terça-feira, 29 de janeiro de 2013

"Deus vult!" - Carlos Heitor Cony

FOLHA DE SÃO PAULO

RIO DE JANEIRO - Li não sei onde que na recente posse de Obama, em todos os discursos, do presidente aos juízes, mestres de cerimônias e convidados diversos, o nome mais citado foi o de Deus. Nada demais num país fundado pelos peregrinos do "Mayflower".
Aqui no Brasil, volta e meia, sob a alegação de que o Estado é laico, surgem movimentos para tirar o nome de Deus da Constituição e de algumas cerimônias oficiais que invocam seu nome logo no início dos trabalhos.
Como agnóstico militante, acho uma besteira tanto a invocação como a pretendida supressão do nome de Deus. Contudo, não tenho apetite nem motivo para fazer uma cruzada na base do "Deus non vult", lema às avessas dos cruzados cristãos que iam matar infiéis na Terra Santa.
Na Idade Média, quando as donzelas casavam, tinham na camisola da primeira noite um pequeno buraco com a inscrição: "Deus vult". Deus o quer. Invocar Deus para matar ou nascer é coisa entranhada na carne humana.
Outro dia, um amigo anotou quantos programas na TV brasileira são dedicados exclusivamente, de uma forma ou outra, a louvar Deus e a pedir sua proteção para diversos e contraditórios fins, desde a cura da embriaguez de um marido ao fechamento das chagas de um leproso, tudo isso ao vivo e em cores.
Ainda bem que o espaço e o tempo estão razoavelmente distribuídos entre os cultos, tanto se pode acompanhar uma missa pontifical rezada pelo papa, em Roma, como o exorcismo de uma endemoniada em Del Castilho.
Pensando bem, está tudo certo. Outro dia, vi a multidão de fiéis espremida num templo evangélico aqui no Rio, na avenida Suburbana. Muito mais gente do que o povo que ouviu o Sermão da Montanha, 2.000 anos atrás. Sinceramente, não sei o que concluir toda vez que Deus quer alguma coisa.

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