foi condenado à prisão perpétua em junho de 2012, seja solto por motivos de saúde. A depender da decisão, novos protestos podem acontecer.
SEM DIÁLOGO
A proposta de Mursi por um "diálogo nacional" foi aceita apenas por simpatizantes. A principal coalizão oposicionista, a Frente de Salvação Nacional, rechaçou a oferta, em mais uma demonstração das divisões no país.
Representantes da Frente chamaram a oferta do presidente de "cosmética" e condicionaram a participação em negociações à formação de um governo de união nacional. Além disso, disseram que Mursi deveria assumir a responsabilidade pelas mortes nos protestos mais recentes.
O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que os EUA condenam "fortemente" a onda de violência no Egito e exortou os líderes do país a dialogar em âmbito nacional.



    ANÁLISE
    Sem reformas, Estado recorre a métodos de Mubarak para restabelecer a ordem
    BORZOU DARAGAHIDO “FINANCIAL TIMES”, NO CAIROO Egito celebrou o segundo aniversário de sua revolução não com fogos de artifício, mas com bombas, pedras arremessadas, disparos de armas de fogo e muita cólera.
    A explosão de violência foi um indício alarmante da trajetória seguida pela transição política tortuosa do país.
    O caos teve origem no fato de a nova classe política não ter conseguido forjar um consenso que abrisse caminho para reformas e reforçasse a confiança nas instituições.
    Tanto o presidente islâmico quanto a oposição secular parecem não dar ouvidos aos sinais de insatisfação vindos das ruas. Aliados do presidente Mursi atribuíram a agitação a potências estrangeiras e "mãos ocultas".
    A reação da Frente de Salvação Nacional, liberal de esquerda, vem sendo quase pior. Em vez de lançar um chamado por paz, o grupo divulgou uma lista de exigências para concordar em participar nas eleições parlamentares próximas. Sua iniciativa foi vista como oportunismo político crasso.
    O cenário político já polarizado está se dividindo mais, com grupos obscuros penetrando no vazio de autoridade.
    A maioria dos observadores concorda que foram iniciativas da Irmandade Muçulmana que provocaram o mal-estar, que prejudicou perspectivas de recuperação.
    A convocação de um Conselho Nacional de Defesa e seus avisos em tom duro sobre a iminência do recurso à força também são reveladores. Na ausência de reformas institucionais, sem nenhum aumento da legitimidade popular das instituições, o Estado precisa recorrer aos mesmos métodos de Mubarak para restabelecer a ordem.
    Tradução de CLARA ALLAIN

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